quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Assim somos...


Sei bem que, ao publicar este texto, vou chocar alguns leitores. Pois que tenham paciência. Li o livro, pensei, repensei e concluí que não ficaria com a consciência em paz caso enveredasse pela via mais fácil -calar-me. Isto porque, além da biografia de um grande soldado, grande homem e português firme, que teve a coragem e o desassombro das suas opiniões, tanto antes do 25 de Abril -quando tantos outros, que meteram o rabo entre as pernas, agora se proclamam oposicionistas de sempre- como durante e após o movimento vitorioso; além de biografia, escrevia eu, trata-se também de um excelente livro, escrito por um ex-militar comando, depois emigrante e professor universitário de literatura, na Alemanha e em Portugal. Biografia de um guerreiro e um grande livro, porque  é igualmente um fresco, admirável de concisão e requinte, sobre a nossa acção militar em Angola, em Moçambique e no então chamado Estado da Índia. Uma obra cujo autor teve a humildade de ouvir os que, como ele, por lá andaram na dura faina da guerra.
Quero igualmente destacar uma situação paradoxal, que muito me chocou. A reles atitude daqueles que a dada altura, com Jaime Neves já na reserva, resolveram infernizar-lhe a vida, a ele e à sua família, indo de forma sistemática, pela calada da noite, fazer barulho junto da sua casa, na margem sul. A tal ponto que houve necessidade de a mandar guardar pela polícia, bem como de afastar os filhos para um colégio, como medida de segurança. Certamente gente da mesma categoria dos que há pouco, em plena Assembleia da República, recusaram  juntar-se a um voto de pesar pela morte do grande militar, quer se concorde ou não com todas as suas opções políticas, que o mundo nunca foi nem é a preto e branco. Criaram assim uma situação paradoxal: Jaime Neves, o militar-guerreiro-brutamontes que perdeu dois irmãos de armas no 25 de Novembro, ameaçou matar centenas em retaliação. Chamado à razão pelos seus camaradas castrenses -nomeadamente por Ramalho Eanes- nunca disse que perdoava, mas também nunca procurou matar ninguém, o que equivale a perdoar de facto. Já a autoproclamada esquerda pura e dura e de confiança, nem depois de morto lhe perdoou. Assim somos: gente geralmente videirinha e invejosa. Que considerá o ódio cego uma mera opção política. De esquerda, ainda por cima!
Permitam-me dois pequenos excertos, para terem uma pálida ideia do estilo da obra:
"Aqui as profissionais do sexo são as prostitutas dos templos, como as de Mangueixa ou Maredol (Goa). As devadasis trabalham deitadas com grande descontracção, conversando com os familiares que estão a alguns metros, por detrás de tabiques, de paredes meias ou de cortinas. Tal como as corridas de táxis, estas mulheres são quase grátis. Para os jovens militares é o tempo do sexo como desporto fácil e prazenteiro. Um prazer inocente. Nem o prazer porco e blasfemo de Sade, nem o prazer sagrado, embora não religioso, de Bataille. O clima sexual geral é bem diferente do da metrópole. Ao pudor sexual das europeias contrapõe-se uma ética de prazer do corpo das indianas, que torna os arabescos do Kamasutra naturais, no que se opõe às acrobacias dos palhaços sexuais da pornografia ocidental.
A tabela de preços que vigora é a de meia rupia para o soldado, uma rupia para o sargento e rupia e meia para o oficial. Tudo isto "sem tirar o sari" porque, neste caso, é mais uma rupia. Também é mais uma rupia para "chupá no carailhoô". (Página 58)
"Depois de guerrear pelo Império, Jaime Neves luta contra o regime que já só se sustenta por arames.Começa a virar-se contra ele quando, nos dois ou três primeiros anos da década de 70, se apercebe da degradação acelerada do exército. Há já soldados que embarcam para Moçambique sem terem dado um tiro sequer. No norte da província, os víveres são agora transportados por helicópteros, devido às minas. Há companhias sem qualquer oficial ou sargento do Quadro Permanente. Chega-se ao ponto de, em toda a Região Militar de Moçambique, haver apenas dois oficiais do Quadro Permanente ...a comandar companhias no mato. Está-se na fase em que os rapazes do povo servem de "enchidos para canhão" e os filhos das elites se ficam pela Marinha..." 
(Página 134)

Rui de Azevedo Teixeira, Homem de Guerra e Boémio - Jaime Neves, Bertrand Editora, 207 páginas, Lisboa, Novembro de 2012.

3 comentários:

templario disse...

DE: Cantoneiro da Borda da Estrada

O 25 de Abril foi o culminar de um movimento, muito abrangente, contra a ditadura, levado a cabo pela esquerda e por amplos setores da direita portuguesas. O próprio movimento dos militares o refletiu, depois, nas divisões que imediatamente surgiram no seu seio. As mesmas que surgiram no seio da sociedade em geral.

A glória pelo resultado final pertence ao povo, que recusou os aventureiros de um lado e de outro - quis a democracia! Disse: Não vamos por aí! Contra isso batatas... Mas não há dúvida de que, para essa solução, a esquerda política foi decisiva.

Jaime Neves cumpriu o seu papel, embora tivesse que ser desviado das unhas daquele setor da direita política hoje instalada no governo (quiçá na Presidência da República).

Teve juízo.

Paz à sua alma! Honremos o seu contributo!

(eu bem entendo que os setores da direita mais reacionária há muito tempo busquem por uma alma perdida..., por um Bastiãozinho qualquer - que não é, decerteza, a de Jaime Neves, para os quais se c...... e p.... Saudade é lembrança e dor, e há quem cuide e suspire..)








Leão_da_Estrela disse...

Caro professor,

Já aqui o escrevi, volto a fazê-lo:
O meu amigo é dono do tasco (sem desprimor), logo, escreve nele o que muito bem entender.
Os frequentadores, gostem ou não, têm na ementa o que lhes quiser servir; se petiscam ou não, é problema deles.
Confesso que a figura não me era simpática, combati-o enquanto esteve politicamente activo, mas daí a regozijar-me com a sua morte, vai um passo de gigante (ainda p'ra mais porque tinha a precisa idade do meu pai e isso mexe sempre com quem tem sentimentos).
Terá sido talvez um Salgueiro Maia ao contrário, se a expressão me for permitida, já que foi o que menos beneficiou com a actuação decisiva de 25 de Novembro de 1975 (foi graduado num qualquer posto, que eu de tropa percebo pouco,já na reforma, por Cavaco Silva), tal como o primeiro nada beneficiou com o 25 de Abril.
À volta de ambos, uma chusma de oportunistas se serviu deles. Não foi assim antes e não foi assim depois, neste país de xicos-espertos?

Desde Loures,
Cordialmente

templario disse...

DE: Cantoneiro da Borda da Estrada

Caro Leão da Estrela,

Só agora dei conta que é meu vizinho. Eu habito aqui ao lado, no de Sintra. E, pelas lutas que travou, é capaz de ser da minha geração, quarentas e tais... - para aí.

Tudo leva a crer que vai levar com aquele outro nosso vizinho, o das Caldas (refiro-me ao que o Dr. Rebelo tanto admira, o que tem sempre tudo direitinho).

Aqui pelas nossas bandas vive um horror de gente de Tomar. Todos os anos se reúnem, quase sempre ali num restaurante das Lezírias, dezenas de tomarenses, antigos alunos da Jácome Ratton, organização a cargo do João Maria, que trabalhava na Matrena que deus tem. Se a frequentou, fica desde já convidado para o convívio e boa almoçarada. E traga a família. O Dr. Rebelo fica também convidado. Só se paga no final.

Até porque estou a pensar aproveitar o próximo encontro (costuma ser em Abril) para propôr a formação de uma candidatura de tomarenses exilados à câmara de Tomar. Garanto-lhe que resultaria uma lista de gente competente e que ama muito Tomar.

Estou certo que o Tomar a Dianteira nos dará todo o apoio.

Tomaram os tomarenses!