sábado, 4 de junho de 2011

PORTUGAL VISTO PELO "LE MONDE"

Fernando Passos, à esquerda e Tito da Silva, no café português "Le château", no 14º bairro de Paris (Foto J.M. Simões/Le Monde)


"A diáspora portuguesa em França não é nada meiga para com os seus concidadãos, confrontados com a crise económica e chamados às urnas em 5 de Junho"

"O FMI? SEMPRE CONSEGUIMOS RECUPERAR"

"Com 60 anos de idade, quase todos em França, José Gorito podia ter alguma empatia para com o seu país natal, dada a grave crise económica que o atinge. E poderia também criticar o FMI, que desbloqueou, em conjunto com a União Europeia, no passado dia 5 de Maio, 78 mil milhões de euros, exigindo em contrapartida severas restrições orçamentais. Ou alarmar-se, no seu alojamento de porteiro, que habita com a sua esposa desde 1978, num prédio burguês do 14º bairro de Paris, com as consequências para os seus concidadãos que não emigraram.
Porém, apesar das dificuldades económicas da sua pátria de origem, Gorito está mais envergonhado que solidário, tal como muitos dos 800 mil portugueses da diáspora em França. Numa altura em que os seus compatriotas são chamados às urnas no próximo dia 5 de Junho, para eleições legislativas antecipadas, até fala mais alto: "Nas aldeias a gente via muito bem que estavam a viver acima das posses!"
Assim fala a diáspora portuguesa, cuja maior parte chegou a França nos anos 60/70, aproximando-se agora da idade da reforma, tal como acontece com Gorito e muitos outros emigrantes portugueses da primeira geração. Marcados por um lado  pela sua história migratória, que os empurrou para vidas de trabalho e para doutrinas do tipo "produzir e poupar", mas por outro lado, por anos e anos de pacientes economias, que lhes permitiram tornar-se proprietários de residências de férias em Portugal, sendo portanto aí considerados como gente remediada, ao contrário do seu estatuto em França.
Daí provém a diferença de atitude. Reformado desde 1 de Maio, de uma carreira de técnico na Renault, Gorito saiu de Portugal quando ainda não havia estradas alcatroadas nem automóveis, segundo diz. Mas depois, de cada vez que voltava de  férias às origens, notava que "os restaurantes estavam sempre cheios e que as pessoas já não queriam Peugeots nem Renaults. Só Audis e Mercedes." E ele que nunca quis pedir dinheiro emprestado.
Num destes domingos de Maio, na câmara do 14º bairro de Paris, por ocasião do tradicional espectáculo de Primavera, organizado por uma associação folclórica portuguesa, Olinda Almeida, 68 anos, empregada doméstica, também barafustava contra as dificuldades da sua pátria. "Há dias, um dos meus patrões disse-me: "Quando vemos trabalhar os portugueses em França, não conseguimos perceber como é que há semelhante crise em Portugal. Temos de os ensinar a constituir mealheiros, disse-lhe eu."
Em 38 anos de trabalhos domésticos para diversos patrões, esta pequena mulher morena, camiseiro branco e calças pretas, aplicou sempre o mesmo método: "Se ganhas dez, só podes gastar 5. Em Portugal têm feito o inverso -ganham 5 e gastam dez." E foi assim que conseguiu uma casa de férias e alguns apartamentos em Portugal, que agora estão arrendados. Tem aliás a intenção de continuar a trabalhar até ao limite de idade: "Setenta anos, em França, não é?"
A sua atitude severa em relação aos compatriotas em Portugal agravou-se com a nova vaga de emigração que tem aumentado nos últimos anos, devido ao fraco crescimento económico do país. De acordo com várias fontes, entre 10 e 15 mil portugueses chegam anualmente a França desde há cinco anos. Entre estes novos emigrantes, chegou a segunda filha de Tito da Silva, 62 anos, reformado de uma empresa de limpezas.
Grande adepto de futebol, fala-nos na sede da equipa amadora franco-portuguesa que apoia. Uma pequena loja, com as paredes azuis decoradas com galhardetes e outros troféus. "Depois da licenciatura em engenharia civil, nem sequer procurou emprego em Portugal. Disse-lhe logo para vir para aqui. Tem 27 anos e  está agora a trabalhar na Bouygues [a maior empresa francesa de construção civil e obras públicas]", disse-nos todo orgulhoso.
Ao lado de Tito da Silva estava nesse dia Fernando Passos, 56 anos, físico avantajado e cabelos brancos que, tal como muitos outros portugueses, é dono de uma PME familiar. Muitos na área da construção. A sua na das telecomunicações. Vive bem, mas manifesta a mesma incerteza do seu amigo Tito.
Como ele e outros, ao longo dos anos, depositou a maior parte das suas economias na Caixa Geral de Depósitos. Por isso agora tem medo da bancarrota. E tornou-se eurocéptico: "Quando Portugal entrou para a União Europeia, em 1986, pensaram que iam ser como a França ou a Alemanha; e depois saiu tudo furado."
Para alguns, a crise até acaba por revelar uma certa perda do sentido de "Estado". "Quando as pessoas iam ver um pequeno empresário, perguntavam sempre "Com ou sem IVA?" E compreendiam logo que convinha dizer "Sem IVA", diz Gorito. O que levava com frequência a dizer "Sabe, em França pagamos impostos, mas servem para qualquer coisa!" É aos impostos que atribui uma parte do êxito da sua filha única, 37 anos, farmacêutica licenciada: "Estudou durante muitos anos e não nos custou nada caro!"
Tanto Passos como Silva tentam sossegar-se à maneira deles: "Não é a primeira vez que o FMI passa por Portugal e sempre temos conseguido recuperar! Mas talvez agora os portugueses aprendam o que é a austeridade e mudem de rumo."

Elise Vincent, Le Monde, 04/06/2011, página 3

1 comentário:

Anónimo disse...

O que o José Gorito,o Fernando Passos e o Tito da Silva não sabem é que 10% DE PRIVILEGIADOS - tipo Rebelo,Ferreira,Paiva e mais uns das estirpes boy,reformados de luxo e outros tachistas encartados ABOTOAM-SE COM 90% DA RIQUEZA PRODUZIDA PELO PAÍS.

Mas,instintivamente,ficam com as "velhas remessas" por lá...

Até o BELMIRO DE AZEVEDO veio em socorro de última hora para as arruadas do PASSOS e do Relvas.