"Continuação e conclusão do folhetim Cantona -prolongamentos e chutos à baliza. Confirma-se, antes de mais, que quanto maior for a difusão de uma informação na Internet, menos crédito se lhe deve atribuir. É a melhor reacção perante o fiasco da operação "Seque a sua conta bancária", lançada pelo ex-célebre jogador de futebol. "Derrota da operação bancarrota", foi a feliz fórmula do jornal Libération. O mais inquietante em toda esta história é que tenha provocado tamanha reacção, fazendo correr tanta tinta e gastar tanta saliva.
Está bem! Reflectia o ressentimento dos cidadãos em relação à banca. Porém, se tal sentimento viesse da crise dos subprimes, se a finança alguma vez tivesse sido popular, já se saberia. E Balzac, Maupassant, Zola ou mesmo Shakespeare, não teriam escrito tantas maldades sobre a banca e os banqueiros. De acordo! As pessoas estão fartas, com toda a razão, de ser esfoladas com comissões disfarçadas e juros usurários, o que constitui um escândalo ainda maior que os bónus dos "traders".
Todavia, que pessoas à priori sensatas tenham podido pensar um segundo sequer que o sistema bancário francês, ou mesmo até planetário, estava ameaçado por esta pré-programada corrida aos bancos, deixa-nos de boca aberta.
Não são só os famosos mercados que são irracionais. Afinal, há onze anos, em Paris, houve multidões amedrontadas, que acreditaram na queda da estação orbital russa Mir sobre a capital francesa.
Faz correr menos tinta, é menos cor-de-rosa, é menos VIP e menos tudo o que se entender, mas a crise da dívida europeia é um perigo apesar de tudo muito mais sério para o devir do sistema financeiro mundial. Como cidadão comprometido e jornalista consciencioso, desejoso de compreender o que realmente se está a passar, fazemos um esforço para ler quase tudo aquilo que escrevem sobre tal assunto os melhores especialistas da zona euro (Daniel Gros, Barry Eichengreen, Jean-Pisani-Ferry, Martin Wolf, Patrick Artus, Daniel Cohen, Laurence Boone, Agnès Benassy-Quéré, Michel Aglietta, Kenneth Rogoff, e que nos desculpem todos os que não foram citados, que acabariam por encher toda esta página).
Porque Deus sabe quanto os economistas produzem neste momento em matéria de análises e de estudos. Deus sabe como cogitam, tentanto encontrar remédios susceptíveis de nos livrar desta salganhada. O que primeiro salta à vista é que quase todos têm a honestidade de reconhecer que as soluções propostas, ou são tecnicamente muito delicadas, ou economicamente hiper-arriscadas, ou, enfim, politicamente quase inaplicáveis. Numa fórmula -não há nenhum remédio milagroso.
Monetizar as dívidas públicas? O Banco Central Europeu - BCE, nem quer ouvir falar nesse assunto. E a Alemanha tão pouco. Aumentar o fundo europeu de resgate financeiro? Ninguém é realmente contra, mas a favor também não. E de qualquer maneira, o dito aumento não resolveria grande coisa. Abandonar a zona euro? Um suicídio económico para os países que escolhessem tal via. Federalismo orçamental? Nenhum governo, nenhuma opinião pública, estão ainda preparados para semelhante coisa. Reestruturar as dívidas? Todos pensam nisso, ninguém o admite e os banqueiros deixaram de dormir descansados. Lançar os "euro-bilhetes do tesouro", empréstimos de Estado europeus, com assinatura única? Os países do sul apoiam. França e Alemanha são contra.
Todas estas leituras permitiram-nos pelo menos identificar com alguma clareza o problema número um da Zona euro. Esta tem agora pelo menos duas velocidades. Há os paises sérios, bons alunos que inspiram a confiança dos credores internacionais, com taxas de juro baixas para as respectivas obrigações (2,9% para os Bunds alemães a dez anos, na passada sexta-feira, dia 10). E países cábulas, cujos empréstimos ninguém quer subscrever, com taxas mais elevadas (11,4% na Grécia, 6% em Portugal, 7,8% na Irlanda, 5,3% em Espanha).
O problema é que tal divergência é insustentavel a médio prazo. Antes de mais por ser incompatível com a própria ideia de uma zona económica e monetária unificada. Ninguém imagina os Estados Unidos com taxas de juro de 3% na Califórnia e 12% no Wyoming. Depois, porque os juros altos agravam as dificuldades orçamentais de cada país, tornando mais difícil o crescimento económico, o que aumenta as dúvidas sobre a solvabilidade de cada um.
O pior é que esta zona euro de dois grupos de taxas de juro começa a fixar-se na cabeça das pessoas. Na do antigo patrão dos patrões alemães, Hans-Olaf Enkel e, mais grave ainda, na do antigo chanceler alemão Helmut Schmidt. Este explicou ao Le Monde (datado de 08/12/10) que "se cometeu um enorme erro ao aceitar qualquer um" na zona euro, o que o leva a aceitar a emergência de um núcleo duro incluindo a Alemanha, a Áustria, o Benelux, alguns países escandinavos e da Europa central, bem como, talvez, a França, com 51% de possibilidades de acordo com o antigo chanceler, mas quase de certeza sem a Itália.
"Der euro spricht deustsch", proclamou o antigo ministro alemão das finanças, Theo Waigel, na véspera do lançamento da moeda única, para sossegar os seus compatriotas. Durante dez anos a sua afirmação foi desmentida pelos factos. O euro falou afinal "esperanto", para usar a fórmula execrável do falecido líder da extrema-direita austríaca, Jorg Haider.
Mas aí está. A crise da dívida dá agora razão a todos os dirigentes da zona marco que entraram no euro às arrecuas, convencidos, como Hans Tietmeyer, o ex-presidente da Bundesbank, de que os países da Europa do sul são melhores "para vencer no futebol do que para reduzir os défices". Pelo que, mais cedo ou mais tarde, esta heterogeneidade provocaria uma crise grave, financeiramente desastrosa para todos.
Se teve razão por pouco em relação ao passado, a Alemanha sente-se agora reforçada pelas performances económicas do presente. Crescimento vigoroso, exportações e excedentes comerciais maiores do que nunca, défice público controlado, O maior país da UE é agora o único onde o desemprego baixou desde o início da crise. Que outro país poderá ousar dizer-lhe não, quando a Alemanha pretender impor os seus pontos de vista, por exemplo na área da governança económica, ou sobre a necessidade de este ou aquele país reestruturar a dívida, ou abandonar a zona euro?
No outono de 2011, Axel Weber, o actual patrão da Bundesbank, deverá ocupar o lugar de Jean-Claude Trichet, na presidência do BCE. A partir daí, o euro falará então mesmo alemão, para todos os efeitos e durante muito tempo."
Economia - Pierre-Antoine Delhommais, Le Monde, 12/12/10.
Tradaptação António Rebelo.
4 comentários:
Há duas culturas: a germânica (com Austria, Rep.Checa, Polónia, Hungria, Dinamarca, Suécia, Finlândia e P.Bálticos) e a Mediterrânica. A França tem as duas no seu território. O sucesso dos alemães está na venda dos seus produtos, especialmente maquinaria. Na informática, p.e., ainda estão a aprender!
Precisam de compradores e para isso tem servido a tal Europa do sul. Mesmo que financiada por si, a "ajuda" retorna à Alemanha através da compra dos seus produtos. Tal como os chineses (bem mais espertos) financiam a economia americana e não se queixam! Só que, agora, com o reforço económico da China, o dinheiro do petroleo a correr na Rússia e no Brasil, é dispensavel essa Europa do Sul. Acontece que cada vez que a Alemanha cresceu e se "afastou" da relação não imperial com a Europa o resultado foi trágico.
Ou algum dia os alemães acharam que os europeus eram todos igualmente produtivos?
A ver vamos o futuro!
Pedro Miguel
Basta que a tal Europa sub-desenvolvida faça boicote aos produtos alemães, sobretudo veículos automóveis e electrodomésticos, para vermos onde vai parar a senhora Merckel.
O maior erro da duplomacia mundial foi deixar acontecer a reunificação alemã. A República Federal veio a beneficiar das infraestruturas industriais do leste e da mão-de-obra barata e competente do leste.
Ainda hoje, passados tantos anos, existem discrepâncias enormes no nível de vida entre as duas Alemanhas.
A senhora Merckel dá um chouriço a quem lhe der um porco.
Portugal está com Cantona.
Afinal fomos dos países da Zona Euro que durante 2010 mais dinheiro levantou dos bancos (em levantamentos ATM), para não falar na razia que houve nos Certificados de Aforro...
AA
Isto só vai entrar nos eixos quando U.E. cá puser um executivo com duas missões:
1ª - Expulsar os boys,de todas as cores,do aparelho de Estado - administração pública,empresas públicas e/ou participadas,hospitais,institutos,fundações e outros covis onde se instalaram como pragas.
2ª - Controlar todas as receitas e despesas do Estado,no seu sentido mais amplo e abrangente,e ser o único indivíduo autorizado a assinar cheques para custear despesas.
TEM DE SER INCORRUPTÍVEL e só pode ter um secretário português - MEDINA CARREIRA.
Enquanto isto não acontecer,É SÓ CAMINHAR PARA O ABISMO até cair na BANCARROTA TOTAL e num caos político e social inimaginável e contagioso.
Parece a lava desordenada de um vulcão...
O BRUXO
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