terça-feira, 14 de setembro de 2010

O ETERNO RECOMEÇO

Já aqui foi dito, mas torna-se imperioso rever a matéria dada. Sabemos hoje, graças à neurobiologia, e particularmente aos trabalhos de Jean-Pierre Changeux, como se processa na nossa massa cinzenta aquilo a que chamamos a aquisição de conhecimentos ou, mais propriamente, de capacidades ou habilidades. O nosso cérebro é um mundo de biliões de neurónios. De cada vez que aprendemos algo, estabelece-se uma ligação entre dois ou vários desses neurónios, a chamada sinapse. A partir daí, salvo doença (Parkinson, por exemplo, ou envelhecimento do sujeito) essa nova capacidade fica registada para o resto da vida. É por isso que quando aprendemos a nadar ou a andar de bicicleta, por exemplo, nunca mais esquecemos.
No caso do processo ensino aprendizagem, ocorre exactamente a mesma coisa, todavia com uma particular dificuldade -Não há, no estado actual das coisas, pensamento estruturado sem palavras. Daqui resulta que quem não domina suficientemente nem o vocabulário, nem as estruturas frásicas da sua língua de trabalho, não consegue sequer perceber o que lhe é transmitido, ou articular eficazmente o seu pensamento e subsequente transmissão a quem o ouve ou lê.
Como é do conhecimento geral (só não sabe quem não se interessa pela questão) no nosso país desde há muito que o ministério da educação, por razões que têm a ver com os resultados estatísticos a fornecer aos organismos internacionais, tem constrangido o corpo docente, de forma explícita ou implícita, a adaptar os programas aos alunos, em vez do inverso, como deveria ser. Porque, se um determinado diploma certifica alguma coisa, no caso uma determinda acumulação de conhecimentos teóricos e práticos, não tem sentido que esse conteúdo seja diferente de diplomado para diplomado, pela mesma escola e na mesma especialidade. Ou fará?
Desta curiosa prática, que pode ser comparada aos sucessivos abaixamentos da fasquia no salto em altura, até que o concorrente a consiga transpôr, resulta que cada vez há mais alunos no ensino secundário e, sobretudo, no superior, que não percebem patavina do que os professores dizem ou escrevem, uma vez que não dominam minimamente a língua materna. Como se dizia antigamente: não sabem ler, escrever e contar com correnteza, em português.
Confrontados com essa barreira, instransponível a curto ou médio prazo, procedem à boa maneira portuguesa -Desenrascam-se. Escondem-se em grupos de trabalho ou, já nas universidades e nos politécnicos, compram trabalhos prontos a classificar. Ou vão à internet e praticam o corte e cola, que dantes se chamava plágio e era punido criminalmente.
No ensino superior, sobretudo nos mestrados e nos doutoramentos, seria extremamente fácil detectar as fraudes, caso os professores e/ou os estabelecimentos de ensino nisso estivessem realmente empenhados. Há por esse mundo fora experiência acumulada desde há muito anos, anterior mesmo à introdução de tais graus em Portugal. Consistiria em ler cuidadosamente o trabalho apresentado, para depois proceder a um interrogatório longo e cerrado do mestrando ou doutorando, antes da obrigatória defesa pública da tese perante o júri.
Acontece, todavia, que dois factores principais impedem que tal aconteça, favorecendo todas as fraudes possíveis, desde que não demasiado grosseiras, como já tem acontecido. Por um lado, ler detalhadamente todos os trabalhos apresentados seria algo de desumano, para não dizer impossível, visto que cada professor, para arredondar os fins de mês, é obrigado a dirigir em simultâneo elevado número de mestrandos e (quando é o caso) doutorandos, o que não lhe permite ler e julgar ponderadamente todos os trabalhos, não estando assim em condições, posteriormente, de interrogar de forma cabal o aluno a prestar provas. Abreviar e simplificar é a regra geral. Para despachar e apresentar trabalho.
Além disso, como os mestrados e os doutoramentos são pagos e bem pagos, ao contrário do que acontecia em tempos idos no ensino superior público, instalou-se entre estabelecimentos e candidatos a ideia implícita de que tal pagamento corresponde à compra do respectivo comprovativo de grau. Só em casos extremamente raros é que assim não acontece. Como, por exemplo, naquele caso ocorrido o ano passado, numa universidade nortenha, em que a doutoranda teve realmente azar -O seu trabalho era um plágio integral de uma obra de determinado membro do júri. Descoberta assim a marosca, a até então docente do ensino superior apresentou a sua demissão. Cabe, no entanto, perguntar: E quantos outros casos semelhantes ficam por descobrir e punir?
Um país não pode progredir com gente que faz carreira baseada no oportunismo, no chico-espertismo e na fraude. Falta, todavia, vontade para acabar com o mal pela raíz -O evidente facilitismo no ensino básico e secundário, que não permite a aprendizagem das práticas essenciais ao prosseguimento de estudos. Estamos em Portugal, é o que é...

4 comentários:

Funiculin disse...

Vamos ao eterno (re)começo para rever a matéria dada. O começo deste blogue data de 12 de Março do ano passado. Como hoje deverá chegar aos 180.000 visitantes, podemos dizer que em média tem 327 visitas por dia. Nada mau, diria eu, se não fossem alguns comentários onde tentam denegrir a pessoa responsável pelo blogue que até não anda à procura de penacho. Contudo, este tem sempre resposta para todos e depois a contra resposta é o manifesto silêncio. É caso para dizer: Força Dr. Rebelo que em qualquer parte do Mundo qualquer um sabe o que se passa, ou não, em Tomar.

Anónimo disse...

Quando eu fui, para a antiga 2ª classe compravamos um livrinho pequenino para aprender a tabuada,hoje não compra-se uma caculadora, não é que eu esteja contra, só que acho cedo, 1º aprendiam-se depois então compravam, assim fazia-os puxar pela cabeça.
Todos nós sabemos, que o nosso cérebro adapta-se melhor em criança que em adulto.

Anónimo disse...

...e no entanto esqueceu-se de aprender pontuação. Para percebermos o seu texto torna-se necessário um enérgico exercício mental!

Anónimo disse...

Tem toda a razão o autor do blogue.
Os alunos não entendem nenhuma linguagem corrente, quanto mais científica e técnica, e o pior é que não apresentam igualmente competências de ouvir e de atenção, logo o seu deaempenho na aprendizagem fica irremediavelmente comprometido. Formam-se hoje em dia analfabetos funcionais que nada poem em causa, apenas poem quem trabalha para os ensinar, fora o desperespeito que em casa não lhe é incutido sobre o conceito de liberdade e relacionamento com o próximo. Qualquer erro passivo de reparação vão logo fazer queixinhas ao conselho directivo. Não leem não estudam não sabem fazer nada. Enfim, e depois vão para o ensino superior nos mesmos moldes socialmente deturpados com expectativas que por eles mesmos não podem concretizar. Quando se recomenda o facilitismo e agora o dormir em todo o lado, deixa muito a desejar. Força caro senhor, parabens para com a atenção e preocupação acerca de um concelho que necessita urgentemente de sair da bimbalhiçe pegada de aristocracias fracassadas e de comuns alcoolizados que alinham em tudo por um simples jantar ou uma festa pateta sem interesse nenhum.
Força!
JSR