"Desde 1974 que voto no Partido Socialista. Por isso me entristece o que lhe tem acontecido. Ao longo dos últimos seis anos de governação, o primeiro-ministro teve uma única ideia, o "plano tecnológico", e até essa é um disparate. Além disso, mentiu, mentiu, mentiu e voltou a mentir.
Não se pense que foi uma doutrina que me empurrou para a esquerda. A proeza ficou a dever-se ao comportamento da direita nacional. O Portugal dos anos 1950 era de tal forma desigualitário que me era impossível aceitar pacificamente a minha posição social. Os adultos podiam -e tentaram- explicar-me que "pobres sempre os teríamos entre nós", lição que nunca me entrou na alma. Os amigos de infância ainda me consideram "comunista", enquanto os colegas universitários pensam que sou "reaccionária". Os primeiros porque me preocupo com as desigualdades sociais, os segundos porque valorizo o mérito.
O meu país deu muitas voltas e eu com ele. Deixei de pensar que o capitalismo era um mau sistema, admitindo ser uma forma de organização económica compatível com regimes diversos -basta olhar os EUA e a China- mas tal não me aproximou da direita. É a Adam Smith que recorro para explicitar aquilo em que acredito: "Nenhuma sociedade pode florescer e ser feliz se a grande maioria dos seus membros forem pobres e miseráveis". Se abomino que o Estado se meta na minha vida, considero todavia que tem um papel a desempenhar.
De todos os objectivos a incluir num programa socialista, a redução das desigualdades sociais deveria ser prioritária. Mas enunciá-la não basta; é preciso tomar medidas. Há dias, li um documento delirante, aprovado em Conselho de Ministros a 20 de Março, intitulado "Portugal 2020 - Programa Nacional de Reformas". Numa terminologia que me abstenho de qualificar, diz-se que, até 2020, a meta é fazer com que o número de pobres diminua em 200 mil. Depois, afirma-se que, nos cinco anos após 2004, se reduziu "o risco de pobreza" de 20,4% para 17,9% da população. Uns dias depois, o Presidente da República corrigiu o engº Sócrates: afinal a segunda percentagem seria de 26%. Em suma, ninguém sabe sabe o que se passa.
No ambiente de cinismo em que vivemos, parece ingénuo afirmar que vale a pena lutar por uma sociedade mais justa. O amoralismo dos anos 1990 congelou o pensamento de esquerda, tornando-o incapaz de criticar a direita. E, no entanto, a denúncia não é difícil. Os governantes que acreditam religiosamente no mercado, que afirmam que os pobres apenas existem porque não querem trabalhar, que exaltam a ganância como valor supremo, estão a minar a coesão das sociedades.
Há espaço para uma esquerda, mas não com o engº Sócrates. Mesmo que sofra uma derrota nas próximas eleições, duvido que se demita de secretário-geral. Isto não tem impedido os jornais de imaginar quem lhe poderia suceder. Os três nomes mais citados são os de Seguro, Costa e Assis. Surpreende-me que ninguém tenha pensado em Jaime Gama. Não tem carisma e não é amado pelo aparelho, mas tem um passado de democrata, espessura intelectual e uma honestidade à prova de bala."
Nota final
Por mim prefiro Carrilho, que é francófono, francófilo, e andou pela Universidade de Paris, como eu.
Entretanto, noutro continente, José Mujica, presidente da República do Uruguai, antigo guerrilheiro Tupamaro, que esteve preso 15 anos e foi torturado, questionado pelo diário espanhol EL PAÍS sobre o seu actual posicionamento ideológico, foi lapidar: "Sigo sendo socialista. Mas a experiência ensinou-me que não é possível implementar o socialismo num país de semi-analfabetos."
E ainda há quem diga que os políticos não aprendem nada. Depende dos políticos! Nós temos tido pouca sorte. Assim vamos fingindo que vivemos...
2 comentários:
(Maria Filomena Mónica, Socióloga, Historiadora, Filósofa, Professora, Jornalista, Comentadora em Televisões, repete:
"..MENTIU, MENTIU, MENTIU E VOLTA A MENTIR".
"Só teve uma ideia: "PLANO TECNOLÒGICO" E vejam bem, "ATÉ ESSA É UM DISPARATE"
(Não esperem dela justificações, que a intenção é outra)
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No início do artigo perspetiva-se um ataque cerrado ao P.Ministro, podemos até vaticinar um final com apelo à sua decapitação. Veremos que não é bem assim.
Mais umas linhas e surge-nos a ideia de que MFM tenta uma auto-biografia política. Nada disso.
À medida que vamos comendo linhas dissipam-se dúvidas: o artigo é um rol de Adendas e Erratas (e respetivas justificações) ao seu currículo político tendo em vista a sua anexação, por quem de direito, ao SEU "Application" sempre em aberto.... , tarefa rotineira obrigatória, sempre que se perfilam novos inquilinos do poder.
Vejamos então.
As crianças do seu tempo achavam que ela era "comunista" (Errata); colegas universitários chamavam-lhe reacionária por "defender o mérito" (Adenda):levanta a magna questão do HAVER OU NÃO HAVER POBRES EM TODAS AS SOCIEDADES DO PASSADO E DO FUTURO, para o que recorre a seus pais, a Adam Smith, ao exemplo da China, etc, contemporizando com o Bom Burguês, a bonomia do capitalismo financeiro int'l e nacional, a exploração do homem pelo homem, a grande propriedade privada, etc. (Adenda).
Para MFM as contradições sociais resumem-se a uma questão de egoísmo, que é preciso ultrapassar, claro está, INDIVIDUALMENTE. e isso só está ao alcance dos privilegiados resolver, porque as grandes massas pobres e exploradas não têm o direito de serem egoístas... MFM fez a sua parte.
MFM convida os cartolas a fazerem o mesmo, para o que disponibiliza seu exemplo pessoal: foi "EMPURRADA" para a esquerda por culpa da Direita Nacional dos anos 50 séc.passado, responsável pela situação "desigualitária", e não se pense que foi pela luta pela Liberdade, Democracia e fim da Ditadura: não se sentia bem com o seu estatuto de "privilegiada".
Uma Santa! Santa sim senhor, e esperamos que Belmiro, Amorim, Salgado e mesmo aqueles do BPN, BPP sejam sensibilizados por ela para se despojarem dos seus activos e pôr fim à nossa situação social "desigualitária".
Escreveu tudo isto para que conste.... E que não restem dúvidas sobre ela: não me tomem por apoiante de José Sócrates (ADENDA).
Lido o artigo e depois deste meu heróico esforço de análise... - sem dúvida uma aventura - deduzi:
José Sócrates é um HETERODOXO, o primeiro na política portuguesa pós Antigo Regime. Será por isso que o querem decapitar? Lembro-me muitas vezes do outro, também o primeiro: Prisciliano. O núcleo ideológico decapitador parece o mesmo, pois "ele" anda por aí...
É por isso que gosto do meu Zézito. A sua capacidade para derribar máscaras é impressionante!
Força "ZÉ" ! (plagiaram-me..?)
Temos tido pouca sorte? Temos a sorte que temos merecido. Escolhemos a nata da sarjeta e teimámos em repetir a escolha. Quer mais provas de que o marketing consegue vender pilecas disfarçadas de alazões.
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