Como quase sempre acontece, perdidos que estamos nesta ponta ocidental da Europa, o assunto não tem merecido a atenção dos média. Mas também, num país onde o falecimento do coronel Vítor Alves, um dos principais heróis do 25 de Abril, mereceu apenas umas pequenas resenhas envergonhadas, enquanto o homicídio de Carlos Castro teve honras de primeira página e directos de Nova Iorque na TV, não é de admirar.
Refiro-me à cada vez mais acentuada e evidente degradação da convivência social, à avassaladora e até agora imparável "ordinarização" da sociedade portuguesa, que não reage, nada diz, suporta em silêncio. Como sucedeu durante o salazarismo.
O diário espanhol El País ainda recentemente publicou duas páginas de análise sociológica sobre o tema. Com uma frase idiomática elucidativa da gravidade da questão. A de um respeitável alcalde (do PP, ainda por cima!) que disparou, perante uma assistência de centenas dos seus administrados, "Há por aí uns tontos dos colhões..."
Convenhamos que, como linguagem argumentativa de carácter político, há melhor...
Aqui por terras nabantinas, muito frequentadas durante uma parte do ano por jovens universitários politécnicos, que um deles pelo menos já classificou como "o refugo do refugo", a citada "ordinarização" assume outros contornos: consumo exagerado de álcool, relações sexuais nem sempre consentidas pelas parceiras, alguma violência e, sobretudo, uma linguagem desbragada, "de carroceiro", como se dizia na primeira metade do século passado. A tal "geração rasca", de que se falou aqui há anos. Até o saudoso Vasco Pena Monteiro, social-democrata sincero, que foi presidente da Assembleia Municipal, usava uma expressão cada vez mais pertinente nos dias que correm: "Esta gente não tem categoria!"
Queria ele dizer, esta gente não tem classe, não sabe viver.
Porque a preocupante realidade é esta: a violência começa sempre pela degradação da linguagem, dos costumes, do verniz social. O uso de vocabulário reles conduz sempre ao ajavardamento, pois como é sabido, não há pensamento sem palavra pelo que, quem fala mal, pensa mal; quem usa de violência verbal já está bem mais perto da violência física. Um coisa conduz à outra, dependendo das circunstâncias.
O facto de aqui em Tomar a dianteira termos sido forçados a recorrer ao detector de spam para nos livrarmos de determinado tipo de comentários, parece-nos bastante grave, na medida em que, tudo o indica, os autores de tais bestialidades, (pelo menos alguns?) nem sequer se dão conta dos reais contornos daquilo que escrevem. E muito menos cuidam que, continuando a agir assim, mais cedo que tarde acabarão por ser vítimas do seu próprio veneno. Como aquelas pessoas, nossas prezadas conterrâneas, que gostam muito de trazer o béubéu à rua para fazer cócó, mas depois barafustam quando, distraídas, pisam um dos muitos "pastéis de cão"...
Os portugueses são conhecidos por essa Europa fora como apreciadores de bacalhau, de sardinhas, de comida de enfarta-brutos, de vinho forte. São também bons vizinhos, bons trabalhadores, disciplinados, calados e pacíficos. Mas gostam muito de praguejar e nunca ninguém os considerou publicamente como muito educados ou muito inteligentes. Por alguma coisa será...
3 comentários:
Prof. Rebelo
Cuidado com as generalizações, não se pode confundir a árvore com a floresta.
A questão da "geração rasca" expressão infeliz que marca bem o que foram os Governos de Cavaco Silva é um bom (mau!) exemplo, é que geração rasca ou à rasca são coisas diferentes.
É verdade que há muito quem precisasse de umas boas lições de civilidade, mas isso não tem que ver com nenhuma característica especial - nem etária, nem de formação académica, nem de estatuto social, ou qualquer outra.
E francamente nem me parece que seja nos mais jovens que está o problema, há por aí muito filho de Abril ou mesmo mais velhos que acham que Liberdade existe sem regras, ou que participação cívica é insultar pessoas anonimamente.
E sim, a grande maioria dá mais importância aos espectáculos tristes que às coisas que verdadeiramente importam - mas essa é a condição humana, sempre foi assim, já os romanos preferiam "pão e circo" (e nós portugueses estamos literalmente muito perto disso uma vez que ainda temos touradas).
Felicidades para o programa na Hertz!
Caro Professor, peço licença para usar esta forma de tratamento. Merece.
Tem carradas, para não dizer montanhas, na observação que faz ao facto de o passamento do Major Vítor Alves, uma das figuras da revolução que ajudou a devolver a liberdade a Portugal, ter merecido apenas duas linhas envergonhadas na comunicação social do país, comparativamente com o alarde que continua a ser dado à morte, que é sempre de lamentar, sejamos humanos, de um cronista social. É o país em que vivemos. O país que vão ‘construído’ para os nossos filhos. Muito oportuna, também, por isso, a citação que faz, com todo o respeito pela memória do saudoso tomarense Vasco Pena Monteiro.
Mudando a agulha, acabo de ler uma notícia da Agência Financeira, na qual se diz que Portugal tem na Madeira e em Lisboa as regiões mais ricas do país. As mais pobres são os Açores e o Algarve. Quem diria? Quanto à riqueza de Lisboa, não admira. É lá que estão os Ministérios, as Secretarias de Estado, as Direcções Gerais, os grandes administradores públicos. É lá que está o poder. Quando alguns políticos apontam Portugal como exemplo de desenvolvimento e bem estar, que esgota aviões para viagens de férias e passagem de ano no estrangeiro, falam claramente de Lisboa. O resto é paisagem. Desculpe o desabafo!
Zé Esperança
O Sr. Vasco Pena Monteiro tinha carradas de razão.
E se ele soubesse que no "Esta gente não tem categoria!" tinha que incluir falsários dos valores que defendia,até teria sobressaltos no túmulo.
Curvo-me perante a sua memória e a sua grande dignidade,que mereciam maior respeito e escrúpulo.
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