No post anterior houve o cuidado de abordar a habitual e corriqueira desculpa dos políticos, que consiste em considerarem inimigos todos os que deles divergem, acrescentando que o fazem unicamente por ódio. Perante a resposta do Cantoneiro da Borda da Estrada, que mais não é, no fim de contas, do que um padrão largamente difundido no País, consistindo em substituir o raciocínio pela fé e o bom senso pela idolatria, a crónica seguinte, publicada na edição de hoje do EXRESSO, página 43, pode dizer-se que é ouro sobre azul. Ou que cai que nem sopa no mel.
PRECISAR DE ÓDIO
"O congresso do PS foi um show de ódio de um homem que conhece apenas a linguagem do conflito. José Sócrates tem um ódio que assusta. Sócrates precisa de odiar, precisa de criar conflito, mesmo quando isso implica deitar fogo ao país. O ódio que Sócrates sente contra outros portugueses (Cavaco, Passos, Portas, Louçã, os jornalistas, etc.) é superior ao seu -hipotético- amor por Portugal. Mas, atenção, Sócrates não veio do nada. Sócrates não é um OVNI na cultura portuguesa. Este Costa Cabral moderno não é a excepção violenta num país brando. Pelo contrário. Sócrates é o exemplo perfeito de uma cultura -a portuguesa- que gosta de odiar, que gosta de cultivar o ressentimento, e que por isso, despreza a cultura institucional do diálogo e do compromisso. Ou seja: ao contrário do que reza a lenda, Portugal não é um país de brandos costumes e a bruteza de Sócrates encaixa, na perfeição, nesta cultura pouco branda.
Não por acaso, enquanto apalpava a intolerância no congresso de Matosinhos, lembrei-me várias vezes do profeta desse Portugal violento, o Portugal que fica escondido no "Correio da Manhã", porque a imprensa de referência continua presa ao mito dos brandos costumes. Estou a falar de J. Rentes de Carvalho, o escritor português que é uma estrela na Holanda.
No grande romance português dos últimos anos, "A Amante Holandesa" (Quetzal), o transmontano Rentes de Carvalho traça um fresco notável da "aldeia" do interior do país. E qual é a grande pincelada desse fresco? De forma cirúrgica, este biógrafo de Portugal mostra que a capa de brandura não tem correlação com a bruteza dos costumes.
A tranquilidade da paisagem geográfica não se alarga à paisagem humana. Por causa de um curso de água, por causa de um rumor, por causa de um muro, o povo saca da navalha ou da caçadeira. Existe entre nós uma raiva sempre a latejar. Os portugueses têm uma "raiva que assusta". Uma raiva que, volta e meia, rebenta em ódio e violência. Mas o pior é que esta raiva é cultivada com gosto.
A cultura portuguesa gosta de cultivar o ressentimento. O ódio de português-para-português é a nossa moeda de troca. Por outras palavras, "A Amante Holandesa" é um retrato de um país onde as pessoas não conseguem confiar umas nas outras, porque o feitio retorcido, essa identidade nacional, vence a possibilidade de confiança. Nesta santa terra, até o vizinho (sobretudo o vizinho) é um inimigo em potência. Portugal é, enfim, uma pátria sem patriotismo, uma pátria sem patriotas. Rentes é o profeta de uma pátria de apátridas.
José Sócrates -que por acaso é transmontano- podia ser uma das personagens de "A Amante Holandesa". Sim, Sócrates tem mais dentes e uma vaga superioridade académica em relação aos lavradores de Rentes, mas partilha com eles o vício do ódio. No congresso do PS, o ressentimento escorria pelas paredes da Exponor. Estamos a falar de um ressentimento 2.0, devidamente filtrado pelo teleponto, mas não deixa de ser ressentimento. Portugal está nas mãos de estrangeiros, mas os socialistas apenas demonstraram interesse em odiar outros portugueses. Sócrates não veio do nada. A guerra civil é o estado natural de Portugal. A guerra civil é a casa dos portugueses."
1 comentário:
Agora o Rebelo já "usa" este guru da direita radical!!!!!!
Sinais dos tempos
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