quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

EU, SYLVAIN, COZINHEIRO DE "FAST-FOOD" - 2

"Hicham trabalha "na sala", o que quer dizer que limpa as mesas e despeja os recipientes de detritos. Anda quase sempre a dormir em pé. Às vezes, também lhe acontece cobiçar  as raparigas, através dos seus óculos bifocais. Chama-lhes "bombas atómicas", mas não tem coragem para as abordar. Diz que tem o CAP (Certificado de Aptidão Profissional), mas é mentira. Não tem diploma nenhum. Também gostava de poder deixar esta prisão aborrecida, sabendo muito bem que nunca o vai conseguir, por falta de meios. Por isso vai ficando por aqui, perdido na multidão de clientes, vigiado pelo olhar amigavelmente crítico do supervisor Alban, assistente do director.
Titular de um master em História de Arte, um estudante vai trabalhando as suas aulas de direito por correspondência, esperançado em conseguir vir a ser agente de leilões. "O ano passado lixei-me. Deixei-me dominar pelo trabalho no fast-food".
Rapidamente percebi que os clientes mais jovens são também quase sempre os menos educados. Querem tudo e já! Nas filas impacientam-se, chegando alguns a reclamar burgers grátis para os compensar do tempo perdido. E no entanto, nas noites de festa, vão-se eternizando na sala, chegando até a reencher disfarçadamente os copos de plástico de rhum e de sodas. Também me apercebi que nos fast-food só o serviço é que é rápido. Os clientes podem ficar horas à mesa. Telefonam, marcam encontros, vão-se embora, regressam, por vezes sem consumir. Numa das filas ouvi um diálogo entre dois adolescentes: "Que merda! Mas porque raio vem a gente sempre aqui? -Concerteza não estás com vontade de ir comer para a loja de crêpes?!"
A partir do grill, o meu posto de trabalho, observo os clientes através de uma fenda com apenas 10 centímetros, atrás das prateleiras de burgers. Jacques, um colosso negro, natural dos Camarões, adverte-me: "Aqueles são muçulmanos. Prepara uns burgers de peixe!" Consideram-me em geral um bom aluno. Apesar disso, uma destas noites, Nathalie, a supervisora, foi para mim um calvário. Como tive a infelicidade de picar o ponto às 18H32, resolveu que seria eu o bode expiatório daquela noite. "Cebola? Põe mais! Salada? T'ás a pôr demais!" E cá temos o terror das cozinhas, que resolveu ir buscar uma balança para pesar as folhas de alface a mais. Sentença: 25 gramas em vez de 17..."Só sabes é estragar!" Fico danado. Todas as noites, as tiras de bacon e de queijo que apenas perderam a validade vão para o lixo. Felizmente há o Jacques, para me acalmar: "Nada de pressas. Trabalha nas calmas. Andar depressa só no engate, e se a gaja valer a pena!" É fácil de dizer, mas a pressão é constante. Ainda assim encontrei uma astúcia para interromper a cadência infernal. Procuro conseguir obter a tarefa de compactagem dos contentores de lixo. Apesar do frio e do bolor, a cave consegue ser para mim quase um parque de recreio. O Rémi tem pouca sorte. A Nathalie, que resolveu embirrar com ele, acha-o demasiado lento. Esgotado, refila baixinho: "Não vou aguentar um ano! Mais uns mesezitos e calço os patins. Jimmy, a minha formadora, é da mesma opinião: "Não vou envelhecer por aqui. Já viste que nos falam como se fôssemos cães?". Há pouco tempo, ofereceram-lhe um lugar de directora. Recusou. Muita complicação. Vem dos arrabaldes de Paris e não vive de ilusões. Em França há muito que o ascensor social está quase sempre avariado. Na melhor da hipóteses, espera vir a ser empregado de mesa, num restaurante como deve ser. Com as gratificações, tem a certeza que irá conseguir "mais cash". Entre duas viradas de burgers, cada um de nós vai fazendo planos. Rémi garante que vai recomeçar a estudar, para conseguir um BTS (Diploma de Técnico Superior) de Hotelaria-restaurante. "O fast-food não tem categoria nenhuma. Mas é uma boa experiência!".
Para um primeiro contacto com o mundo do trabalho, temos de confessar que a indústria da comida rápida é como uma brutal primeira noite de sexo. Antoine, 19 anos, no 2º ano da faculdade de economia, vai abandonar o seu estágio à experiência. "Estou arrasado, disse-me ele durante uma pausa, enquanto mastigava o seu X-tra. Moralmente é mais difícil que os exames de admissão às grandes escolas!" O amigo dele, o Eric, um dos raros homens nas caixas, também está a pensar em dar o fora, mas por outras razões. Sempre bem barbeado, conforme exige o regulamento, é estudante na faculdade de letras, onde o consideram por isso uma espécie de menina virgem. No dia em que teve a coragem de aparecer no trabalho sem ter feito a barba de manhã, a directora obrigou-o a usar uma "gilette" de deitar fora e um creme de barbear de má qualidade. Resultado: cortou-se por toda a cara e teve de andar com pensos. E não é a sua eleição como empregado do mês, com a respectiva recompensa de 100 euros, que o vai compensar de tais "mesquinhices".
Finalmente, lá consegui ser gabado...no dia em que apresentei a minha demissão, após três semanas de martírio. "O Rémi, vou ver se não ficamos com ele... Mas tu, é outra coisa... Tens mais jeito", disse-me com ar tentador a Nathalie. Não faço caso. Insistência suplicante: "Tens mesmo a certeza que não queres ficar mais uns tempos connosco?" Afinal, a chefe autoritária e chata virou colega simpática. Rejubilo! No grill, agora que me vou embora e os deixo, os meus colegas cozinheiros estão com baixo astral. As baratas vão correndo pelo chão e pelas paredes, enquanto os ratos vão fazendo gincana entre os  pés, no chão oleoso. Por todo o lado, folhas A4 plastificadas recordam o preceito "100% qualidade" da empresa. Aproveito para conversar com um rapaz com o qual nunca partilhei um turno. "Há quanto tempo é que trabalhas aqui?" Mostra-me as mãos cobertas de queimaduras. "T'ás a ver os meus ferimentos em combate? Já cá estou há muito tempo pá!... Tempo a mais!"

Sylvain Morvan, L'EXPRESS, 16/02/11, páginas 56-59

10 comentários:

Anónimo disse...

A gente lê,pensa,repensa e interroga-se:

Qual a mais bárbara escravatura:

Esta ou a de há dois ou três séculos atrás?

Sem olvidar,óbviamente,o estádio de desenvolvimento económico,social e cultural das duas datas.

Isto é arripiante...mas gostava de ver os "gold boys" num estágio destes.

Que estrondosa lição de vida para um Relvas,um Ferreira e tantos,tantos outros súbditos...

J. Amaral

Luis Ferreira disse...

Para o Sr.JAmaral e outros "convencidos, pedantes e armados ao pingarelho" que permanentemente se acham donos da verdade e livres de qq critica.

Saiba que cada geração tem as suas "feridas" e dificuldades de afirmação e entrada no mundo do trabalho. Os da minha idade, que atingiram a maioridade em 1985, que em Tomar nao eram bafejados pela sorte ou pelo nascimento tiveram de iniciar o seu trabalho na Platex, no Freitas Lopes, na Matrena, Porto Cavaleiros, Prado, Fundição, Moagem, Fabrica do Alcool ou da Fiação, como foi o meu caso, onde fui aprendiz de tecelão.

Outros tiveram de ir para a vida militar, como voluntários ou em serviço obrigatório, colocando de seguida "o chico", que na gíria queria dizer "contrato". Foi também o meu caso, durante sete anos.

A "minha geração" nao foi brilhante na sua juventude, como outras nao o terão sido, nem a actual o é. Cada geração é fruto do seu tempo.
Tenho a convicção que a actual saberá, como a minha soube, encontrar o seu Espaco e o seu tempo de afirmação e contribuir, sem "tiques" de superioridade, para a melhoria da nossa terra como a minha geração já está a tentar dar, com as dificuldades normais da renovação geracional.

Sem traumas e de cara descoberta, como compete a Um Homem livre.

Saudações

Anónimo disse...

CONTINUE Sr. Ferreira...
Continue...

Depois de 7 anos na tropa,saíu com que patente?

Entrou para a Função Pública...quando?...onde?...atravésde que concurso?

Entretanto concorreu para a Câmara de Alpiarça...em que ano?...através de que concurso?

Trabalhou na Câmara de Alpiarça entre....e.....?

Foi para o Governo Civil em....?


ESCLAREÇA DE VEZ O SEU PASSADO PROFISSIONAL!

EM NOME DA TRANAPARÊNCIA,DA ÉTICA REPÚBLICANA E DOS BONS COSTUMES!

E,para os devidos efeitos e constar aonde convier,declaro:

Não sou convencido,nem pedante,nem armado ao pingarelho,nem dono da verdade,nem comedor de mentiras ou trapaças,nem invejoso (tinham-se esquecido desta...seu maroto),trabalho há muitos anos,tive de me virar e subir a corda a pulso,muitas vezes ferindo as mãos.

J.Amaral

Anónimo disse...

Era o que mais faltava este gajo mostrar o seu fraco currículo. Espere sentado, amigo !

Luis Ferreira disse...

Meu caro

Metei gelo, que ajuda a passar a dor de cotovelo.
Quando for ao meu próximo concurso de promoção ou de acesso na minha carreira da função publica, onde normalmente fico em primeiro lugar (ora toma!), então entregarei curriculum. Até lá, umas compressas, gelo e pastilhas para o estômago talvez ajudem...

E olhe, ria-se do seu semblante, que ouvi dizer que é o melhor remédio para as dores da alma. Lol

Anónimo disse...

RETRATO DA GERAÇÃO À RASCA.
Também no passado houve escravatura. Os nossos avós nas fábricas do antigo regime também passaram as passas do algarve...

Anónimo disse...

ESTE TRIPLO-QUEIXO NÃO PRESTA MESMO. QUE NOJO VIE A TERREIRO RESPONDER DESTA FORA. AINDA SE ENTERRA MAIS. CLARAMENTE NOJENTO.

MEGA MASSA PRO!

Luis Ferreira disse...

É um luxo "provocar" e "levantar" estes fantasmas neo-fascistas ou proto-comunistas, os quais incapazes de fazer Mais ou Melhor do que temos feito, se ocupam com "atuardas".

Têm melhores resultados ou demonstração de competência do que os socialistas (incluindo este vosso servidor) têm dado na gestão municipal? Nao? Então deixem-se ficar com os necessários paliativos para a "dor de cotovelo"...

Conosco houve mais e melhor cultura e turismo, e há mais e melhor gestão urbanística e Proteccao civil. Factos!

Anónimo disse...

Sr. Dr. Rebelo,

Escrevi uma peça irónica em resposta à "assobiadela para o lado" do vereador Luís Ferreira.

O Sr. percebeu,e êle também,o verdadeiro âmago da questão.

O vereador Ferreira é um cidadão que,desde há perto de duas dezenas de anos,vive de rendimentos provenientes de funções de nomeação política,pagos com fundos do erário público.

Como tal,tem o dever de esclarecer públicamente tudo o que à sua vida pública diga respeito.

Não é encher a boca com "a ética repúblicana de serviço público" e depois,desvergonhadamente,escusar-se ao escrutínio da transparência da sua vida pública e de funcionário público que,enquanto tal,nunca ninguém viu em qualquer repartição,serviço ou instituição da Administração Central,Regional ou Local.

Mas,apesar de tudo isto,o Sr. Dr. Rebelo entendeu censurar o meu comentário.

Venho perguntar-lhe: porquê?

O Sr.Dr. e o seu prezado amigo pode escrever o que querem,no estilo que entendem,com a acidez que desejam e tudo é publicado.

A um outro qualquer cidadão,como é o meu caso,é-lhe negado o direito à liberdade de expressão só porque é irónica e/ou satírica.

Estranho conceito o seu.

Se Manuel Macedo se aventurasse a escrever neste seu blogue,eram mais os posts censurados do que os publicados.

E,cândidamente,diz-se um admirador do estilo.

No dia em que o Dr. Rebelo souber,preto no branco,as trapaças ilegais que Luís Ferreira urdiu, com pessoas que o Sr. conhece,para do nada nascer miraculosamente um funcionário público fantasma,vai torcer a orelha e ela nada deitará.

E serei eu,pessoamente,olhos nos olhos,que o vou procurar e confrontar com os embustes a que tem dado cobertura e protecção.

Nesse aspecto,tem prestado um péssimo serviço a Tomar e aos Tomarenses.

Se quiser continuar na mesma estrada,censure também este post.

A verdade há-de vir ao de cima!

J.Amaral

Anónimo disse...

É uma tristeza! Uma figura pública, com responsabilidades 'governativas' não pode usar linguagem tão baixa...
Contribuinte cumpridor