segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

ENSINO: FINALMENTE O PISA - 4

ALEMANHA - Após o choque a terapia e a subida

Preocupada com os anteriores resultados nos testes PISA, a Alemanha consegue em 2010 uma boa recuperação na tabela da OCDE

"A capa da Spiegel (equivalente da Sábado, ou da Visão) era sem ambiguidade: "Os alunos alemães são burros?", questionava em dezembro de 2001 o conhecido semanário alemão, após a publicação da "nova catástrofe" constituída pelos resultados germânicos obtidos no PISA.
Classificada nesse ano em 20º na leitura, atrás da República Checa e da Itália, e em 21º em matemática, é um eufemismo dizer que a Alemanha ficou chocada pelo inquérito da OCDE. Como é que a pátria de Goethe, Kant e Hegel podia descer tão baixo? "Se os especialistas não ficaram nada surpreendidos com tais resultados, o choque foi bem rude na opinião pública", afirma Werner Zettelmeier, investigador  no Centro de informação e de pesquisa sobre a Alemanha comtemporânea (Cirac).
Os resultados de 2010 mostram uma excelente subida. A Alemanha melhorou 13 pontos em 10 anos, na leitura, 10 pontos em matemática, em 6 anos, e 4 em ciências, em 3 anos. Até conseguiu ultrapassar a França. É claro que ainda falta muito caminho a palmilhar. Apesar das apregoadas virtudes integradoras do capitalismo da Renânia, baseado mais no grupo do que no indivíduo, a Alemanha continua a ser um dos países onde a origem social dos pais dos alunos tem mais influência sobre a orientação demasiado precoce das crianças. A partir dos 10 anos são orientados ou para a Hauptschule (cinco anos de escolaridade), ou para a Realschule (6 anos de escolaridade), ou para o via mais nobre do Gymnasium (nove anos de escolaridade até ao 12º ano).
Em princípio, são os pais que decidem sobre as opções dos filhos. Porém, os inquéritos efectuados este ano junto de 46 mil alunos, mostram que, em igualdade de capacidades, uma criança de uma família de classe social superior tem 4,5 vezes mais possibilidade de ir para o Gymnasium do que uma outra de origem modesta. E se tal múltiplo é apenas de 1,7 em Berlim, atinge 6,6 na Baviera.
Perante tais resultados, as autoridades decidiram implementar vários tipos de medidas. Num país que desde o fim da guerra parecia confiar mais nos pais do que no Estado para educar as crianças e os adolescentes, é agora o inverso que prevalece. Com uma diferença importante em relação à França: em virtude do sistema federal,  o ensino é uma competência de cada um dos 16 estados-regiões e não do governo de Berlim. A medida mais espectacular daí resultante é a jornada contínua.
A idade dos alunos abrangidos, as actividades disponibilizadas e o carácter obrigatório ou facultativo de cada uma, variam de estado para estado mas, segundo Werner Zettelmeier, "a tendência é para uma oferta obrigatória para cada nível de ensino". Quando a oferta é facultativa, nem sempre são os alunos mais necessitados que dela beneficiam pelo que, por agora, não parece haver uma relação evidente entre o alongamento do dia escolar e os resultados dos alunos.
O futuro do Hauptschule é cada vez mais posto em causa. Atrai apenas 20%n dos alunos e constitui o parente pobre do ensino secundário. Para tentar acabar com esta segregação numerosos Länder desenvovem o sistema dito de "dois pilares", o qual consiste em juntar a Hauptschule e a Realschule. Porém, se os especialistas insistem sobre a pedagogia, pais e responsáveis políticos tendem a privilegiar com frequência a estrutura da escola, designadamente no ensino secundário.
O Estado e os Länder decidiram também reorientar o ensino básico, de forma a faciltar a transição para o secundário. Para suprir as dificuldades em alemão dos filhos dos imigrantes -mesmo dos nascidos já na Alemanha- foi resolvido multiplicar as creches e os jardins de infância. Em princípio, a partir de 2013, entrará em vigor um direito à creche para todas a crianças.
Além destas medidas, a Alemanha decidiu igualmente reforçar a autonomia das escolas, mas também a sua avaliação por um serviço dependente de outro ministério, por conseguinte diferente da usual inspecção. Numa evidente facada no federalismo, os objectivos formativos foram definidos pelo governo federal, nivel por nível, disciplina a disciplina. Para 2016 estão marcadas comparações gerais obrigatórias entre Länder, as quais já existem desde 2009, mas com carácter facultativo.

Frédéric Lemaître, Le Monde, Berlim 15/12/10
Tradução de António Rebelo

2 comentários:

Anónimo disse...

Na Alemanha avaiam-se as escolas a sério. Não é omo por cá, que se passam alunos APENAS para ficarmos bem nas fotografias internacionais.
Assim não vamos lá...

Cantoneiro da Borda da Estrada disse...

O problema de alunos ricos e pobres, mais favorecidos e menos favorecidos, enfim,da Educação, no que concerne às capacidades de aprendizagem , e aos meios para a ministrar, tem muito que se lhe diga..., e exige muita reflexão.

"On apprend aussi avec son inconscient" (aprende-se também com o inconsciente),

é o título de um artigo de Claude Halmos, Psicanalista, no "Le Monde" de 11/9/2009 que passo a resumir:

Um professor tenta ensinar "un petit garçon" a contar. Este ensaia contar os dedos da sua própria mão. Triunfante, anuncia o resultado ao professor: «"Quatre!»

-"Tu te trompes", diz-lhe o professor, mostrando-lhe a sua própria mão: «"Regarde»: (o "petit garçon" começa a contar) un, deux, trois, quatre... cinq!».

A criança, sempre muito atenta, recomeça, agora com a sua própria mão e, contra toda a expetativa, chega ao mesmo resultado que anteriormente: «Quatre!»

O professor não desespera e recomeça e recomeça até que, dividido entre a incredulidade e exasperação, explode:

-Mas isto não é possivel! «Sur ma main, tu est d'accord, il y a cinq doigts». Porquê, então, «sur la tienne il n'y en aurrait que quatre?»

A resposta, a seguir, da criança constata uma evidência:

-«Moi, tu sais, j'en ai toujours moins que les autres.»

Segundo a articulista/psicanalista, aquele "petit garçon", através da fórmula enunciada, resumiu perfeitamente a sua história.

Ainda segundo a jornalista, o professor escreveu mais tarde que recebeu uma lição inesquecível de matemática. Lição confirmada dia após dia pela experiência de terapias de crianças com insucesso escolar.

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Ou seja, na minha opinião, o Ensino é uma questão política e de classe, é também uma questão de propriedade. Razão porque nunca há entendimentos..., nem reformas satisfatórias. Jogam-se ali muitos interesses.