terça-feira, 21 de setembro de 2010

O MANÁMICHA EUROPEU

Este texto é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com pessoas, factos ou lugares será mero fruto do acaso.

Numa a terra do país mais ocidental da europa, e o mais europeu dos africanos, o clima económico era desde há anos de profunda recessão. Tinha grandes recursos turísticos, que contudo estavam todos por aproveitar. O mesmo acontecia com o resto. Até que houve umas eleições e apareceu um rapaz cheio de crença e de vontade de trabalhar em prol da sua terra. Em poucos meses, implementou ou colaborou na implementação de várias manifestações para atrair visitantes.
Houve sucessivamente o primeiro de Março, o Congresso do Caldo Entornado, a Praça Morta, o Tomarbatuque, a bronca Lobo Antunes, os Bons tons, as Múmias vivas, a Gala musette, e por aí fora. Correu tudo que foi uma maravilha. Menos o congresso dos caldos, porque o S. Pedro entornou o dele, o que levou muitos congressistas a fazer gazeta. E aquilo do Lobo Antunes, cá por coisas que não adianta contar. O resto foi uma sucessão de êxitos, sem precedentes na história da urbe. Veio muita gente de fora; cafés, restaurantes e hotelaria fizeram grandes negócios, os autarcas ficaram encantados. Sobretudo o tal rapaz cheio de crença. A autarquia é que estava cada vez mais endividada, mas pronto! Não se pode ter sol na eira e chuva no nabal. Para se ganhar (as eleições) tem de se investir (o dinheiro dos outros).
A notícia espalhou-se pelo país e vieram políticos de várias autarquias, indagar como tinha sido possível passar tão rapidamente do persistente marasmo ao extraordinário incremento. Para mais com as receitas da autarquia a baixarem constantemente.
Ouviram tudo o que lhes foi explicado, até que um deles perguntou -E isso fica muito caro à autarquia? -Não; de maneira nenhuma, respondeu o da crença. Logo acrescentando -Custa é convencer o presidente, que até é doutra cor. A seguir é sempre a somar. Ou melhor, a organizar... Mas em termos de custos reais, mais ou menos quanto por cada evento? -Vamos dizer à roda de 40 mil euros. E 200 mil para a Festa Grande. Mas essa é só de 4 em quatro anos, o que dá 50 mil euros por ano. Metade paga a autarquia, outra metade o governo via Turismo de Portugal. Não é barato. Porém, quando chegam as eleições, é como aquelas passeatas à borla e para encher a pança à vontade: são votos garantidos!|
Tudo devidamente anotado, agradeceram e foram cada um à sua vida.
Como havia nessa mesma terra um grande e antigo convento, com 7 claustros e uma janela célebre, dois dos eleitos que participaram na reunião resolveram aproveitar a ocasião para irem conhecer. Pagaram 6 euros cada um à entrada, após o que ficaram admirados por não haver ninguém para explicar. Ainda foram reclamar à caixa, que lhes disse só haver visitas guiadas mediante pedido prévio, com três dias de antecedência... Um deles teve então uma ideia luminosa: -Espera aí, disse para o outro; até tenho um camarada meu da tropa que é daqui e já foi guia turístico... Pouco tempo depois, já andavm acompanhados pelo tal camarada, cujas explicações escutavam atentamente.
A dada altura, num dos 7 claustros, disse-lhes -Este é o claustro da Micha, estilo renascença, de 1543. Assim chamado porque era aqui, mais precisamente nesta janela da cozinha, cuja grade até foi cortada em baixo para esse efeito, que se distribuia aos pobres uma micha de pão e uma malga de caldo, ou de restos da comida conventual. O forno era ali daquele lado.
De regresso à santa terrinha, algures no interior sul do país, tanto pensaram, tanto matutaram, que acabaram por descobrir a fórmula do sucesso. Agora na cidade que administram, todos os meses se realiza um festival que já se tornou célebre em todo o país, e mesmo por essa Europa fora, contando com o apoio da Comissão Europeia desde a primeira edição. É o doravante celebérrimo "Manámicha europeu" que, praticamente sem grandes esforços de imaginação, e por assim dizer sem mão de obra qualificada, ou sequer preparação prévia, congrega cada vez mais participantes, vindos de todo o país e da Europa inteira. Segundo fontes reputadas fidedignas, na mais recente edição registaram-se previamente 5968 pessoas. Muita gente para uma terra pequena. Cafés, restaurantes, unidades hoteleiras, parques de estacionamento e lojas de recordações, todos ficaram satisfeitíssimos, como de resto já vem sendo hábito. A população, essa, anda toda orgulhosa. E os vereadores-inventores, não cabem em si de contentes. Vai ser reeleição certa e sem espinhas. E com maioria absoluta!
Alertado em tempo útil, o reporter de Tomar a dianteira lá foi, em busca do segredo da produção de riqueza. Contactados, os dois autarcas logo se prontificaram a explicar tudo. Fazemos alguma publicidade e promoção -disseram-nos. Só admitimos no recinto do evento pessoas que nos comprem à entrada um conjunto tee-shirt+sandes de presunto, a 10 euros. Depois, resta proceder ao lançamento, a partir da varanda dos paços de concelho, de conjuntos de 50 notas de 100 euros, até um total de 8 conjuntos. Fica-nos tudo praticamente de borla, porque a União Europeia dá um subsídio de 50 mil euros por mês, ao abrigo do programa "Aumentar o espírito competitivo", as tee-shirts são oferecidas por uma conhecida marca de bebidas, enquanto o presunto (bastante salgado, para provocar sede), e o pão, são graciosamente entregues pelas associações de produtores de porco ibérico e de cafés e restaurantes... Como vê, os comerciantes fazem bom negócio, todos se divertem e a comissão encaixa o produto das entradas+10 mil euros sobrantes do subsídio europeu, uma vez que só mandamos lançar 400 notas de cem, durante cerca de hora e meia. É bem melhor que lá na sua terra, onde gastam 40 mil euros sem retorno em cada evento. E não espevitam o espírito de competitividade entre os habitantes, que pouco se divertem. Por isso continuam todos à espera de milagres...ou do regresso do D. Sebastião, numa manhã de nevoeiro. Ou de mais um passeiozito à borla, para encher o bandulho...
Quem fala assim, não é gago!

3 comentários:

Anónimo disse...

Sem comentários...

Anónimo disse...

Ainda as Estátuas.
Por definição da função, não passava pela cabeça de ninguem por as ditas a correr e a saltar no palco junto à Cãmara. Mas foi isso que aconteceu como "uma surpresa da organização"!!! Vale a pena ver em "O Mirante.TV" que não desperdiçou a oportunidade de mais um ridículo (admito eu) após o do vereador desbocado...
Pedro Miguel

Anónimo disse...

Não é gago mas gosta de mandar areia para os olhos da populaça.
Demagogias...

AA