Três acontecimentos fortuitos e esparsos alertaram-me para o problema da qualidade, mais precisamente da relação qualidade-preço, base da tão apregoada competitividade. A primeira dessas ocorrências foi um "surfista" aconselhando, via reporter TV, "Tratem bem os visitantes e eles voltarão". Parece pouco, mas é todo um programa.
A segunda notícia foi aquela do estudo comparativo sobre os custos do ensino superior em Portugal, do qual resulta que um aluno formado no Politécnico de Tomar custa aos contribuintes mais do que nalgumas universidades do topo nacional; em todo o caso praticamente tanto como na de Coimbra, que sempre tem "outro estatuto", tanto a nível nacional como internacional. O terceiro episódio, enfim, foi com a máquina de "ticketing" (bilheteria) na portagem da auto-estrada que, coitada, é rústica e semi-analfabeta, por manifesta deficiência de concepção. Falta de qualidade, por conseguinte.
A ligação entre os três casos é, pois claro, a crença portuguesa muito disseminada, segundo a qual "Para o que é, bacalhau basta!" A que convém acrescentar o inconveniente de os nossos políticos e respectivos assessores, tanto a nível local como nacional, serem maioritariamente juristas. Donde resulta a constante confusão entre as leis humanas e as leis físicas. Explicando melhor.
Os diversos códigos existentes estabelecem princípios que cada cidadão tem de respeitar (ainda que os não conheça), sob pena de vir a ser punido de alguma forma, caso seja "apanhado" a prevaricar. São portanto conjuntos de normas de execução obrigatória. Se, por exemplo, um cidadão motorizado resolve circular pela esquerda, o primeiro cívico que o tope passar-lhe-á o respectivo recibo.
O problema é que, por deformação profissional, os senhores autarcas e outros governantes juristas tomam decisões erradas, convencidos de que aquilo que determinam é de execução obrigatória. O caso mais conhecido é a gritante confusão entre despesas e investimentos.
O bem conhecido rol tomarense de passeatas "tintol+comezaina+animação+intervenção do autarca de serviço" é assaz elucidativo. Os eleitos asseguram a pés juntos que é um investimento. E têm razão: para eles trata-se de investir "simpatia", sendo generoso com o dinheiro dos outros, como forma de vir a recolher sufrágios. A vulgar compra de votos, em suma. Para os contribuintes, porém, a ideia é outra: Trata-se de manifesto abuso, com óbvio esbanjamento de fundos públicos, a fazer falta noutros sectores.
Num exemplo ainda mais claro: Se amanhã um autarca, com competência para tal, determinar que na rua X passa a ser proibido estacionar, é dito e feito. A partir daí, quem não obedecer, arrisca-se a ser punido. Em contrapartida, bem podem os políticos estabelecer que a partir de amanhã a taxa de inflação baixa para 1%, ou que as obras da estrada do Convento são um investimento com retorno. Tanto num caso como no outro, tais estipulações serão de efeito prático nulo. Nem a inflação baixará enquanto não diminuir a procura em virtude da redução da massa monetária em circulação; nem as obras referidas deixarão de ser uma mera despesa, sem qualquer justificação plausível em termos de planeamento urbano a médio e longo prazo. Falta de qualidade, por conseguinte.
A concluir, a maleita das máquinas de cobrança, agora a substituir os portageiros. Como é sabido, somos pioneiros e líderes mundiais em "via verde". O que testemunha que o problema não é de "saber fazer". Resulta por isso ainda mais estranho constatar que as ditas máquinas são praticamente semi-analfabetas, uma vez que só "dialogam" em português, quando em qualquer gare por essa Europa fora há sistemas semelhantes que, mediante um écran táctil, dialogam em quatro ou cinco línguas. Por vezes até em Português, que a nível europeu é comparável ao sueco, em termos de difusão.
Imagine-se o leitor ao volante do seu bólide, na Hungria, na Grécia ou na Holanda, a tentar perceber o que diz uma "máquina cobradora" na respectiva língua nacional. Entusiasmante, não é?! Pois é assim que pensam também os estrangeiros que nos visitam e andam de pópó na auto-estrada.
E o mais irritante é que o raio das máquinas, além de não serem poliglotas, são mesmo rústicas e desagradáveis. A voz que emitem, apesar de feminina, mais parece a de uma "sargenta" tarimbeira, a dar vozes de comando, ou até mesmo uma velha guarda prisional a admoestar detidos. Francamente!
É assim, confundindo conceitos, desperdiçando o dinheiro dos contribuintes e estando-se nas tintas para a qualidade, que pretendem atacar e ultrapassar a crise? Deve ser deve!!!
1 comentário:
Paris não dá nome de rua a chefe dos corta-cabeças
«Em seu favor a invenção de "Liberdade, Igualdade, Fraternidade", a defesa do sufrágio universal e da abolição da escravatura. Contra, o ter encabeçado o Terror que de Maio de 1793 a Julho de 1794 levou à guilhotina mais de 15 mil, desde o revolucionário Danton até à rainha Maria Antonieta. Sentença em 2011: Robespierre não tem direito a ter uma rua com o seu nome em Paris.
A indignação reina entre os comunistas franceses e os seus aliados do Partido de Esquerda, dissidentes do PSF: mesmo com um maire socialista e uma maioria de esquerda, Paris persiste na recusa de admitir o nome de Maximilien Robespierre entre as figuras de todo o género que servem para nomear as ruas da capital (mais de seis mil).
Num artigo no Le Monde, Alexis Corbière, do Partido de Esquerda, faz de testemunha abonatória: lembra que Robespierre defendeu a liberdade de imprensa, propôs a cidadania por inteiro para os judeus e ganhou fama de incorruptível numa época difícil em que o país vivia tanto a guerra civil como a ameaça das monarquias europeias, juntas numa aliança que ia da Inglaterra à Áustria e até Portugal. Já para não falar da divisa tão acarinhada pela República Francesa e que surge pela primeira vez num discurso seu em 1790. Corbière contesta que se lhe chame "tirano", quando o comité de salvação pública era um órgão colegial, com Robespierre a ser o ponderado. Para arrasar ainda mais Bertrand Delanoe, o maire PSF, o vereador nota que o crime de restringir as liberdades apontado a Robespierre partiu de Cambacérès, com direito a uma rua parisiense. Placa toponímica tem também Thiers, que esmagou em sangue a Comuna de Paris em 1871.
Órfão de mãe e abandonado pelo pai, Robespierre foi criado pelo avô. Aluno brilhante, teve direito a ler um poema a Luís XVI no dia da coroação. Já como advogado, fez-se eleger deputado do povo e após a Revolução de 1789 defendeu a morte do monarca que homenageara de joelhos. Na véspera da sua execução, ter-se-á tentado suicidar com um tiro na boca, pelo que a guilhotina cortou a 28 de Julho de 1794 a cabeça de um Robespierre com o maxilar despedaçado. Morreu a acreditar ser dono da razão, como que a adivinhar a tirada de Mao de que "a revolução não é um convite para jantar".
Por falar em sabedoria chinesa, um dia Chu En-lai, o braço-direito de Mao, respondeu ao presidente Nixon que era ainda cedo para comentar a Revolução Francesa. Há semanas, o tradutor americano veio explicar que a conversa de 1972 foi um delicioso mal-entendido, pois Chu falava do Maio de 68. Mas na Câmara de Paris precisa-se de dois séculos para decidir se Robespierre merece uma rua, mesmo que o metro da capital quando entra em Montreuil, subúrbio de tradição vermelha, pare na estação Robespierre.» [DN]
Autor:
Leonídeo Paulo Ferreira.
O JUMENTO
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