quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

NESTA ALTURA DE NATAL E ALEGRIA...

Escreveu-se aqui anteriormente sobre o relógio da torre sineira do Convento, que nos anos 30 do século passado foi retirado, para permitir a consolidação daquela parte do monumento, tendo todavia ficado o mostrador. Só muito mais tarde, outros técnicos que não cuidaram de ouvir a opinião dos tomarenses, resolveram mandar retirar o mostrador, alegando que não era de época.

Pois imagine o leitor que, como se pode ver na foto acima, tudo indica que o primitivo mostrador do século XVI, ou nunca chegou a ser colocado no seu destino, ou cedo foi apeado. Percebe-se bem porquê, desde que se olhe com alguma atenção.
Após um reinado exeburante e de grande liberdade e euforia para a época, com um rei (D. Manuel I) que despachava ao som da música, e enviava embaixadas ao Papa com animais exóticos, o período sob a égide de D. João III foi de ultramontanismo, inquisição, tristeza, repressão, tudo numa envolvência a que mais tarde se chamou "sentimento trágico da existência", o qual implicava considerar esta vida como simples preparação e passagem para uma outra, eterna e muito melhor, se aqui não cometêssemos pecados imperdoáveis.
É o que está bem representado nos ângulos do mostrador, para lembrança de todos os que para ele olhavam apenas para saber as horas. Em cima os soberanos -D. João III e Dª Catarina. Em baixo os mesmos, alguns anos após o fim desta vida. É pois natural que os frades não tenham simpatizado muito com o tema, tanto mais que naquela época... e o mostrador teve uma via útil bem curta. Se chegou a ter...

Em contrapartida, fora do Convento de Cristo, os habitantes da vila, que já na época certamente pouco se iam incomodando com as ideias mais ou menos obtusas de quem mandava, tal como acontece actualmente, não levantaram qualquer obstáculo. Um mostrador praticamente idêntico foi colocado na torre sineira de S. João Baptista, onde continua há mais de quatro séculos, na indiferença geral. Quase apostava que a leitora ou o leitor nunca sequer tinham reparado nos detalhes. Tal como no do convento, temos em cima D. João III e Dª Catarina, com a diferença de que aqui a ordem é inversa. O busto do rei está do lado direito. Em baixo as mesmas representações algo tétricas, que terão desagradado aos frades.
E vejam lá o que pode fazer a idade. Homem piedoso, austero, duro, de vontade férrea, com o passar dos séculos D. João III acabou por perder metade da cabeça. Decididamente, os anos não perdoam nem aos reis. Mesmo quando conseguem escapar a uma boa limpeza "unicamente por escovagem".


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