Nota prévia:
O que segue são os excertos que nos pareceram mais importantes da habitual crónica semanal "A boa distância", de Manuel Maria Carrilho, ex-ministro da cultura e ex-embaixador de Portugal na UNESCO, publicada na edição de ontem, 04/11/10, do Diário de Notícias. O negrito é nosso.
"Por muito sombria e aflitiva que seja, e é, a situação no curto prazo, não vale a pena ter ilusões. Só no médio/longo prazo será possível ultrapassar as dificuldades que hoje enfrentamos.
Para já, o melhor que se pode fazer é, em primeiro lugar, controlar os danos. Depois, é preciso compreender o mais claramente possível o que se passou, para que se chegasse à situação actual: as suas causas, os factores internos e externos, os erros, os imprevistos. Por fim, tendo tudo isto em conta, deve procurar traçar-se um plano de saída dos impasses actuais, o que passa pela capacidade de se pensar uma nova perspectiva sobre a sociedade e o desenvolvimento que queremos, adequado à mudança global de paradigma que estamos a viver.
Sem isto, nada feito. E um tal plano terá certamente de cortar com o modelo que tem persistido desde os anos 80, com momentos de excepção, que nunca passaram disso mesmo -excepções sem consequência.
Modelo que assentou no investimento público no betão. No recurso intensivo à mão-de-obra barata e pouco qualificada. Na ilusão de uma capacidade de exportação com pouca capacidade criativa na produção de bens transaccionáveis. Na confiança num turismo, digamos, natural, mas com pouca qualidade, com uma oferta pouco diversificada e cada vez menos competitiva. Na incompreensão estratégica do alcance do factor qualificação (educação/formação/ciência/cultura) enquanto dimensão central do desenvolvimento. E ainda -sem pretendermos ser exaustivos- no fechar dos olhos face à partidarite, na disseminação do "negocismo", na instrumentalização da sociedade civil, etc.
Tudo isto está, naturalmente, bem para lá do arrastado folhetim orçamental que temos vivido, e exige um grande debate nacional que a sociedade portuguesa agora tem mesmo de fazer. Só assim, de resto, se conseguirá avançar para o mais importante, que é a definição de uma plano para a década, suficientemente sério, participado e consensualizado, para poder tirar Portugal do abismo em que se encontra.
Sério, participado e consensualizado, quer dizer que esse plano deverá ser feito, para lá dos partidos, com a empenhada colaboração das universidades, dos sindicatos, dos empresários, recorrendo-se a todas as reservas da sociedade portuguesa, nomeadamente às qualificadas gerações mais jovens que temos hoje.
Um plano que se inspire na "matriz das descobertas" que esteve na base da primeira globalização (como se lembra no Portugal pioneiro da globalização, de J.N. Rodrigues e T. Devezas), e consiga ligar o que tem de ser ligado: a visão da sociedade que se ambiciona, os valores em que se sustenta e os recursos (materiais e imateriais) de que se dispõe para a alcançar,
E que institua o diálogo permanente entre todos os intervenientes, construindo um espaço de debate plural, de efectiva negociação e de inovadora convivialidade política na sociedade portuguesa.
Estamos hoje cercados pelos nossos erros e pelas nossas fraquezas. Só um tal plano nos pode libertar deste cerco, dando-nos força e confiança colectivas. É esse o desafio que temos pela frente, ao lado do qual o Orçamento, por importante que seja, tem um carácter meramente episódico.
... ... ... ... ... ...
Sem plano, o cerco vai mesmo continuar a apertar-se!..."
Com a devida vénia e os nossos agradecimentos a Manuel Maria Carrilho e ao Diário de Notícias.
Nota final:
Faça o leitor as modificações necessárias e logo chegará a uma curiosa conclusão: Até parece que o Prof. Doutor Carrilho andou a observar atentamente a situação aqui pelas nabantinas margens.
Após o que, pensando em certos comentários de alguma gente tomarense e, sobretudo, na lamentável sessão extraordinária da Assembleia Municipal, reunida há pouco tempo expressamente para debater a situação local, resta-nos chorar, que sempre alivia um pouco. Mas não cura esta funda melancolia.
3 comentários:
Contrapondo a alguns julgamentos de MMCarrilho, que muito aprecio, e a uma onda de pessimismo instalada, com a qual não comungo (e não sou daqueles que pensam que vivemos no melhor dos mundos), permitam-me ressaltar aqui alguns extratos de uma entrevista publicada no "Público" de hoje.
Às vezes, 4 páginas de um jornal compensam o seu custo,esquecendo os outros artigos só para "encher chouriço".
Uma longa entrevista a um jovem cientista português (47 anos), Nuno Ferrand de Almeida, Biólogo.
O subtítulo estimulou-me a lê-lo, fio a pavio, sublinhando aqui e ali:
"Acredita (ele) que o país tem pessoas e conhecimento que garantem um futuro"
Algumas citações das suas respostas:
-"Hoje temos nichos de excelência que podem ombrear com o melhor do melhor. Um país que tem isso tem futuro"; "penso que podemos transformar esta crise numa oportunidade"
-"Há(...) um registo pessimista em relação à crise portuguesa - que não partilho"; "Nas elites portuguesas instalou-se um pessimismo tremendo"; "ainda sou relativamente novo, mas sei (...) o que era Portugal há 25 anos, estávamos fora do mundo"; "assisti em menos de 25 anos à transformação que se viveu em Portugal, é um privilégio absolutamente extraordinário".
-"Nos últimos dez, quinze anos, conseguimos chegar ao topo, dos países que mais têm investido na ciência";"é quase um milagre o número de doutorados, e disso as pessoas falam pouco e teríam que falar mais".
-"Todos os países têm dois países (...) mas há 25 anos não tínhamos dois, tínhamos um que era mau, hoje temos um país que se distingue nas ciências, nas artes, na literatura, no desporto".
-"Penso que as nossas elites estão um bocadinho gastas, na maneira como olham para o lado antigo do que foi Portugal, quando temos ao lado um país a desenvolver-se muitíssimo".
-"Vamos dar a volta a isto. É como as réplicas de um terramoto"
-"Temos hoje pessoas e conhecimentos que nunca tivémos".
É uma entrevista (4 páginas) que aconselho a ler, uma visão positiva de um jovem cientista sobre o futuro do nosso país.
Não sou jovem, nem pouco mais ou menos, gostava que fosse possível fazer uma interrupção no ciclo da vida, e ser-me creditado os que me faltam para o completar, para viver daqui a 15 ou 20 anos. Tenho a convicção que Portugal estará, finalmente, na dianteira, porque o que se tem feito nos últimos 10, 15 anos tinha que ser feito.
É por isso que eu apoio este meu Zézito, o único PM que apoiei na minha vida, o melhor que conheci; e indo à nossa história dos últimos 190 anos, não encontro outro tão empenhado, apaixonado e determinado em combater este caruncho de um Portugal velho de há séculos, sempre a falar no emblema das "descobertas", sem lhe retirar as lições, que anda por aí a ganir e a puxar para trás, atrelado aos novos teólogos e doutores salamantistas.
A crise internacional atropelou-nos, mas há bases para recuperar e avançar como nunca tivémos.
Sou otimista, acredito na capacidade de novas elites que se estão a afirmar à vista desarmada. É só querer ver. Mas há quem não queira.
Curioso! O mesmo dr. Carrilho que como ministro do eng. Guterres em 2000 decidiu "salvar" as gravuras de Foz Coa, porque o futuro era a cultura e o turismo cultural. Daí viria um peso fundamental para as receitas e economia. Ou seja, viriam ao Coa milhares de excursionistas ricos, letrados e cultos para apreciar tal registo...
Os últimos dados (supondo serem fiaveis) apontam para menos de metade dos visitantes do Convento de Cristo, já de si um valor baixo.
E o povo de lá construiu pensões e restaurantes...
E esta gente que "manda bocas" não tem vergonha na cara!
Pedro Miguel
Esforcei-me a sério para espremer e entender a prosa do "Cantoneiro da Borda da Estrada".
O estilo não me era desconhecido mas não lhe conseguia identificar a paternidade.
Mas,de repente,miraculosamente,fez-se luz e vi-me a reler aqueles panegíricos do grande talento que dava pelo nome de :
ANTÓNIO FERRO !
Mestre supremo da mistura de meias verdades com efabuladas mentiras.
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