Vai agreste a política europeia. Sobretudo em relação à Grécia e a Portugal, cujos devaneios económicos sempre acabaram por irritar os alemães, que são quem realmente manda no BCE do senhor Trichet (tem piada que na sua própria língua - o francês- "tricher" significa fazer batota...). Vai igualmente muito agreste em Portugal, mas demasiado rasteirinha. Basta observar que os partidos da oposição vão fazendo tudo para derrubar o governo, forçando-o à demissão, mas depois, logo que se está na eminência de que isso possa vir a acontecer, põem-se a gritar que não há razão alguma para Sócrates se demitir. Um país de poetas, é o que somos deveras. Hipócritas, que ainda é mais grave.
Enquanto isto, aqui nas margens bucólicas do Nabão, é outro mundo. Nos últimos tempos, o grande problema local foi a inusitada invasão dos corvos marinhos. E o grande melhoramento, o início da construção de uma modesta escada de acesso ao mercado, a partir da nova ponte. Uma vez concluída ficará a faltar unicamente a rampa para deficientes, de acordo com as normas europeias. De resto, a superfície do costumeiro pântano nabantino continua impecavelmente lisa e espelhada, como parece ser tão do agrado dos tomarenses. São cada vez mais raros os que arriscam ir atirando pedras para tentar agitar as águas, já se vê que por isso com parcos ou nulos resultados.
Pois mesmo assim, aparece logo gente, antes da oposição e agora também sentada nas cadeiras do poder, a garantir que os raros críticos são pessimistas doentios e por isso maledicentes crónicos. Nem sequer lhes passará pela cabeça que, vistas as coisas do outro lado, da banda dos que se levantam cedo, sofrem e pagam impostos, os detentores do poder é que são optimistas doentios e crónicos vendedores de quimeras. É afinal a velha questão dos três observadores da mesma garrafa com bom tintol. O dono dizia que já estava meio vazia; o convidado amigo dos copos proclamava que ainda estava meio cheia; o outro convidado, abstémio, garantia que estava simplesmente meia. E todos tinham razão, cada qual em função do seu ponto de vista. Assim estamos em relação à política local. Todos temos razão, de acordo com os nossos pontos de vista mas, parafraseando Orwel, em "O triunfo dos porcos", há uns que têm mais razão do que outros. O tempo, esse implacável juíz, mostrará quem são. Demasiado tarde, como sempre.
O genial Fernando Pess0a, que por ser estrangeirado e conseguir pensar noutra língua, observava o lusitano quintal de longe e de cima, escreveu um dia este admirável poema:
O poeta é um fingidor/Finge tão completamente/ Que chega a fingir que é dor/ A dor que deveras sente.
Exactamente a situação incómoda dos membros da actual e estranha maioria autárquica tomarense. Após hercúleos esforços, lá conseguiram finalmente parir, por cesariana, uma coisa que fingem ser um orçamento, quando sabem muito bem tratar-se apenas de mais uma reedição do habitual ornamento anual, em que inscrevem fingidas receitas, fingidas despesas, fingidos objectivos e fingidos projectos, que fingem ser para levar à prática. Depois, como se tanto fingimento ainda não fosse o suficiente, vão fingindo que ser autarca é uma coisa desgastante, de enorme responsabilidade, um trabalho quase sobre-humano, uma verdadeira missão em prol da comunidade. E não é que alguns, às vezes, até têm razão ?
E o orçamento ?, indagará o leitor que teve a paciência de nos ler até aqui. Vamos a ver, como dizia o cego, que acabou por nunca ver nada. Para já, não houve sequer edição em cd rom, certamente para evitar as sempre inoportunas fugas. Diz quem já teve ocasião de o "ler" que se trata de mera cópia mais ou menos conforme do anterior, o qual também já era uma cópia...e assim sucessivamente. Quando se começa a fingir, que é o mesmo que mentir, nunca mais se consegue parar. Até que um dia... E pode muito bem ser que esse dia tenha chegado. É que entretanto a crise continua aí, cada vez mais grave e evidente. Não já a crise nacional e mundial, nem sequer as suas consequências sobre o nosso concelho. Apenas os resultados trágicos de muitos anos de políticas mal amanhadas, improvisadas, ao sabor das circunstâncias, praticadas por autarcas cuja principal vocação não era nem é seguramente a rigorosa gestão do bem público. Embora continuem a proclamar o contrário e a fingir que até acreditam naquilo que dizem. É o microcosmo tomarense em que vivemos. Ou vegetamos apenas ?
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