Na sequência de "Ao Paiva as culpas do Paiva", impõe-se apresentar pelo menos um caso concreto, que permita ver, claramente visto, como experiências pessoais colhidas lá longe proporcionam resultados bem mais proveitosos. Para isso, vamos recuar até aos anos 60 do século passado.
Tomar era então uma cidade onde se vivia bem, para os padrões médios da época. Tinha um comércio florescente, tinha alguma indústria, e era o polo aglutinador da região norte do distrito de Santarém. Além do funcionalismo administrativo e da área da educação, tínhamos então aqui o Quartel General, o Regimento de Infantaria 15, o Hospital Militar, a Messe de Oficiais, o Posto Rádio Militar, a Banda de Música, a Fanfarra, a Cooperativa Militar e a Farmácia Militar. Éramos uma "cidade de guarnição", vivendo sobretudo do aparelho militar.
Enquanto isto, aqui ao lado, o nosso vizinho concelho de Ourém, não tinha qualquer unidade militar, não tinha tribunal, não tinha ensino secundário e dispunha apenas de um modestíssimo hospital, mal equipado. Era por isso um concelho paupérrimo, dos mais atrasados da região centro, e com população inferior ao de Tomar. A situação económica era tão grave que, empurrados pela miséria, milhares de citadinos e rurais, sobretudo rurais, de Espite, Olival, Caxarias, Gondemaria, Freixianda, etc., passaram a fronteira a salto e foram procurar trabalho em França, na Bélgica, na Suiça, na Alemanha ou no Luxemburgo.
Cerca de 45 anos mais tarde, a situação alterou-se completamente nestes dois concelhos. Em Tomar já só resta o Regimento de Infantaria 15, agora reduzido a pouco mais que um batalhão, tendo-se conseguido entretanto boas instalações para um hospital, bem como um Instituto Politécnico, cuja absorção pelo de Santarém ou de Leiria deve ser uma questão de meses. As indústrias tradicionais fecharam na sua maior parte e as novas são raras e modestas.
Em contrapartida, no concelho de Ourém, quase tudo mudou. De tal forma que, segundo os últimos elementos estatísticos, já ultrapassou Tomar em todos os indicadores significativos. Tem mais automóveis, mais telefones, mais telemóveis, mais empresas, paga mais IRS e mais IRC, tem menos desemprego e menos gente a viver do rendimento mínimo. Até já tem mais eleitores que o nosso concelho.
É por causa do Santuário de Fátima, dirão os habituais entendidos. Mas não é bem assim. Claro que Fátima tem a sua importância, até porque se trata de actividades que não estão dependentes do Orçamento de Estado, mas Vilar do Prazeres, Olival, Caxarias, Freixianda e algumas outras, têm em conjunto centenas de micro-empresas florescentes, sobretudo nas áreas da construção civil, do mobiliário e da metalo-mecânica. Tudo isto porque uma parte dos que foram expulsos pela fome e pela miséria, entretanto regressaram, com outra visão do mundo e da vida. Aprenderam a "desenmerdar-se", como eles próprios dizem. A fazerem a sua vida contando com as suas capacidades. Sem estarem à espera que os outros, ou o Estado, ou o Governo, ou a Câmara, ou a Junta, os ajudem, lhes arranjem casa, ou emprego no funcionalismo. Fizeram sua a velha máxima cristã "Ajuda-te e Deus ajudar-te-á". Apenas pedem que os não atrapalhem com burocracias inúteis, com impostos exagerados, ou com exigências ridículas.
Exactamente a mentalidade inversa em relação à maioria dos tomarenses. Aqui cada qual pensa que só tem direitos, que não há obrigações nenhumas para com a comunidade. Julgam por isso ter direito ao alojamento, ao ensino gratuito, à saúde, ao emprego com direitos, à ocupação dos tempos livres, à cultura, às liberdades fundamentais e ao rendimento mínimo garantido. Tudo sem qualquer esforço ou contrapartida. Não interessa quem paga, ou que haja ou não recursos para tanto. São direitos adquiridos e não se fala mais nisso. Por isso Tomar já está como está e vai continuar a decair, se entretanto os tomarenses não mudarem.
Para agravar a situação, conforme já aqui foi escrito anteriormente, o analfabetismo em matéria de noções de economia é confrangedor. Tão acentuado que até impede muitos cidadãos, mesmo entre os eleitos e os militantes, partidários ou não, de perceber que não entendem a situação em que vivem. Daqui resulta que se candidatam ou, nalguns casos, exercem cargos políticos para os quais não têm qualquer capacidade, o que nas actuais circunstâcias pode vir a ser trágico para todos nós. É quase como irmos num autocarro a grande velocidade, com um motorista que não vê grande coisa...
Se ainda havia dúvidas a este respeito, dissiparam-se com uma notícia dada hoje nos jornais televisivos -De acordo com o Eurostat, o organismo europeu da estatística, num inquérito no âmbito dos 15 países que usam o euro, apurou-se que os portugueses são os mais descontentes com a moeda única. 62% dos interrogados, quase dois em cada três, afirmaram que com o escudo estaríamos mais protegidos contra a actual crise económica. Santa ignorância!!! Quando todos os indicadores disponíveis mostram exactamente o contrário, 62 em cada 100 portugueses ainda pensam que com o escudo é que era. Sete anos volvidos sobre a adopção da moeda única! Numa altura em que a Islândia, a Hungria, a Estónia ou a Polónia estão sob perfusão do FMI, com nós estivemos no século passado, precisamente por não fazerem parte da zona euro. Numa conjuntura em que, mesmo na zona euro, fazemos parte do grupo dos países muito doentes, em conjunto com a Irlanda, a Espanha, a Itália e a Grécia...
Não há pior cego que aquele que não quer ver, nem pior surdo que aquele que não quer ouvir. Por isso direi como a fadista -Cantarei até que a voz me doa!