sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

O SAGRADO E O PROFANO


Fernando Ferreira, o Nini, escreveu algures, e dizia com frequência, que os visitantes gostam sempre muito da Festa dos Tabuleiros, mas os tomarenses vêm-na de outra maneira. O mesmo se poderá dizer do Convento de Cristo, em geral, e da Janela do Capítulo, em particular. Os turistas gostam muito, ou nem tanto assim, mas para os tomarenses a questão de gostar ou não nem sequer se coloca. Convento e Janela são aquilo que nos torna únicos, no País, na Europa e no Mundo. O nosso emblema, o nosso ícone. E os ícones são sagrados, como bem sabem os ortodoxos.

Limpa ou suja, mais clara ou mais escura, os tomarenses querem-na tal como ela está, naturalmente com manutenção adequada, mas sem intervenções pesadas. Apenas as periódicas revisões, com delicadeza, supervisão competente, andaime, balde e vassoura pequena. Nada de intervenções-piloto, tanto na Janela como na fachada. Não faria qualquer sentido uma fachada limpa com a Janela suja, ou o inverso.

O que se pede no nosso apelo que continua a recolher subscritores (ver post SALVAR A JANELA DO CAPÌTULO) é que DEIXEM A JANELA EM PAZ. Para os tomarenses e para muitos portugueses ela é, em certo sentido, sagrada. Alterar, ainda que ligeiramente, o aspecto geral do sagrado, é uma profanação. E ninguém gosta de tais actos. Por outro lado, a obra-prima do manuelino não é uma raínha de beleza, nem uma beldade trintona. Não precisa de limpezas de pele, de liftings, nem de silicones nos sítios convenientes, ou de lipo-aspirações. Os visitantes que prefiram uma janela sem os musgos e outros líquenes, a veneranda roupagem de quinhentos anos de existência, farão o favor de dedicar alguma atenção à irmã mais singela, (ver foto de cima), que dá para o Claustro de D. João III. Já ficarão com uma ideia do que seria a fachada limpa e sujeita a posterior degradação acelerada. Porque a triste realidade é esta -Todas as grandes intervenções de limpeza de fachadas realizadas até agora foram autênticos desastres. Nos Jerónimos correu mal, na Torre de Belém correu mal, em Mafra correu mal, na Senhora da Conceição basta lá ir com olhos de ver, no Convento, designadamente na fachada do Corredor do Cruzeiro virada para o Claustro da Micha, as chagas são evidentes. E depois de tantos desastres, querem convencer-nos que na Janela e no Coro Manuelino as coisas iriam correr melhor ? Sejamos poetas líricos, mas sem exagero. Aprender com os erros é próprio dos homens. Porque será que os sempre presentes e propalados especialistas de elevado gabarito em restauros e limpezas, nunca mais aprendem ? Incapacidade deles ? Ou excessiva ganância dos patrões e dos especialistas em alcavalas por baixo da mesa ?

Já o dissemos, mas fica aqui escrito uma vez mais: Iremos até onde seja possível, para evitar intervenções que podem provocar desastres irreparáveis, além de profanarem um ícone dos tomarenses. Para já, iremos até ao topo do poder em Portugal e até à UNESCO, em Paris, dado que o Convento é Património Mundial. Posteriormente, se houver mais uma intervenção a correr mal, como tudo leva a supor, iremos até aos tribunais europeus e alguém terá de pagar pelo que entretanto terá feito, apesar de atempadamente avisado. Chega de agendas ocultas, de negócios insólitos e de impunidade !

Não se trata de nada disso ? Então porquê tanto afinco e insistência numa empreitada de limpeza, manifestamente despicienda e desnecessária ? Como dizia o nosso amigo espanhol: Yo no creo en las brújulas, pero que las hay, hay !

Sem comentários: