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sábado, 12 de novembro de 2011

A Grécia em oito sequências

Vassilis Alexakis nasceu em Atenas em 1943. É jornalista, realizador de cinema e escritor. Conquistou o Grande Prémio do Romance, da Academia Francesa, em 2007. Vive actualmente em Paris.
Entrevistado pelo Le Monde, conseguiu em oito respostas caracterizar o seu país natal. Julgo ser uma leitura obrigatória  para todos os que procuram saber quais as semelhanças e as diferenças entre a situação grega e a portuguesa. Com a vantagem de facultar até uma indicação preciosa para algumas regiões e para Tomar.

"Como é que vive a situação no seu país de origem?
Estou condenado a ler artigos e reportagens de economia que não compreendo...E estou admirado por constatar que os economistas, que já arruinaram tanta gente, insistem em explicar-nos o que devemos fazer. Creio chegada a hora de dar a palavra aos filósofos, aos sociólogos e aos historiadores.
Julgo que a Grécia podia até aproveitar a conjuntura para convidar, para uma das ilhas do Mar Egeu, por exemplo, sábios de toda a Europa, ou mesmo de todo o planeta, para tentar determinar qual o tipo de vida que ambicionamos. Porque afinal, o único capital que nos resta são os filósofos pré-socráticos, que diziam algo de admirável: custe o que custar, cada qual deve preservar a sua impassibilidade. Temos uma enorme necessidade de impassibilidade na actual conjuntura.
A culpa é dos gregos ou da Europa?
A culpa é quase exclusivamente dos gregos. Mas somos apenas vítimas das nossas tradições. A minha avó convidava toda a família para jantar num restaurante, no princípio de cada mês. Gastava assim metade da sua pensão de reforma. Mas não posso condená-la: passados tantos anos, esses jantares continuam a fazer parte das minhas melhores recordações.
Embora no estrangeiro, sente-se solidário com os seus compatriotas?
Os principais responsáveis pela crise são os sucessivos governos gregos. Nos anos 80 do século passado, Andreas Papandreu (Pasok) prometeu ao povo que o ia enriquecer, quando afinal as arcas públicas já estavam vazias. A responsabilidade dos governos é trágica. A Grécia viveu fora da realidade, atitude que atingiu o paroxismo com os Jogos Olímpicos de 2004. Fizemos de conta que tínhamos meios para os organizar. Mas não tínhamos. Deixaram-nos uma dívida de 20 mil milhões de euros, para os nossos netos pagarem.
Quando eu era pequeno, o meu pai tinha tão pouco dinheiro que era forçado a ir à serra de Hymette, a três horas de marcha, para apanhar e trazer algumas plantas para nós comermos. Tenho a impressão que nesta altura a Grécia está a começar devagarinho a subir de novo a serra de Hymette...
Acha que a classe política grega é mesmo a mais medíocre da Europa?
Na Grécia está tudo ao mesmo nível. Há mediocridade na televisão, na política, nos negócios... É o reflexo de um estado de espírito mais geral. Quando nos dizem que ajeitámos as estatísticas para dissimular a dívida pública, é verdade. Mas a manha e a mentira fazem parte da tradição grega. Foi com manha que os gregos entraram em Troia e que Zeus abusou Europa...
Porque é que os gregos desconfiam tanto do Estado?
O sonho de qualquer família grega era que os seus filhos entrassem na função pública. A desconfiança dos gregos em relação ao Estado é a mesma que têm em relação a si próprios, porque se conhecem bem. No que diz respeito aos impostos, em Atenas todos sabem que quando se fala de um controle fiscal, o objectivo é um acordo com o inspector, mediante um envelope por baixo da mesa. É o sistema!
Como encara as críticas contra a Grécia?
 A arrogância dos grandes países é insuportável. Até parece que Sarkozy considera Papandreu um dos seus governadores civis...Trata-se de atitudes que só contribuem para alimentar o nacionalismo. A ideia de uma degradação da identidade está a ganhar adeptos e é uma aberração, porque a Europa faz parte da cultura grega. É difícil exigir à Grécia que seja razoável, quando os gregos estão espartilhados entre duas culturas opostas: uma cultura clássica de grande liberdade intelectual e uma cultura oriental, dogmática, que é a da igreja ortodoxa.
A igreja poderá vir a ajudar a Grécia?
Pode se quiser, porque é riquíssima. Apoiou todas as ditaduras que o país conheceu e até as benzeu. Actualmente poderia redourar o seu brasão, ajudando a Grécia. Mas desde a época bizantina que está habituada a receber e não a dar. É simultaneamente o maior proprietário fundiário e a maior empresa do país. O conselho de administração do Banco da Grécia é presidido pelo Primaz da igreja grega, porque estão entre os principais accionistas. De resto, a igreja gere muito melhor a sua fortuna do que o Estado as suas finanças.
Não haverá duas Grécias, a das ilhas, que está menos mal, e a Grécia que sofre, a dos funcionários, dos pensionistas, dos estudantes?
As receitas turísticas ajudam a viver menos mal nalgumas regiões, mas não no país inteiro. Nos grandes centros turísticos, é claro que há muito dinheiro. Mas a receitas de Delfos, Santorini ou Miconos não chegam a todo o lado. A Grécia é um país de montanhas. Tem tantas como a Suiça. Mas é a Grécia. É a Suiça sem a indústria de relojoaria.
A solidariedade entre gerações,  que se acentua devido à crise, tem efeitos perversos. Os mais novos voltam a viver com os pais. A influência negativa da família vai-se agravar com a nostalgia da época em que a Grécia era muito pobre, todos viviam em conjunto e dividia-se a malga de leite com o vizinho...
Actualmente há uma tendência para o egoísmo, que é preciso anular. O próximo primeiro-ministro grego vai navegar à vista, num barco como o de Ulisses. Gostaria que o amarrassem ao mastro, para que não siga a sereias que incitam a Grécia a isolar-se. No passado, de cada vez que o fez, a situação tornou-se ainda pior que a catástrofe que pretendia evitar.


Entrevista conduzida por Alain Beuve-Méry, Le Monde, 11/11/11, página 2
Tradução de António Rebelo