José Mourinho e Pep Guardiola/Foto Claudio Álvarez/El País |
Para usar uma conhecida frase do saudoso capitão Salgueiro Maia, o post anterior mostra bem "o estado a que isto chegou". O que só surpreenderá quem nunca tenha andado por além-fronteiras, nem tenha acesso aos media estrangeiros. Todos os outros sabem bem qual a principal maleita deste país e desta terra nabantina -muita conversa mas pouca obra e de fraca qualidade. Muita argumentação, mas bons resultados nicles. E num mundo que muda cada vez mais aceleradamente, ou sim ou sopas, ou cuco ou moucho, ou coisas ou sais de cima, dando lugar a outros. No desporto, na indústria, no comércio ou nos serviços, só os resultados contam. Bons resultados. Qualidade, rapidez, eficácia, simpatia, êxito, é afinal aquilo que todos buscamos. Daí que por uma vez ouse entrar num mundo que me é estranho -o do futebol profissional.
Faço-o porque Mourinho é, julgo eu, o melhor exemplo de um homem que se preocupa sobretudo com os resultados a alcançar e com os meios para lá chegar. Tudo o que ele diz ou faz, visa exclusivamente essas duas metas.
Há quem diga que tem tido muita sorte, que as equipas por ele dirigidas não brilham, que ganhar assim afinal até pode ser fácil. Para que os leitores possam construir a sua própria opinião, segue-se a tradução integral do artigo assinado por Diego Torres, no EL PAÍS de 25/04/2011, páginas 37/38, naturalmente com a devida vénia.
PODER ABSOLUTO
A conquista da Taça do Rei frente ao Barça foi mais um passo de Mourinho, na sua luta para dirigir o Real Madrid em todos os aspectos, submeter os jogadores e mandar mais do que o presidente.
"No regresso a Madrid, José Murinho passeou-se no corredor do avião, com o peito inchado e com um tímido sorriso de satisfação. Na passada quinta-feira, já de madrugada, o técnico do Real Madrid acabava de levar a equipa à conquista da Taça do Rei, o primeiro título do clube nos últimos três anos. No aeroporto de Valência, os seus jogadores olhavam-no atentamente, enquanto afirmava, categórico, "Isto é futebol! Isto é futebol!"
Ao mesmo tempo, os seus ajudantes iam resumindo entre os membros da caravana madrilista a ideia concebida pelo seu líder. -Em certa medida, o Barça é uma invenção da imprensa. Em termos de competição, não é realmente uma equipa confiável.
Desde uma semana antes que Mourinho bombardeava a equipa com slogans destinados a convencer todos os seus jogadores de que a posse de bola não era necessária. Que evitar o jogo complicado no meio-campo era essencial para superar a primeira linha de pressão azulgrená.
Chutem para a frente! repetia.
Para ele, esse pontapé longo em profundidade, mais ou menos expedito, era a solução final. O instrumento definitivo para pôr a nu as carências do adversário, acabando com a sua hegemonia. Assim, antes da final no Mestalla, em Valência, durante as suas numerosas palestras tácticas, tanto colectivas como individuais, foi repetindo a expressão com esse tom místico que emprega nas suas intervenções: A despachar! Pontapé longo!
Mourinho sabia que estava a tentar passar uma mensagem ao arrepio da cultura vigente. Sabia que o seu plano de acção encontraria resistências na maior parte dos seus jogadores, gente orgulhosa, educada em campeonatos onde predomina a velha crença segundo a qual os grandes jogadores devem procurar ter a iniciativa mediante a posse de bola, porque esta é a chave do êxito. Por isso, logo depois de erguer a Taça do Rei, esforçou-se para lhes recordar a todos que ele tinha razão. Que há outras maneiras de jogar. E que os que se limitam a despachar bolas merecem ser considerados honrados jogadores de futebol.
Os seus jogadores insistem que, tacticamente, Mourinho não lhes ensinou nada de novo. Não é um Sacchi nem um Guardiola, dizem, porque para pôr uma equipa a funcionar com o esférico é preciso tempo e ele prometeu resultados imediatos. Asseguram que é extremamente minucioso na confecção do esquema defensivo, mas que, uma vez recuperada a bola, as suas consignas são algo limitadas contra equipas que se fecham atrás. Mas dão-lhe muito valor, antes de mais pelo seu método muito avançado de preparação física, sempre com a bola, com adaptações às circunstâncias naturais do jogo. Vem logo a seguir a sua intuição para detectar os pontos fracos do adversário e propor soluções fáceis para os aproveitar. Em terceiro lugar, gabam a sua capacidade para convencer as pessoas a empenharem-se nos seus objectivo, a troco de protecção. É neste aspecto que Mourinho usa grande parte da sua energia mental. É a vertente propagandística da sua obra. Para a completar, tem necessidade de exercer também as funções de director de comunicação "de facto" e de manager. À excepção de Casillas, nenhum jogador do Real Madrid presta declarações sem a sua autorização prévia.
Sabedor de que os futebolistas se tornam bastante mais receptivos quando sabem que quem lhes fala controla as suas carreiras, o técnico acumulou poder. Desde que chegou a Madrid, Mourinho tem vindo a conquistar prerrogativas que até então sempre foram exclusivas dos presidentes. Começou por pedir a renovação do contrato de Pepe. Não foi ouvido. Reclamou a contratação de Hugo Almeida. Foi ignorado. Após o 5/0 em Camp Nou, começou a dar mostras de alguma ansiedade. Em 19 de Dezembro, aquando da ida a Sevilha, provocou uma crise. Antes de denunciar perante a imprensa uma conspiração da arbitragem, com dados escritos na mão -aproveitando a presença de um dirigente do clube no balneário- encenou um perda de auto-controlo perante os jogadores. -Vocês dizem que este é um senhor clube e afinal é uma merda! Estou-me cagando para o senhorio! E agora ide dizer ao presidente! Vou de férias e se querem mudar, aproveitam que eu já não voltarei!
Ofendido, o presidente Florentino Perez encarou a possibilidade de o destituir. No dia seguinte, durante a refeição de Natal, pegou no microfone e mandou-lhe um raspanete em código.
-Há aqui pessoas que se julgam competentes para qualquer empresa. Não se dão conta de que o Real Madrid é a maior delas todas. Nem todos são capazes de a dirigir. A pressão que aqui se sofre não é para toda a gente. Alguns enlouquecem.
Em vez de se acalmar, na primeira reunião privada que teve com o presidente, Mourinho fê-lo sentir a pressão que antes fora invocada: -Nem eu sou o treinador que o senhor esperava, nem o senhor é o presidente que eu julgava.
Temendo vir a completar outra temporada sem títulos e convencido pelas sondagens do prestígio de Mourinho entre os adeptos, que o consideram um ídolo, o presidente acabou por ceder e contratou Adebayor. Logo a seguir, antes do derbi, Mourinho reuniu o plantel e anunciou a sua estratégia: -Não sou hipócrita. No final da temporada, ou sai o Valdano ou saio eu. Nem o posso ver. Se ficar, salvo no marketing e no básquete, serei eu o principal responsável pela gestão desportiva. São vocês que têm a chave. Se conseguirem um título, eu fico e o Valdano vai-se embora. Se perderem, ele fica e eu vou-me embora. Daqui para a frente vou observar quem está com a equipa e quem não está.
Os líderes do balneário sentiram-se apertados. Numa reunião, um deles até chegou a dizer em voz alta: Joga com a nossa vontade. Transforma-nos em seus cúmplices. Se corremos e conseguimos títulos, dirá ao presidente que estamos com ele e contra Valdano. Se temos um dia mau, passamos a ser seus inimigos.
Após vários anos sem ganhar títulos, convencidos pela necessidade de salvar os contratos e o prestigio, os jogadores, cheios de medo, limitaram-se a cumprir as ordens do treinador. A Taça do Rei, conquistada no Mestalla, em Valência, foi o primeiro troféu no historial de Florentino Perez desde 2003. Significou também o triunfo do treinador a todos os níveis. O poder absoluto para José Mourinho."
Nota final
Dizem os beirões que nunca viram um castanheiro dar nêsperas, mesmo enxertado. Dizem os alentejanos que quem quer bolota -trepa, mas que até há quem goste de pão com ranho. Diziam os latinos "Res non verba" = Actos, não palavras! Saúdo os bons entendedores...
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