Ilustração Cristiano Salgado/Única/Expresso
Resolvi reproduzir a crónica desta semana do Comendador Marques de Correia, na Única/Expresso (naturalmente com a devida vénia e os agradecimentos de Tomar a dianteira) por entender que o melhor será contribuir para que os leitores comecem o ano com alegria e prossigam por aí. É quase certo que sem alegria íntima pouco ou nada de alegre, de bom, de útil se consegue conceber. Além de que tristezas não pagam dívidas. Nem ajudam a pagar. Já uma vida mais frugal, poupada, mas alegre... Da mesma forma -e isso vê-se bem por esse país fora- quem nunca soube gerir pouco dinheiro, ainda menos o consegue fazer com muito. Dá assim razão aos lordes ingleses mais conservadores, quando proclamam que nunca se deve dar muito dinheiro aos pobres, porque estragam tudo, sujam tudo e fazem demasiado barulho. Olhando por exemplo para o ex-estádio, para o muro-mijatório, para o caminho pedonal da mata ou para a barraquinha do Mouchão, digam lá se não têm razão os retrógrados parlamentares "bifes"!? Infelizmente.
"Como, dando uma grande e inexplicável volta, se pode, no fim do ano, elogiar quem governa. Onde o nosso Comendador, devidamente imbuído do espírito de Natal e Ano Novo, incluindo o Ano Novo chinês, faz finalmente o merecido elogio de Sua Excelência, pondo fim a uma grande injustiça."
"Senhores leitores, é justo que o admita: o melhor primeiro-ministro de 2010 foi José Sócrates! Por momentos, ainda hesitei, tendo em conta a possibilidade de Teixeira dos Santos, Eduardo Catroga e Cavaco Silva poderem concorrer a esta distinção, mas prevaleceu o bom senso e posso dizer, sem margem para dúvidas, que foi José Sócrates. Sócrates, além de pruudentemente ter nascido no dia do seu próprio aniversário, reúne outros sinais naturais que fazem dele a escolha certa para este título. Por exemplo, foi o único que olhou para trás quando um jornalista gritou "Ó senhor primeiro-ministro, faça o favor!" Acresce que o agora homenageado é tido por um homem brilhante, inteligente, discreto, culto, bem vestido, elegante, cosmopolita, conhecedor de filósofos como Karl, Jürgen, Popper e Habermas, e isto em diversos círculos, que vão desde os círculos que envolvem Pedro Silva Pereira e Augusto Santos Silva, como os que estão perto de Jorge Lacão. Tanto num caso como no outro, há a esperança que os círculos que envolvem estas personalidades não as deixem andar à solta em 2011. José Sócrates é -também e ainda- um homem de grande determinação. Um dia determinou que jamais abandonaria o país à sua sorte, e na verdade tem cumprido o que disse, porque o país tem sido abandonado ao seu azar, nomeadamente ao azar dos mercados. Mas Sócrates não desiste! Ele nunca desiste! E aí está o estado das finanças a provar a sua insistência. Foi ainda este -e não qualquer outro primeiro-ministro que tenhamos tido nos últimos cinco anos- que ergueu a bandeira das causas fracturantes. Na verdade, fracturou muito mais do que esperávamos. Além do aborto, do casamento homossexual, da ASAE e das escutas do caso "Face Oculta", conseguiu ainda fracturar meio país. A sua passagem pelo poder só rivaliza com a do terramoto de 1755, embora neste caso não fosse preciso enterrar os mortos, bastando mantê-los no PSD e no Parlamento. Há, ainda, que dizer sem tibiezas que Sócrates é um resistente, um resiliente. E isso marca, sem dúvida, a sua acção governativa. Se ele se juntar a Pedro Silva Pereira, Augusto Santos Silva e Jorge Lacão, e eles forem como Sócrates, tornam-se num núcleo duro multi-resistente, o que tendo a mesma designação da tuberculose mais grave, não provoca tosse, apenas irritação. Por último, põe-se a questão: sim, mas há melhor do que ele? E a resposta é não! Não há melhor! Tem de ser mesmo Sócrates a governar-nos! E mesmo que houvesse melhor noutras especialidades, como economia, ou relações internacionais, a verdade é que na especialidade primeiro-ministro 2010 não há, nem houve melhor. E eu não tenho esperança que em 2011 possa haver quem lhe leve a palma. De certa forma, Sócrates faz parte da mobília e, ultimamemnte, desde que deixou de governar, nem se tem saído mal. Agora, é só impedi-lo de inaugurar coisas e ficamos todos muito melhores, que é o que desejo a todos os leitores, incluindo o senhor primeiro-ministro, que é o que mais merece, porque embora tenha sido o mais atacado, criticado e vilipendiado dos primeiros-ministros, talvez não seja o principal responsável pela situação em que nos encontramos. Talvez os principais responsáveis tenham sido aqueles que, como eu e outros que tal, não compreendem a monumental obra que vai ficar. Afinal, ao fim de uns anos, qualquer mamarracho pode passar a ser considerado monumento nacional! Olhem o Cavaco..."
Comendador Marques de Correia, Revista Única/Expresso, 30/12/10
Agora, os leitores que para isso tiverem vagar, farão o favor de voltar a ler, sem pressas, e trocando os nomes nacionais por locais. Por exemplo, onde se lê Sócrates ou primeiro-ministro, colocar Corvêlo de Sousa. Quando é questão de Silva Pereira, Santos Silva ou Lacão, substituir respectivamente por Relvas, Paiva e Carrão. Finalmente quanto a círculos, entenda-se construtoras e outros financiadores de campanhas eleitorais e etc. Retirando depois o que não se aplica, por ser competência nacional, tipo aborto, casamento, etc. ficaremos com um magnífico retrato da realidade local. O quê?! Faltam os mortos?! Olhe que não! Nem no executivo, nem na Assembleia Municipal, desgraçadamente para todos nós! Acresce que aquela enorme cabeçorra francesa, que por vezes aqui gosto de citar -o Jacques Attali, que depois de ter aconselhado Mitterrand (do PS), aconselha agora Sarkozy (da direita), o que diz bem das sua reputação em matéria de previsão. Pois o ilustre intelectual virou-se para os chineses, numa das suas mais recentes crónicas. Como no império de Pequim, resolveu catalogar os anos por nomes de seres vivos. Assim, 2010 terá sido o ano da avestruz, com toda a gente, sobretudo os governantes, a enterrar a cabeça, como forma de evitar ver a nada agradável realidade envolvente. 2011 será o ano dos ratos, que serão cada vez mais a procurar queijo, que será cada vez mais raro, o que originará as mais diversas lutas, incluindo a guerra. Quanto a 2012, deverá ser idealmente o ano do lince, capaz de ver bem e de ver longe (nomeadamente as autárquicas...). Mas com a sorte que temos tido, pode bem acontecer que os nossos linces sejam de vistas curtas...ou até cegos, tipo toupeiras, que furam, furam, furam, sem ver para onde vão. Querem lá ver que o cidadão Attali esteve por aqui, se calhar no Hotel dos Templários, estudou a situação local e não dissse nada à malta?! São os inconvenientes da UE e do Espaço Schengen: já não há qualquer controlo capaz nas fronteiras... |
4 comentários:
Uma importante diferença entre local e nacional:
-A Sócrates acabaram-se os empréstimos fáceis em 2008 e anos seguintes; na autarquia continua a "jorrar" dinheiro à mesma velocidade de sempre ou ainda mais(rotundas, lagares).
-As políticas de Sócrates e do País nos últimos 30 anos são condicionadas pela "Europa". Nos últimos 2 são mesmo ditadas por ela e pelos credores; a política autárquica é totalmente definida pelos orgãos locais. A autarquia náo se pode queixar de outras imposições que não sejam as limitações das suas próprias cabeças e que deram erros estratégicos tremendos. Em Torres Novas, Abrantes, Ourém (para não falar de Leiria), apareceu petróleo? Ou os dirigentes locais tiveram outra "visão" de futuro?
-Socrates responde pelo governo do País desde 2005 (com a crise de 2008 até hoje); Os srs. Paiva, Relvas & PSD são responsáveis directos pelo estado a que chegou Tomar desde 1998 (há 12 anos portanto). Sem crises, sem oposição política, governando de forma autoritária e numa situação de quero, posso e mando.
-Por isso é de desconfiar das alternativas a Sócrates...
Pedro Miguel
Para Pedro Miguel:
Concordo com tudo o que escreveu neste post, excepto em dois pontos, a saber: A - Pode realmente parecer que o dinheiro continua a jorrar à mesma velocidade de sempre ou ainda mais. Diga-me, contudo, uma coisa: Já viu começar alguma dessas obras de que fala? Há a certeza de que a autarquia vai conseguir empréstimos bancários, única maneira de honrar a percentagem que tem de cobrir? Olhe que o Ruas, que não é propriamente um anti-autarcas, mas o presidente do organismo que os associa a todos, queixava-e um dia destes nos jornais de que os bancos já nem sequer respondem aos pedidos de empréstimos das autarquias, justamente para esse fim...
B - O PSD teve a felicidade de gerir 12 anos a seu bel-prazer, devido ao facto de o PS ter governado antes oito anos nas mesmas condições, com a autarquia liderada por um principiante, que entrara na política directamente para a presidência da câmara, sem qualquer experiência política prévia. São erros que se pagam! Tal como se pagará a asneira da actual coligação. E de que maneira!
Para Pedro Miguel:
Por questões de espaço, deixei a questão do Sócrates para este segundo comentário.
Também eu votei Sócrates e ainda não estou totalmente arrependido, pois creio que ainda se dará conta de que entrámos num novo paradigma, o qual implica uma séria diminuição das despesas do Estado. E essa limitação não pode resultar só das reduções de vencimentos, de prestações e de comparticipações, mas também e sobretudo da extinção de organismos inúteis, alguns até redundantes, dos governos civis, dos concelhos com menos de 15 mil habitantes, das freguesias com menos de 2 mil habitantes; da redução dos serviços externos e dos de apoio; da redução dos deputados para 100 ou pouco mais; de encolher o governo para menos de 10 ministros e outros tantos secretários de estado...e de limitar o RSI unicamente para inválidos, doentes, acidentados e estudantes carenciados. Os outros que vão trabalhar. Bem sei que temos neste momento algo como 600 mil desempregados. Porém, queixam-se alguns patrões de que não conseguem empregados para os postos de trabalho mais exigentes (panificação, pastelaria, metalurgia, avicultura, suinicultura, agricultura). Porque será?
Para A. Rebelo.
Na generalidade de acordo, mas:
Não sei se a autarquia vai conseguir financiar-se para os seus projectos ditos "em carteira". Não sei também se as empresas ficarão à espera de pagamento e por quanto tempo. Eu não me fiava!
Mas vi claramente visto no final de 2010 andarem a partir uma rotunda luminosa para instalar outra, luminosa também! E pôr e repôr alcatrão por altura do Natal. E pelo Verão comprar carros novos para uso próprio da vereação. Enquanto o povo assistir a isso, não acredita em crises...tirando as da sua carteira!
Pelo menos o PM e Teixeira dos S. cada vez que foram a Bruxelas, no último ano e meio, traziam cortes na despesa.
Quanto à gestão da Câmara, o problema parece-me ser muito mais fundo que uma questão de experiência política.
Quanto à redução da despesa e gastos da estrutura pública, é fundamental. Mas o problema de fundo está na criação de riqueza.
Uma família em apuro finaceiro tem que cortar na despesa, mas se toda a família estiver sem emprego e sem recursos, morrem de fome ou de frio!
Sobre os desempregados não activos, há que contar com a economia paralela. E com o facto de que se há empresas que acham 500 euros/mês um valor difícil de pagar, quem tiver que usar carro ou motoreta para ir trabalhar e tiver que comer fora (para não falar de ter que entregar os filhos a alguem) terá que fazer contas!
Pedro Miguel
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