sexta-feira, 4 de junho de 2010

REMÉDIOS DOLOROSOS

Total de funcionários públicos no nosso país, em milhares, entre 1979 (372 mil) e 2009 (675 mil)

Com título supra, publicou a revista francesa L'EXPRESS (650 mil exemplares por semana), uma reportagem sobre a actual situação portuguesa, assinada por Axel Guildén. Com a devida vénia e os nossos agradecimentos, publicamos a seguir a "tradaptação" desse trabalho jornalístico.

"Nunca é agradável quando nos apelidam de porcos. Mas é essa a ofensa que fazem nos dias que correm aos portugueses, cujo país -mais conhecido internacionalmente pelos seus pratos de bacalhau- é sistematicamente associado ao acrónimo inglês PIGS = Portugal, Itália, Grécia, Spain (Espanha). Porcos, portanto. Para variar um pouco, os países europeus com as finanças geralmente mais desiquilibradas, são também designados por alguns analistas como "países do clube Med" (alusão a um conhecido clube de férias francês, com dezenas de aldeias de férias espalhadas pelo Mundo, uma das quais em Pedras d'El-Rei -Algarve). "Sobre temas tão sérios, deviam evitar a difusão de tais preconceitos, refere com alguma irritação o deputado e ex-ministro José Lelo, responsável pelas questões internacionais no Partido Socialista. Não é porque somos um país com muito sol que nos sentamos à sombra da bananeira. Pelo contrário, desde há cinco anos que o governo socialista vem procurando reduzir as despesas do Estado", acrescentou o mesmo parlamentar.
É verdade. Desde 2005, o total de funcionários públicos passou de 750 para 675 mil. Mas foi insuficiente. Em 2009 o défice atingiu o record de 9,4% do PIB. Por isso se tornou indispensável um plano de austeridade sem precedentes, anunciado no passado dia 14 por José Sócrates. Objectivos principais: Restaurar a cedibilidade internacional do País...e reduzir o défice em 5 pontos até ao final de 2011. Um desafio considerável. Nunca até agora os portugueses foram forçados a apertar tanto o cinto. Mesmo a política de rigor do governo socialista de Mário Soares, levada a cabo a partir de 1983, sob a estrita vigilância do FMI -que na altura se instalou em Lisboa- foi apesar de tudo menos severa.
Na prática, os grandes projectos de obras públicas, como o novo aeroporto de Lisboa ou a 3ª travessia do Tejo, vão ser congelados. O imposto sobre as mais-valias vai aumentar 2,5%, enquanto o IRS aumentrá 1%, ou 1,5% para os rendimentos mais altos. A função pública perderá mais 73 mil lugares até 2011 e os subsídios sociais serão reduzidos. Quanto ao IVA, todas as taxas serão aumentadas em 1%, incluindo sobre os produtos essenciais.
"É um programa injusto e violento, porque atinge sobretudo os pobres e os reformados", disse-nos, indignado, Carvalho da Silva, secretário-geral da CGTP, que organizará uma manifestação nacional de protesto no dia 29 de Maio. De facto, os mais vulneráveis serão duplamente atingidos: pelo aumento do IVA sobre os bens básicos e pela retenção salarial na fonte de mais 1%. É grave, num país em que o ordenado mínimo é de 475 euros e os pobres são às centenas de milhares.
Assim, um milhão de pessoas idosas vivem com 300 euros mensais, enquanto dois milhões de portugueses ganham menos de 420 euros mensais. Os 17 Bancos Alimentares contra a fome, entre os quais o de Lisboa, que é o maior de Portugal e o mais importante da Europa, alimentam diariamente 285 mil pessoas necessitadas, o que corresponde a 2,5% da população.
"A pobreza sempre foi muita em Portugal, declara Isabel Jonet, presidente da federação dos referidos bancos. Porém, acrescenta, desde há dois anos que se observa um novo fenómeno. Cada vez mais pessoas que estão empregadas mas não conseguem pagar as prestações da casa ou os créditos ao consumo, vêm pedir-nos ajuda."
Risco de explosão social? "Os portugueses não são os gregos, referiu-nos um diplomata europeu colocado em Lisboa. Aqui não existe tradição anarquista e os conflitos sociais são sempre pacíficos. Segundo me disseram, parece que aquando da revolução dos cravos, que provocou a queda do regime de Salazar, os blindados paravam nos semáforos!"
Nota-se o conformismo, como se os portugueses aceitassem desde há muito a necessidade de "emagrecer o mamute". Logo que chegou ao poder, em 2005, José Sócrates lançou um ambicioso programa de reorganização do Estado, destinado a modernizar a arcaica função pública. Em 5 anos, 75 mil lugares e 187 organismos públicos, ou mistos, (num total de 568), foram suprimidos. Uma pequena revolução cultural foi desencadeada com a abertura das Lojas do Cidadão, onde foram agrupados os serviços de cerca de 40 administrações diferentes: impostos, telefone, electricidade, seguros, segurança social, serviços de emprego, ajuda à criação de micro-empresas, etc.
"Coisas que antes demoravam duas ou três semanas, resolvem-se agora em dois ou três dias", garante-nos Luís Bento, um dos teóricos da reforma do Estado. O IRS pode agora ser entregue pela internet e os novos cartões do cidadão, que são ao mesmo tempo bilhete de identidade, identificação fiscal ou cartão de utente (e talvez, dentro em breve, cartão de eleitor) vieram substituir os clássicos bilhetes de identidade.
Para os funcionários públicos, a factura da reorganização do Estado vai ser elevada. "Começámos por aplicar a regra de uma contratação para substituir cada duas saídas, diz-nos Luís Bento, mas foi insuficiente. Agora teremos de passar a 1 por cada 5, e até se calhar 1 novo funcionário por cada dez que passam à reforma."
Esta autêntica terapia de choque é acompanhada pelo desmantelamento do estatuto dos funcionários e das vantagens adquiridas. Em pleno cento de Lisboa, o Liceu Camões -onde estudou Durão Barroso, o actual presidente da Comissão Europeia- 70 professores titulares, num total de 170, anteciparam recentemente a sua aposentação, para beneficiarem de condições mais vantajosas. Foram substituídos por professores contratados (ou eventuais), cujo estatuto, nitidamente mais precário, será doravante a norma. "Têm de concorrer todos os anos, para conseguirem um lugar em função das necessidades, sem qualquer garantia de estabilidade geográfica", lamenta João Jaime, director da escola supracitada.
No outro extremo da cidade, João Duque, presidente do Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG), declara-se pouco ou nada impressionado pelos esforços reformistas levados a cabo a partir de 2005. "São reformas cosméticas. Logo em 2007, Sócrates travou o seu programa para preparar a reeleição em 2009." Na sua opinião, o primeiro-ministro não é tão corajoso como José Rodriguez Zapatero, o seu homólogo espanhol, que acaba de reduzir em 5% os vencimentos de todos os funcionários. "É uma questão de cultura, acrescenta. Os espanhóis sempre foram mais radicais do que nós. Repare na colonização. Os espanhóis dizimavam os seus inimigos. Nós não. Repare nas corridas de toiros. Os espanhóis matam os toiros na arena. Nós não."
Entretanto, a oposição aproveita para espetar as suas garrochas no morrilho do governo. O PSD, de centro-direita, decidiu apoiar o pacote fiscal do governo, que é minoritário no parlamento desde as eleições de 2009. Mas trata-se de um mero acordo pontual, válido só até 2011. Para já, os sociais-democratas acabam de ultrapassar o PS nas intenções de voto e ameaçam provocar eleições antecipadas em 2012. Miguel Relvas, número 2 do PSD, disse-nos meio a sério, meio a brincar, "Se Sócrates aguentasse até 2013, seria uma verdadeira negação de todas as teorias conhecidas da ciência política."
Oposição preparada para a batalha eleitoral, fraco ou mesmo nulo potencial de crescimento económico, as núvens negras acumulam-se no horizonte. Previsão da mau tempo para os porcos."

Axel Gyldén, L'Express de 26/05/10
Nota prévia e tradaptação de António Rebelo

6 comentários:

Anónimo disse...

Professor António Rebelo:
Felicito-o pela divulgação deste artigo. Tão grande é a sua importância que o gravei. A classificação de PIGS é a que circula em todo o mndo económico-financeiro. É esta a imagem de Portugal no mundo.
Há muito que se defende na redução da Despesa do Estado:
- Despedimento de duzentos mil a trezentos mil Funcionários Públicos. O Dr. Miguel Cadilhe, e outros,chegaram a propor a venda de uma pequena parte das reservas de ouro para pagar as indemnizações de despedimento, por mútuo acordo... Este mútuo acordo volta a estar na ordem do dia.
- Redução significativa dos ordenados dos Funcionários públicos, que podia ir até aos cinquenta por cento, como na Estónia e em outros países da União Europeia.
- Redução das pensões de reforma do Estado, talvez para um terço. Quando a Drª. Ferreira Leite era Ministra das Finanças foi divulgado um estudo do seu Ministério em que se afirmava que os descontos para a Caixa Geral de Aposentações só cobriam um terço do valor das reformas pagas, o resto saía e sai dos Impostos, o que impede qualquer desenvolvimento do País.
Em paralelo, fala-se na União Europeia, que, no sector privado,os salários terão de baixar em vinte por cento.
Admite-se nos EUA e na UE que os gregos, os portugueses e os espanhóis, no espaço de um ano, poderão ter de saír do Euro, o que será catastrófico.
Neste momento, em Tomar, já há grandes superfícies a dificultar pagamentos com cartões de crédito. Isto tem a ver com as restrições ao crédito a nível nacional. Se considerarmos que há gente que só vive a crédito, fácilmente se conclui que muita gente, mesmo com emprego, entrará em insolvência.
O desemprego e a miséria vão aumentar significativamente, e não se sabe quando pararão. Temos o maior Banco Alimentar da Europa. Continuamos a ser os eternos pobres, e não aprendemos nada coma CEE. Como dizem os franceses, somos "les porc-au-gais", os porcos contentes.
Para isto mudar só com muito sofrimento.
O melhor que pode acontecer ao PS é saír do Governo, e ir para lá o PSD, que não tenha ilusões que isto não acaba em 2013, o que obrigará o PSD (ou outro) a medidas ainda mais duras.
Cumprimentos
SÉRGIO MARTINS

Anónimo disse...

1ªquestão: o maior aumento de func.públ.na história recente de Portugal foi em 1911/12 e em 1975/76. Em 1926 não foi preciso porque foi a tropa que segurou o regime.2ªquestão:é preciso que médicos e professores, por exemplo, tenham vínculo ao Estado?Não, se entendermos que tem direito a esses serviços quem os pode pagar e encomendar(era assim há 100 anos).3ªquestão:os que falam do monstro e governam-se dele, como o dr. cavaco das 3 reformas e 1 ordenado.Ou os que querem o dinheiro de impostos para subsidiar hospitais e escolas "privadas" ou empresas "privadas": estes são os func. públ. na clandestinidade!

Anónimo disse...

metodo rapido para reduzir func.púb.:despedir todos os que nos últimos 30 anos entraram por influencia do partido.Estes, ainda por cima, exigiam salário/categoria "condicente".Redução da despesa da SS:suspender todas as reformas de quem, continuando a trabalhar, acumula com novos vencimentos.Políticos ou ex-políticos incluidos.

Anónimo disse...

Há cem anos quem queria saúde, educação e bem-estar tinha de pagar, diz um comentário.
E as sociedades não evoluíram ? E o Estado Social e de Direito ? Até os americanos, que devem pouco à inteligência, querem um Estado Social.
Por que não voltar à escravatura e ao canibalismo ?
Há cem anos era assim, e ainda há escravatura no Sudão, na Mauritânia, em outros países de África, na Ásia, na América Latina, nos EUA, e em Espanha; aqui os escravos são, e serão cada vez mais, portugueses.
E se a Europa se desagregar podem ter certo que o futuro dos portugueses será serem dominados pelas "raças superiores", e depois ?

Anónimo disse...

Diz o Correio da Manhã e a Hertz que um só médico ganhou em nove meses, em 2009, no Hospital de Tomar - Cuidados Paliativos cento e quarenta mil euros (29 000 contos), como ?

Anónimo disse...

É aconselhável, no que concerne ao aumento de funcionários públicos, relacionar com outros dados e realidades novas.

- Após 74, o aumento de novos serviços para as populações é extraordinário (saúde, educação, etc), para além de novas e efetivas competencias transferidas para as autarquias que vão operar, elas sim, uma verdadeira revolução na prestação de serviços às comunidades, a exigir recrutamento de servidores públicos (há quem não aprecie esta designação..., outros nunca assumiram em plenitude esse desempenho e estatuto).

Joguemos com outros dados:

Governos de Cavaco Silva: 1985 - 1995
" de Guterres : OUT. 95 a ABR. 2002
Barroso/Santana (PSD) : 2002-2005
Governo J.Sócrates : 2005-2009

Convém ler e analisar aquele quadro com estes dados para concluirmos:
1 - O sistema partidário é responsável por este monstro
2 - Há uns mais responsáveis que outros.
3 - Houve quem ousasse reformar este regabofe, e vejam a gritaria que provocou.

No auge dos dinheiros da CEE/UE, podemos ver o que aconteceu.

Todos nós sabemos que os partidos, sem exceção, de 1980 a esta data se comportam como agências de emprego.

É por isso que recomendo a leitura da págima do Face Book, "Adesão massissa aos partidos políticos....", de que tomei conhecimento ontém no programa "O Expresso da Meia Noite".