terça-feira, 1 de junho de 2010

ACTUALIZAÇÃO DE UMA FÁBULA

É conhecida aquela piada da cigarra grávida que, quando interrogada por uma colega exclamou, com ar inocente: -Cigarros sem filtro, comadre! Pois por essa Europa fora há quem use as fábulas para fins mais úteis e profundos. O texto seguinte, publicado pelo FINANCIAL TIMES, é um pouco longo, mas merece bem o esforço dispendido na sua leitura atenta. Conquanto nunca mencione Portugal, os leitores não terão qualquer dificuldade para nos situar no lote das cigarras.
Se os alunos portugueses, a partir do 3º ciclo, pudessem trabalhar a partir desta abordagem, de certeza que ficariam bem mais informados na área da economia e da gestão. Aqui fica a ideia.

"UMA FÁBULA CONTEMPORÂNEA"

"Todos conhecemos a fábula "A cigarra e a Formiga". A preguiçosa cigarra canta durante o verão inteiro, enquanto a formiga poupa e armazena comida para o inverno. Quando chegam os dias frios, a cigarra vai pedir comida à formiga. A formiga recusa e a cigarra acaba por morrer de fome. Moral da história? A boa vida é a mãe da necessidade.
Nos nossos dias, as formigas são alemãs, chinesas e japonesas; as cigarras são americanas, inglesas, gregas, irlandesas e espanholas. As formigas produzem bens tentadores, que as cigarras desejam comprar. Por isso pedem àquelas se pretendem alguma contrapartida. "Não, respondem as formigas. Vocês não têm nada que nos interesse, excepto ralvez uma casa na praia. Portanto, vamos emprestar-vos dinheiro, para poderem comprar os nossos produtos e nós acumulamos fundos."
Cigarras e formigas ficam felizes. Naturalmente frugais e prudentes, as formigas depositam as receitas excedentárias em bancos supostamente seguros, os quais por sua vez emprestam esses fundas às cigarras. Assim, estas deixam de ter necessidade de produzir, uma vez que as formigas lhes fornecem a baixo preço tudo aquilo de que necessitam. Mas as formigas não lhes vendem nem alojamentos, nem centros comerciais, nem conjuntos de escritórios. São as cigarras que têm de os edificar. E até chegam a pedir às formigas para participarem nessas obras. Depois, as cigarras constatam que, com todo esse dinheiro que entra no país, os preços dos terrenos aumentam, o que as leva a pedir mais, para construir mais e gastar mais. Perante a prosperidade das colónias de cigarras, as formigas incitam os seus banqueiros a emprestarem-lhes ainda mais.
O formigueiro alemão situa-se muito perto de várias colónias de cigarras. "Queremos ser vossas amigas, dizem as formigas alemãs. Vamos todas utilizar a mesma moeda? Mas primeiro têm de nos prometer que doravante se vão portar sempre como formigas." As cigarras são então submetidas a um teste que consiste em portar-se à formiga durante alguns anos. Obedientes e disciplinadas, conseguem o acesso à moeda única.
Durante algum tempo, todos vivem muito felizes. Mas um dia, nas colónias de cigarras, o preço dos terrenos acaba por atingir o seu máximo, o que provoca naturalmente o nervosismo dos banqueiros das formigas, levando-os a reclamar a devolução dos empréstimos. As cigarras devedoras são assim obrigadas a vender, o que causa falências em série, paralisa as obras nas colónias de cigarras, acabando ao mesmo tempo com as compras pelas cigarras dos produtos das formigas. Os postos de trabalho começam então a diminuir, tanto nas colónias de cigarras como nos ninhos das formigas. E os défices orçamentais aprofundam-se de maneira abissal, sobretudo nas colónias de cigarras.
As formigas alemãs apercebem-se então que afinal as suas reservas de riquezas não valem grande coisa, dado que as cigarras não podem fornecer-lhes nada daquilo que desejariam, excepto casas baratas ao sol. Os bancos das formigas têm então de optar entre inscrever as más dívidas em lucros e perdas, ou convencer os governos das formigas a dar ainda mais dinheiro das formigas às colónias de cigarras.
Os governos das formigas optam pela segunda solução, a que se chama "fundo de salvamento". Ao mesmo tempo, solicitam aos governos das cigarras para aumentarem os impostos e diminuirem as despesas. Agora, dizem eles, é que vocês têm mesmo de se comportar como formigas, quer queiram, quer não. As colónias de cigarras entram então numa profunda recessão.
Mas as cigarras continuam a não poder fornecer às formigas os bens que estas pretendem adquirir, pela simples razão de que os não sabem produzir nas várias colónias. E como as cigarras deixaram de poder solicitar mais empréstimos, para com eles comprar produtos às formigas, começam a queixar-se que têm fome. As formigas alemãs decidem então anular as dívidas das cigarras, mas, sem terem em conta essa má experiência, continuam a vender os seus produtos noutras colónias, por troca com novas dívidas.
Acontece que existem outros ninhos de formigas por esse mundo fora. Particularmente na Ásia, há muitos. Um dos mais ricos, o Japão, é muito parecido com a Alemanha. O ninho chinês, embora muito mais extenso, é também muito mais pobre. Tanto um como o outro pretendem enriquecer, vendendo produtos baratos às cigarras e tornando-as assim devedoras. O ninho chinês até se dá ao luxo de fixar o câmbio internacional da sua moeda a um nível que garante os preços extremamente baixos dos seus produtos.
Felizmente para as formigas asiáticas, há uma imensa colónia de cigarras extremamnente laboriosas, chamada Estados Unidos da América. Na verdade é uma colónia de cigarras, uma vez que o seu lema é "In Shopping We Trust". Os ninhos asiáticos mantêm com os Estados Unidos uma relação semelhante à da Alemanha com os seus vizinhos. As formigas asiáticas acumulam montanhas de dívidas e as cigarras sentem-se ricas.
Há, porém, uma diferença. Quando a crise atinge os Estados Unidos, quando as cigarras deixam de pedir empréstimos, quando o défice orçamental explode, o governo não diz "A situação é perigosa, por isso devemos reduzir as despesas." Pelo contrário, proclama que devem gastar ainda mais, para que a economia possa continuar a funcionar. E o défice atinge proporções gigantescas.
A situação suscita o nervosismo dos asiáticos. O que leva o chefe do ninho chinês a dizer aos americanos: "Nós que somos vossos credores, insistimos que vocês deixem de pedir empréstimos, tal como fazem as cigarras europeias". Esta atitude desencadeia sonoras gargalhadas do chefe da colónia americana: "Nunca pedimos para nos emprestarem esse dinheiro! Até chegámos a dizer que era uma loucura. Pretendemos simplesmente que as cigarras americanas continuem a ter empregos. Caso não queiram emprestar-nos dinheiro, devem proceder ao aumento da taxa de câmbio da vossa moeda. Depois já poderemos produzir aquilo que antes vos comprávamos, pelo que deixaremos de necessitar do vosso crédito."
Assim, os Estados Unidos deram aos seus credores uma lição já velha:"Se dever 100 dólares ao seu banco, o problema é seu. Se lhe dever 100 milhões, o problema é do banco."
O chefe chinês recusa-se a reconhecer que a imensa montanha de dívidas americanas, que conseguiu acumular no seu ninho ao longo dos anos, nunca poderá ser-lhe reembolsado pelo seu valor nominal. Mas os chineses pretendem continuar a produzir bens baratos para os estrangeiros. A China resolve por isso comprar novas dívidas americanas. Alguns decénios mais tarde, dizem então aos americanos: "Agora queremos que nos forneçam produtos, que pagaremos com as vossas dívidas."
Nova gargalhada das cigarras americanas, que aproveitam logo para reduzir o montante da dívida. As formigas perdem as suas poupanças e algumas começam a morrer de fome. Moral desta história? Se pretende constituir uma riqueza sólida e durável, não empreste às cigarras."

Martin Wolf, Financial Times
Prólogo e tradaptação de António Rebelo para Tomar a dianteira, a partir da versão francesa de Gilles Berton.

5 comentários:

Anónimo disse...

Homem, nem como candidato a candidato fez alguma coisa de jeito. Não acha que os seus post`s são repetitivos e maçadores ? Acha que alguém vai mudar alguma coisa por causa dos escritos que por aqui verborreia ? Penso que é demasiado egocêntrico e julga ter mais qualidade do que a que realmente tem.

Vá-se divertindo com esta brincadeira, porque Thomar não pára.

Anónimo disse...

(continuação): um conflito armado será a saída "lógica" para tal contradição.Esqueceram-se de referir no texto que a economia foi a verdadeira origem de muitas guerras. Assim, para lá iremos se nada for feito.

Anónimo disse...

Para 23:58

Tem toda a razão! No caso da minha fracassada candidatura à candidatura, os outros comparsas foram de tal modo brilhantes que eu, como não tinha levado os óculos de sol, ceguei e foi o que se viu.Quanto às suas apreciações, resta-me repetir que os factos são sagrados, mas as opiniões são livres, aproveitando para colocar duas perguntas inocentes: ainda que fosse realmente verdade tudo o que diz a meu respeito, qual seria a utilidade prática deste seu escrito? Satisfazer o seu evidente sadismo latente? Vem mal guiado porque não sou masoquista.
Finalmente, concordo inteiramente consigo, como tomarense -Tomar não pára, porque já parou há muitos anos. E continua paralisada. O reumatismo mental não perdoa.
Saudações cordiais e escreva sempre. Mas melhore a qualidade argumentativa, se faz favor. E se puder, claro!

António Rebelo

Maria disse...

Amigo
A Fábula está lindamente modificada e vem mesmo na hora certa.
Gostei muito da comparação. Gosto do que escreve e concordo quase sempre.
O que eu, sinceramente abomino, são Anónimos. Nem coragem arranjam para assinar, nem imaginação para argumentar.
Solidária como sempre
Maria

Anónimo disse...

A fábula está bem adaptada e é oportuna, só que o autor não fala da cigarra portuguesa, ou será que já a inclui na Espanha ?

Um jornal de Tomar publica uma página sobre um sondagem que não tem qualquer crédito, por insuficiente, onde se dá realce ao aumento do número de portugueses e espanhóis que desejam a integração ibérica. O jornal defende essa integração ou critica-a ? Foi em Tomar que Filipe II se fez coroar Rei de Portugal...
Sobre o papel dos chineses na economia mundial e local vejam o artigo no Templário.
Manuel