Estranho país este, onde um jornal de referência, o Público neste caso, difunde a quatro colunas o título acima reproduzido (página 4 da edição de hoje, 3 de Fevereiro). Desde logo, porque se usa a condenável prática de induzir os leitores em erro, ao escrever "comparado" para que cada receptor subentenda "comparável", alterando assim o teor do que lá está. Depois, porque cada qual interpretará a peça como entender, mas pairará sempre no seu espírito a ideia de algo de extraordinário, de grave, de importante para a opinião pública. Finalmente, porque no corpo da notícia é referido várias vezes, contrariado a substância do chapéu, que quando comparado, o actual fluxo migratório não é quantitativamente comparável com o dos anos 60.
Mas ainda que fosse, ou mesmo que possa ser, onde estaria ou pode estar a desgraça ? Ex-emigrante, formado na dura escola da emigração, julgo poder ser categórico na resposta -só na cabeça de quem redigiu semelhante peça e nas dos que como ele padecem de falta de mundo. Por um lado, porque a emigração não prejudica o país, antes o beneficia, não só em termos de remessas, como sobretudo arejando mentalidades. Inculcando em cada um valores como a perseverança, a coragem, a audácia serena, a lealdade, a frontalidade, a disciplina pessoal, a frugalidade, a obediência, a camaradagem, o envolvimento cívico, os deveres de cidadania, e por aí adiante. Tudo princípios que já quase ninguém transmite na nossa terra. Não só porque o ensino está como todos sabemos mais ou menos, mas também e sobretudo porque já não há, infelizmente, serviço militar obrigatório.
Aqui bem perto de nós, concelhos do distrito de Leiria e a própria sede distrital têm conseguido considerável desenvolvimento, sobretudo devido à experiência acumulada de milhares de emigrantes regressados à origem, enquanto que Tomar, praticamente sem ex-emigrantes, porque nos anos 60 por aqui se vivia bem para a época, graças sobretudo à importante presença militar, definha a olhos vistos, nitidamente por absoluta carência de adequada visão do mundo e das coisas. Por outro lado, posto que o presente surto migratório está longe do verificado no século passado, tanto quantitativamente, como sobretudo em termos de dificuldade para os candidatos à saída do país. Agora já não é necessário atravessar a fronteira clandestinamente, "a salto". Agora já não há qualquer problema na obtenção do passaporte. Agora já nem é preciso passaporte para os chamados países signatários do Acordo de Schengen. Agora já não é necessário ir de madrugada para as filas de espera, solicitar autorizações temporáriasde residência e de trabalho, no país de acolhimento. Agora já não é preciso aguardar anos e anos por equivalências escolares ou contagem de descontos para a segurança social.
Nestas condições, considerar notícia importante, com direito a título de quatro colunas, o aumento do número de emigrantes, apenas revela, pelo menos para quem já regressou, que o curioso jornalismo a que por aqui vamos tendo direito, continua apegado a ideias nitidamente obsoletas. Hoje em dia, praticamente, já não há fronteiras entre os 27 da União Europeia, sendo livres a residência e actividade profissional de qualquer cidadão de um deles em qualquer outro, sem qualquer espécie de discriminação em relação aos respectivos nacionais. Só pode portanto estar alarmado com uma situação afinal corrente, quem continua a pensar que com a adesão à Europa e a entrada dos subsequentes fundos de Bruxelas, Portugal se tornou no país do leite e do mel. Mas esses estão totalmente equivocados. Seremos, quando muito, sobretudo aqui em Tomar, terra de quase nula emigração, o país da lata e da merda. Com uma agravante -lata, há por aí em excesso; já a merda, estou como dizia o pessimista crónico -a longo prazo nem sei se haverá que chegue para todos. Nessa altura, de boa vontade dispensarei a minha parte. E voltarei a atravessar a antiga fronteira lusa. É a vida !
3 comentários:
Boa noite António Rebelo,
Não é assim tão estranho este país se estivermos atentos ao que se passa ao nosso redor! Toda a gente sabe que estamos em regressão acelerada desde há 20 anos, e por isso a emigração volta a ser a saída para muita gente! Este país não é para os portugueses, está visto! O que é lamentável é a abnegação à terra pátria que os portugueses desde sempre demonstraram com o seu dejeso quase insane de regressar! Pergunto eu: regressar a quê? Por quem? Dir-me-á: pela terra de nascimento, pela família, etc. Pois! Isso é um facto histórico. Mas a história também se muda! O que este país merecia era que os jovens que agora partem para o estrangeiro se fixassem por lá definitivamente, tornando sua terra mãe a localidade onde se estabelecem, criando aí raízes, constituindo família, transferindo para lá a sua afectividade e o sentimento de lar.
Este estado que vive das coimas que os seus agentes cobram, de impostos indecentes sobre o consumo, de especulação financeira, e de um sem-número de outras operações muitas vezes inconstitucionais e imorais, devia ser castigado com o não envio de dinheiro que os emigrantes fazem periodicamente. É vergonhoso o que se passa! Os estudantes não têm entrada em medicina muitas vezes por causa de uma décima. Rumam a Espanha onde a exigência é ligeiramente menor. Tiram lá o seu curso e no fim vem o governo português a dizer que os recebe de braços abertos! Cinismo do mais ordinário que existe.
Agora que estamos numa época em que está na moda o discurso ecologista e se fala de ciclovias que aliciem boas práticas em matéria de transporte através do uso das bicicletas, veio-me à lembrança um caso que atesta vigorosamente a inércia endémica deste país. Recentemente vi um programa de televisão onde se falou do surgimento da Federação Portuguesa de Ciclismo. Aconteceu nos primórdios do séc.XX através duma organização denominada de União Ciclista Nacional que teve a responsabilidade da organização das primeiras provas desportivas em bicicleta. Nesses tempos não havia fábricas de bicicletas em Portugal. Todo o material tinha de ser importado e, dadas as dificuldades económicas foi solicitado ao governo de então que baixasse os impostos sobre as importações desse material. A resposta foi sempre negativa! Hoje em dia, num continente onde há países em que a aquisição duma bicicleta, para além de não comportar IVA à taxa máxima,permite dedução fiscal em sede de IRS, o nosso estado continua a tratar esse material como se de luxo fosse, e muito menos se pensa em o contemplar com qualquer tipo de dedução fiscal.
As semelhanças são mais que evidentes, não acha? O imobilismo é a nossa imagem de marca, não é?
Usando uma frase muitas vezes proferida por um conhecido comentador de televisão, Portugal será um país falhado?
Pois é. Para estar de acordo com o anónimo anterior, nem é preciso
ter a primeira classe (o primeiro ano).
Mas onde é que este Governo e todos os anteriores iriam arranjar dinheiro para aguentar mínimas condições de vida para seis milhões de portugueses que vivem do OE?
E se agora são seis milhões, nas últimas décadas eram mais de três milhões e meio, com toda a dificuldade de controlar a corrupção, com origem na esfera estatal.
Para o anónimo anterior
Quem é que você acha que pesa mais ao Estado? Os tais milhões de que fala que vivem de subsídios ou a clique política, banqueiros e demais satélites cujos desfalques e vigarices representam biliões de euros que o Estado, através do governo em exercício, se apressa a tapar promovendo solvências onde elas não têm razão de existir?
Já agora deixe-me acrescentar que muitos dos que vivem do Orçamento do Estado, como diz, são gente de quem o OE vivei muitos anos! Falo, caso não tenha entendido, dos desempregados deste país, muitos deles com um historial de dezenas de anos de trabalho e descontos à Segurança Social. Por isso, quando falar dos que vivem do OE separe as águas e tenha algum respeito por muitos milhares que perderam a sua única fonte de rendimento. Nem todos são profissionais do desemprego...e quase nenhuns tiveram os previlégios do sr. Manuel Alegre que usufrui de uma reforma de 3 mil e tal euros por ter estado (sem nunca lá ter ido)na direcção da Radiodifusão Portuguesa nos idos de setenta...
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