quarta-feira, 15 de abril de 2009

SOBRE IMPRENSA DE QUALIDADE

Há no jornalismo local, como de resto em todo o país, a ideia segundo a qual qualquer crítica visa simplesmente o "bota abaixo". Esta ideia é errada. Pelo menos no caso deste blogue, o que se pretende é exactamente o contrário. Que a imprensa local ganhe nervo, conteúdo e actualidade, em conformidade com a triste realidade local, cuja responsabilidade certamente que não é só de quem ocupa, de forma mais ou menos transitória, a cadeira do poder nos Paços do Concelho.
Ao invés de contra-argumentarem, assoberbados com as tarefas quotidianas e com a demasiado lenta elaboração das matérias a publicar, os periodistas nabantinos escudam-se, regra geral, em duas posições já crónicas. Os mais conservadores fazem de conta que não leram nem ouviram dizer nada, e continuam a laborar como de costume, enquanto vão assobiando para o lado. Os mais atirados para a frente, pelo menos em teoria, pouco versados nos arcanos do modo de estar tomarense, exibem por escrito a sua incontida indignação, de forma mais ou menos frontal e educada, consoante aquele que julgam ser o contraditor.
Perante tal situação, que explica muita coisa, resta avançar alternadamente com argumentação e contra-argumentação. Assim como quem joga xadrês de ambos os lados do tabuleiro, à falta de parceiro disponível.
Na edição de ontem do Público, o filósofo Desidério Murcho (o apelido não corresponde minimamente ao estilo de escrita), habitual comentador daquele diário de referência com a secção "Pensar outra vez", inseriu uma peça intitulada Realidades Desagradáveis, que passamos a transcrever na íntegra. É um bocadinho longo mas, se a nossa opinião vale alguma coisa, achamos que vale a pena perder tempo a ler.
"Orwell declarou no famoso ensaio Porque escrevo (1946) que tinha uma "capacidade para enfrentar factos desagradáveis", e esta capacidade é hoje muito rara -especialmente quando ninguém sabe o que fazer para resolver os problemas que resultam de uma realidade que gostaríamos que não existisse.
É o que acontece quando se fala de informação de qualidade, criticando os jornais e as televisões por prestarem um mau serviço: raramente se quer ver a realidade -porque é demasiado desagradável. E a realidade é que a maior parte da humanidade não tem qualquer interesse em informação de qualidade; mas tem muito interesse em palermices frívolas. Por isso, os jornais como o PÚBLICO constituem uma luta perdida à partida para tentar enfiar alguma notícia de qualidade no meio das palermices frívolas -porque são estas últimas que permitem vender o jornal. Se o jornal fosse apenas constituído por notícias de qualidade, o número de pessoas que o comprariam seria tão reduzido que não seria economicamente viável.
Poucas pessoas se dão ao trabalho de pensar como será que se financia a informação de qualidade, porque a resposta é demasiado desagradável: com publicidade. Publicidade a produtos que são mais caros para que as empresas possam anunciá-los nos jornais, que por isso são mais baratos. Ora, a publicidade vive do número bruto de pessoas: um jornal exclusivamente de qualidade quase não teria leitores e por isso não teria publicidade e por não ter publicidade não seria economicamente viável.
Muita gente bate no peito a reivindicar informação de qualidade nos jornais e nas televisões, mas isso é pura hipocrisia: caso houvesse realmente um grande número de pessoas que preferissem a informação de qualidade à informação carnavalesca do costume -imprecisa, sensacionalista, cheia de meias mentiras- seria um suicídio económico os jornais, revistas e televisões preterirem a primeira a favor da segunda. A verdade é que as pessoas mentem quase todas a si mesmas. Preferem palermices frívolas mas dizem-se adeptas da cultura e da informação de qualidade, dos livros de qualidade e das artes. Contudo, estas mentiras desfazem-se no ácido da verdade que é a vida económica.
Quando surgiu a Internet nasceu uma esperança: porque é mais barato fazer um jornal na Internet do que em papel, tal como é mais barato fazer jornalismo escrito do que televisivo, houve a esperança de surgir na Internet informação profissional de alta qualidade. A esperança morreu cedo porque cedo a Internet se tornou exactamente como a televisão aberta: é gratuita, vive da publicidade, e isso significa que precisa de se encher de palermices frívolas para ser economicamente viável. A única alternativa é o amadorismo -o Vilaça vai para o computador deixar umas postas-, mas isto é apenas uma extensão do disse que disse que se encontra nos bares e não constitui um padrão de qualidade.
Estas realidades são desagradáveis. Mas se nos recusarmos a pensar nelas jamais encontraremos soluções adequadas."
Como sempre acontece, o pessoal aqui do blogue já tem uma ideia de contra-contra-argumentação na calha. Mas primeiro parece ser importante ler o que a outra parte interessada , a imprensa local e a blogosfera tomarense, tem para dizer. Boa leitura e boa escrita, é o que se deseja!

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