terça-feira, 12 de janeiro de 2010

QUEM TEM MEDO POUPA

"Para além da sorte de poder descrever em directo um acontecimento histórico, os jornalistas de economia têm desde o início da crise uma outra satisfação. Quase uma vingança. São finalmente considerados entre os seus pares que trabalham noutros domínios muito mais nobres e prestigiados da profissão. As relações internacionais, por exemplo, são essenciais, bem entendido, uma vez que tudo é político, tudo é provavelmente ecológico mas, seguramente e definitivamente, tudo é económico. Incluindo as preocupações dos cidadãos. Americanos, chineses, russos, espanhóis, alemães, gregos, islandeses, dubaieses, para todos a economia também faz parte da mundialização. O pódio das chatices é o mesmo: 1º a economia, 2º a economia, 3º a economia.
Os franceses não constituem excepção. A sua primeira preocupação em 2010, de acordo com uma sondagem Harris Interactive/RTL, é o desemprego (69% dos interrogados). Seguem-se o aquecimento global (33%) e a ameaça terrorista (18%). Quanto às esperanças para o futuro, a retoma económica encabeça a lista, com 64% dos inquiridos -pobres infelizes que ainda não foram apanhados pelo crescimento negativo. Segue-se a subida do poder de compra -pobres infelizes que ainda não perceberam que doravante consumir é pecar. Seguem-se, lá muito para baixo, os problemas ecológicos, que antecedem uma hipotética vitória da França no Mundial de Futebol.
Podemos ver nesta hierarquia a confirmação deprimente de que o interesse pessoal leva a melhor em relação ao colectivo ou, pelo contrário, um sinal encorajador, como diriam os ingleses, de que a igreja é recolocada no centro da aldeia.
Afinal, os franceses consideram-se maioritariamente optimistas (60%) em relação a 2010. Optimistas mas cautelosos. Em 2009, a taxa de poupança das famílias aumentou dois pontos, atingindo 17% dos rendimentos, um nível nunca visto desde 1983. Prova suplementar de cautela, são os investimentos mais seguros (cadernetas de poupança e seguros de vida) os preferidos dos gauleses.
A primeira explicação é, naturalmente, o medo do desemprego, que incita a pôr dinheiro de lado, para a eventualidade de qualquer desgraça. Segunda pista, mais polémica, a acentuada subida da dívida pública, que poderá estar na origem desta poupança de precaução, fenómeno conhecido na ciência económica sob a designação de efeito Ricardo-Barro. Foi em 1974 que o economista americano Robert Barro publicou, no Journal of political economie, um artigo que provocou grande alarido: "Are government bonds net wealth ?"
Uma ofensiva vigorosa contra o activismo orçamental keynesiano, suposto estimular o consumo privado agravando os défices orçamentais.
Eis, muito resumidamente, o que escreveu Barro, retomando um tema esboçado por David Ricardo, no início do século XIX: os agentes económicos, que são racionais, antecipam que as despesas públicas, financiadas por empréstimos, implicarão mais tarde ou mais cedo aumentos de impostos. Assim, em vez de consumirem, aumentam a poupança para que eles próprios ou os seus descendentes (é o altruismo intergeracional) possam pagar os futuros impostos mais elevados. Nestas condições, os esforços governamentais para estimular o consumo das famílias graças aos empréstimos são neutralizados e as retomas keynesianas votadas ao fracasso. A dívida pública não pode permitir um crescimento da riqueza privada, pelo que não pode ter qualquer efeito positivo sobre o crescimento económico.
Desde que este teorema económico foi anunciado, há 36 anos, sucederam-se as controvérsias teóricas e as avaliações empíricas. Agora, com a crise dos "subprimes" e o seu carácter extremo, vamos talvez enfim saber um pouco mais sobre a sua validade. Entretanto, a poupança aumenta praticamente em todos os países industrializados. Nos Estados Unidos, a respectiva taxa passou de 0% na altura da falência de Lehman Brothers, para 7%, que é o nível mais alto desde há 15 anos. Na Inglaterra, saltou num ano de taxas negativas para 6%. Os franceses, estão por conseguinte muito acima, mesmo se bem longe dos chineses (50%), forçados a poupar para tudo: saúde, desemprego, reforma, etc.
De tudo isto podemos reforçar a ideia clássica de uma excepção francesa em termos de poupança, de uma França poupada e previdente, num mundo inconsequente, vivendo a crédito. Ideia realmente agradável, tendo todavia o inconveniente de não se confirmar nos períodos longos. A França alinha com os outros grandes países e os seus habitantes não são afinal mais formigas ou cigarras que os alemães ou os italianos. Porém, o mito da França do pé de meia é muito resistente. Até foi inculcado através dos manuais escolares, designadamente graças a uma figura simbólica -a de Sully, "mito do aforrador modelo", segundo a expressão do historiador Laurent Avezou, com os seus sucedâneos contemporâneos (Pinay, Balladur). Suprema consagração póstuma, o superintendente das finanças de Henri IV teve, a partir de 1939, o seu rosto nas notas de 100 francos.
No entanto, Michelet, observou que Sully foi sobretudo um homem de negócios modelo, "um restaurador admirável das finanças públicas, com uma extrema atenção para com as suas. Não, não roubou. Mas arranjou maneira de lhe darem muito". Muito antes de Ricardo e de Barro, Sully compreendeu as estreitas ligações entre as finanças públicas, a poupança e a criação das riquezas privadas."

Título original "La France a peur, la France épargne". Autor Pierre-Antoine DELHOMMAIS, Le Monde
Para eventuais contactos com o autor delhommais@lemonde.fr
Tradução e adaptação de António Rebelo
lidiarrebelo@gmail.com

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