sábado, 13 de fevereiro de 2010

A PENÚRIA JÁ VEM DE LONGE...

Do semanário SOL, suplemento Economia e negócios, de 12/02/10, com a devida vénia:
"Quando José Dias Ferreira, bisavô de Manuela Ferreira Leite, chegou a chefe de governo, empossado por D. Carlos, em 1892, encontrou um país "de tanga". Juntamente com o ministro da fazenda -Oliveira Martins, tio-bisavô do actual presidente do Tribunal de Contas- tom0u medidas drásticas. Os impostos subiram, os vencimentos da função pública desceram e os grandes investimentos pararam. Para a História ficou também um aviso a qualquer país que não honrasse os seus compromissos com os credores. O pagamento de juros ao exterior foi reduzido a um terço e Portugal ficou uma década sem conseguir empréstimos no estrangeiro.
A crise de 1891 foi até agora a última em que o Estado português não conseguiu pagar dívidas a credores externos. Nos anos 80 do século XX, o incumprimento esteve de novo no horizonte, mas a intervenção do FMI evitou males maiores. Nas últimas semanas, os mercados financeiros voltaram a desconfiar da capacidade financeira do país, a par da Grécia e da Espanha. É a altura certa para estudar as lições da história.
Em 1891, recorda Pedro Lains, investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, Portugal enfrentou uma "bancarrota parcial". À data, as contas públicas revelavam o esforço feito no período do Fontismo. O investimento em caminhos-de-ferro, estradas e portos, elevou a dívida pública de 38% do PIB, na década de 1850, para 81% em 1890.
O principal risco do endividamento elevado são as dificuldades de financiamento. E o risco concretizou-se. "A crise de 1891 foi desencadeada por uma redução conjuntural da disponibilidade do resto do mundo para continuar a emprestar a Portugal nas mesmas condições do passado", explica Nuno Valério, professor de História da Economia no Instituto Superior de Economia e Gestão. A sucessão de acontecimentos específicos que levou à bancarrota, está dispersa por várias obras. Rui Ramos, no livro História de Portugal, refere-se a uma "combinação letal" para um país já endividado: a partir de 1890, as exportações de vinho para França diminuem, ao mesmo tempo que a revolução republicana no Brasil provocau uma queda da taxa de câmbio e reduz as remessas dos emigrantes em 80%.
Pedro Lains aponta outro factor, num artigo científico publicado em 2008: a gota que fez transbordar o copo foi a nacionalização do sector tabaqueiro. A expropriação e indemnização das empresas, implicou a duplicação do défice orçamental, em dois anos seguidos. "Houve algum optimismo e irresponsabilidade", acrescenta.
A resposta às dificuldades, logo em 1891, foi abandonar o padrão-ouro -o sistema monetário internacional da altura. A medida serviu para desvalorizar a moeda, ganhar competitividade externa e reduzir importações. Mas revelou-se insuficiente. O bisavô de Manuela Ferreira Leite entrou em funções e optou por uma política de austeridade radical. As grandes obras públicas pararam. Na década de 90 foram construídos apenas 86 quilómetros de via férrea, quando na anterior haviam sido construídos 1.880.
O ministro Oliveira Martins aumentou os impostos, cortou até 20% nos vencimentos da função pública e suspendeu as admissões no Estado. Mas a medida com maior impacto externo foi tomada só meses mais tarde. José Dias Ferreira impôs o corte do pagamento dos juros da dívida aos credores estrangeiros, o que afectou sobretudo Berlim e Paris.
Segundo Pedro Lains, "as coisas acabaram por correr bem". A reexportação dos produtos coloniais passou a ser uma alternativa importante para o financiamento do Estado."

João Paulo Madeira, SOL

Nota final:
Contrariando Pedro Lains, as coisas afinal não correram nada bem. Em 1926, cansados de tanta anarquia e com vencimentos e regalias por receber, cada vez com mais frequência, militares revoltaram-se a 28 de Maio em Braga e marcharam sobre Lisboa, sem encontrar resistência. Alguns anos mais tarde, a braços com os crónicos problemas das finanças públicas, acabaram por chamar um ignorado professor de direito de Coimbra, ex-seminarista, um tal Oliveira Salazar. Seguiu-se o que se sabe: orçamento equilibrado, moeda forte, num país pobre, parado e com a população desprovida das liberdades fundamentais.
Desenganem-se, porém, todos aqueles que já anseiam por um novo Salazar. Um regime do mesmo tipo seria incompatível com a nossa permanência na União Europeia, no Acordo de Schengen, na Zona Euro, na OCDE e no Parlamento Europeu. Seguir-se-ia, inevitavelmente, o inimaginável retorno ao "orgulhosamente sós", anterior ao 25 de Abril. O tempo não anda para trás.

AR

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