sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Um hino à fraternidade

Jacques Attali, francês de religião judaica, nascido na Argélia, socialista, doutor em economia, diplomado de Politécnica (1º do seu curso), da Escola das Minas, de Sciences Po - Paris e da ENA, escreve sobre o seu amigo Gérad Depardieu, francês, católico, actor e viticultor, de direita.
É um texto denso e árduo. Cabecitas pouco dotadas, o melhor é abster-se.

Jacques Attali

Gérard Depardieu

"Gérard Depardieu, espelho dos franceses"

"Sou amigo de Gérad Depardieu. Há mais de vinte cinco anos. E continuarei a ser. Diga ele o que disser, faça o que fizer. É a minha concepção da amizade: irreversível, não depende das conveniências.
Falámos de tudo. Trabalhámos em conjunto, quando ele aceitou desempenhar, de forma magnífica, o papel principal numa das minhas peças, que eu nem sequer tinha ousado dar-lhe a ler, porque ele não pisara os palcos havia mais de quinze anos. Gérard é o exagero em pessoa. Detesta fronteiras, limites, proibições. Basta que lhe queiram proibir algo, para que imediatamente tenha um desejo irresístivel de o fazer. Gérard é mil pessoas. Todas as personagens que ele já desempenhou e cuja vida guarda em si. E também todos os papéis que ainda interpretará. É todas as vidas que já viveu. E que está a viver. Porque, não podendo viver mil vidas sucessivas, vive-as em simultâneo.
É por isso que o problema da sua nacionalidade não faz qualquer sentido. É, evidentemente, francês, mais do que qualquer outro, e bem melhor do que a maior parte daqueles que o criticam alguma vez serão. E continuará a sê-lo, quer queira, quer não. Mesmo que tente escapar a si próprio. Mesmo que adopte provisoriamente outro passaporte, belga, russo, azerbeijanês ou venezuelano. Porque não pode decidir nessa matéria. É um actor francês. Carrega com ele a música da língua francesa e de nenhuma outra. Não seria ninguém sem o cinema francês, portanto sem os contribuintes franceses, que o financiam largamente. É também agricultor-proprietário, empresário e comerciante.
Mas Gérard é também algo mais. Um cidadão do mundo, livre, provocador, curioso de tudo, inimigo da mediocridade, pelo que não suporta, sobretudo, que o classifiquem de "desgraçado" (minable), pois esta palavra é para ele o pior dos insultos. Faz pensar em minúsculo. Isso não. Ele não. E se o seu caso fascina tanto, se dele se fala nos media do mundo inteiro, é porque Gérard Depardieu é muito mais do que ele próprio. É o nome que hoje se dá dá ao mal-estar francês. E mesmo, mais largamente, ao mal-estar da condição humana.
É antes de mais o revelador de todo um povo incomodado consigo próprio: em França, os ricos estão descontentes porque dizem mal deles e os apontam ostensivamente. Os pobres também estão descontentes, porque estão desempregados ou ameaçados pelo desemprego. Todos pensam em emigrar e admiram portanto Gérard, que teve a coragem de o fazer. Ele é o que todos gostariam de ser: múltiplo, inclassificável, recusando qualquer hierarquia, ao mesmo tempo Gavroche e Jean Valjean. É igualmente, como a maior parte dos seres humanos, incapaz de se contentar com uma única vida. Tenta por isso dramaticamente viver várias vidas em simultâneo, tanto reais como virtuais. Gérard Depardieu é portanto também o nome que se pode dar à tragédia do ser humano, incapaz de escapar ao seu envelope carnal. E que, apesar de todos os subterfúgios, apesar do seu manifesto divertimento e do dos outros, sabe que continua a ser mortal. Como quase todos os que têm essa lucidez. Gérard detesta-se por se saber mortal. E acelera a chegada daquilo que teme, para não ter que a esperar.
É sobretudo isso que é necessário aprender com Gérard Depardieu. E é em relação a isso que devemos estar sempre de pé atrás: que o fascínio de todo um povo por um homem que o representa tão bem, não o leve a autodestruir-se."

Jacques Attali, L'Express, 09/01/2013, página 82
J@ATTALI.COM

1 comentário:

templario disse...

DE: Cantoneiro da Borda da Estrada

Depardieu é um excelente actor. Há muitos bons actores e até melhores que ele por todo o mundo. Pelos vistos é também grande empresário e estará podre de rico.

Usou a sua fama (e o seu poder mediático), pondo-se ao lado de um ascoroso e vil ditador.

À embriaguez do êxito- quiçá do génio -, prevaleceu a embriaguez da riqueza.