As seis maiores economias europeias, numa roda de emagrecimento do sector público |
Nota prévia
A tradução que se segue foi feita só para não perder "a mão", que é como quem diz o "savoir-faire", o "know-how" ou a experiência. É uma peça saborosa, plena de ironia e de sarcasmo, mas igualmente de termos de calão e de noções de economia política de apreensão algo problemática. Destina-se portanto a uma ínfima minoria dos nossos prezados leitores, que isto da escrita é como na música ou no desporto -há várias categorias, ou níveis...
"Falando com franqueza, já desconfiávamos. Já desconfiávamos que dizendo mal do livro de Stéphane Hessel (sobre a crise económica), que toda a gente gabara; contestanto as teses económicas de um homem de combates admiráveis e com uma velhice soberba; criticando a França que consome quase tanto quanto se queixa da seu infortúnio; achando os franceses algo sem vergonha, ao mostrarem-se mais preocupados com a sua situação pessoal do que os iraquianos; tudo isto -para cúmulo- citando Eric le Boucher; arriscávamo-nos a provocar algumas reacções.
Pois não falhou e o nosso mail quase implodiu, tal foi a afluxo de mensagens de vingança ou de aprovação. De qualquer maneira, uma forma de reconhecimento do nosso labor, uma vez que a angústia do cronista de economia no momento de cronicar provém sobretudo do medo que o leitor leia três linhas e resolva passar adiante. Os assuntos de economia (poder de compra, inflação, desemprego) figuram realmente entre as principais preocupações dos franceses, que todavia se aborrecem logo que começamos a fornecer dados indigestos ou a citar economistas que ninguém lê ou conhece.
Sem de modo algum pretender desvalorizar o excelente trabalho dos nossos colegas das outras secções, temos de concordar que é muito mais difícil fixar a atenção do leitor com previsões do PIB e do défice público, do que com as guerras no seio do Partido Socialista ou os combates no Afeganistão.
Seja como for, a verdade é que "levámos no trombil". E não foi nada pouco. Tivemos direito a "porcaria ultraliberal", "fachista imundo" e até a "egoista egocêntrico", o que nos fez rir, não só por ser um pleonasmo em ênfase. Aproveitamos a ocasião para saudar o pequeno grupo de assinantes do lemonde.fr ("Omar b.", "Bomsenso", "Um preto", etc.) os quais, desde que iniciámos a nossa colaboração nesta secção, demonstram pelas suas reacções uma constância odienta assinalável.
Temos quase a certeza que passará a faltar qualquer coisa aos seus respectivos fins de semana quando um dia deixarmos de aqui escrever. Aliás, acreditamos piamente que os insultos anónimos via Internet são o caminho mais rápido rumo ao mundo melhor da democracia participativa. Só que, por vezes, são um bocadinho nauseabundos, no estilo da intolerância e da histeria verbal da imprensa de extrema-direita dos anos 30 do século passado. Felizmente houve também alguns com laivos de ironia, que nos reconfortaram. Este, por exemplo: "Todos os sábados leio a sua crónica à minha filha, que resolveu seguir economia contra a minha vontade". Ou ainda esta leitora algo malandreca e visivelmente melómana que diz ter "adorado" o nosso artigo e pergunta se somos "celibatário" e se sabemos tocar bem "um instrumento musical". É claro que lhe respondemos imediatamente, que ocasiões destas nunca se devem perder.
Há também este comentário que foca o problema de fundo, que não tínhamos abordado: "Compreende-se que os vietnamitas sejam mais optimistas que os franceses, pois são muito mais pobres e o crescimento económico ainda está para vir. Mas porque será que os franceses são mais pessimistas que os italianos ou os alemães?"
De toda a evidência, a resposta é mais de ordem histórica, cultural e sociológica, do que económica. Uma parte da explicação reside na desconfiança descrita por Yann Algan e Pierre Cahuc para caracterizar a sociedade francesa, pois da desconfiança ao medo e deste ao pessimismo, a distância não é grande. Em França, "cada qual sente mais o que que lhe falta do que aquilo que já tem", dizia De Gaulle, que nos conhecia bem.
E talvez o pessimismo francês pressagie também a decomposição do capitalismo, anunciada por Joseph Schumpeter (1883-1950) que, de todos os economistas do século passado, continua a ser o que melhor tem resistido à crise financeira. O liberalismo de Hayek ficou ferido de asa, com o resgate do sistema financeiro pelos governos e os bancos centrais. Quanto a Keynes, o seu regresso ao estado de graça, conjuntamente com o aumento da despesa pública, terá durado menos de um ano, até o endividamento público ter atingido níveis insustentáveis. Schumpeter bem disse: "Há duas pessoas em quem eu nunca confio: um arquitecto que afirme poder construir mais barato e um economista que sustente conhecer soluções simples para as crises." Só por si, esta posição basta para tornar o reputado economista não só simpático mas muito actual.
Schumpeter teria provavelmente visto na crise dos subprimes, como viu na de 1929, uma das crises inerentes "a um capitalismo que não só nunca é estacionário, como nunca o virá a ser." E provavelmente também tê-lo-ia relacionado com o surgimento de novos empresários dos países emergentes, conduzindo a um processo de "destruição criadora". O problema, acrescentava ele, é que tal processo só faculta efeitos positivos a longo prazo, mas consequências negativas entretanto, o que impede os cidadãos e os políticos de reconhecerem a superioridade do capitalismo como criador de riqueza. "Preferimos patranhas grosseiras, em vez de verdades evidentes."
E a instabilidade intrinseca do capitalismo é quanto basta para gerar "uma incompatibilidade visceral absoluta" por parte das várias opiniões públicas. Mais grave ainda: quanto mais uma sociedade assiste ao seu crescimento económico, e ao reforço das garantias sociais, menos preparadas ficam as pessoas para suportar a insegurança do sistema. É assim que o capitalismo se vai autodestruindo, pois à medida que vai acumulando sucessos, os cidadãos vão reivindicando um estado cada vez mais protector, portanto cada vez mais socialismo.
Tanto mais, acrescentava Schumpeter, de maneira politicamente pouco correcta, que o aumento do nível de vida e da educação provocam o aumento dos intelectuais -que abundam em França-, que apenas pensam em "estimular, activar, exprimir e organizar os temas de descontentamento e, acessoriamente, acrescentando-lhes outros". Porque em geral não estão eles próprios inseridos na esfera económica, os intelectuais opõem "uma rejeição moral à ordem capitalista". E não é "o espectáculo das exacções vergonhosas" (cobrança excessiva de impostos, taxas e preços monopolistas), mas sim "a insatisfação e o ressentimento" que alimentam a "indignação virtuosa dos intelectuais virados contra o capitalismo." "Indignação virtuosa", cá estamos nós de novo.
Caros leitores, podem dirigir os vossos mails de protesto para o seguinte endereço: schumpeter@paraísodos economistas.com
Pierre-Antoine Delhommais, Le Monde, 16/01/11, página 18
Tradução de António Rebelo
Partes em itálico e fotografia da responsabilidade de Tomar a dianteira
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