segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Autocarros, votos, equidade, livre concorrência e impostos

A questão da insólita cedência de um dos autocarros da autarquia ao União de Tomar foi tomada por alguns adeptos daquele clube como um ataque deliberado, tipo ofensa intolerável. Importa por isso detalhar a questão.
Antes de mais, por muito que possa desagradar a quem quer que seja, a liberdade de opinião é um dos direitos fundamentais, dos quais Tomar a dianteira jamais abdicará, facultando como é natural o direito de resposta, quando cabalmente identificado. Conquanto possa parecer muito simples e de pouca importância, a citada cedência, nas condições em que foi feita, ofende princípios básicos que a seguir se enumeram:
1 - A partir do momento em que o Município de Tomar doa um autocarro a uma determinada colectividade, para mais em conflito com o fisco, em virtude do princípio de igualdade perante a lei, todas as outras cento e tal agremiações existentes no concelho podem exigir idêntico tratamento. A câmara está em condições de fornecer dezenas de autocarros usados? Não? Então como tenciona garantir os direitos dos agora prejudicados? Será que o União de Tomar tem mais direitos que, por exemplo, o Sporting de Tomar, o Santa Cita, a Gualdim Pais ou o Ginásio Clube?
2 - A eventual argumentação de que o mesmo se destina ao transporte de crianças e jovens, pelo que só as instituições que com eles trabalham podem pretender a tratamento igual, não colhe. Com efeito, aquando da encomenda do novo autocarro, o executivo alegou que o antigo fora interditado para o transporte de crianças, por ter mais de 20 anos. O autocarro foi entretanto rejuvenescido? Nesse caso, o que levou o executivo, com uma dívida superior a 30 milhões de euros, a comprar um novo, em vez de mandar reparar o antigo? A doação já estava programada para o ano das autárquicas?
3 - É sabido que a autarquia cede habitualmente o autocarro a qualquer entidade e para qualquer percurso, por vezes mediante o pagamento do gasóleo e das eventuais horas extraordinárias ao motorista. Ao fazê-lo viola de modo grosseiro directivas europeias sobre concorrência. Há no país e fora dele empresas legalmente constituídas, cujo objecto é o transporte rodoviário e que pagam aos seus trabalhadores, bem como as licenças e os impostos exigidos. Neste contexto, como pode o Município, cujas funções nada têm a ver com transportes rodoviários de longa distância, ceder gratuitamente um autocarro, falseando assim sistematicamente a livre concorrência? Seria aceitável que a Rodoviária do Tejo, por exemplo, começasse a emitir, gratuitamente ou quase, alvarás de licença de obras?
4 - Acresce ao já enumerado o aspecto fiscal. Com efeito, as sucessivas cedências "gratuitas" do autocarro, na verdade custeadas pelo orçamento = contribuintes, fazem com que os utilizadores do referido meio de transporte fiquem isentos de IVA e os "transportistas" prejudicados inibidos de cobrar IVA, bem como de declarar IRC, uma vez que lhes foi retirado o trabalho remunerado a que tinham direito, em virtude da livre concorrência. Num Estado de direito com uma dívida pública superior a 120% do PIB, com um défice de 5% do PIB em 2012 e com altíssimos impostos directos e indirectos, será isto aceitável?
5 - Ao assim proceder, o Município de Tomar pratica uma pedagogia errada, pois inculca nos jovens e nos adultos a ideia de que se pode viajar sem pagar, desde que se saiba pedir e se disponha de conhecimentos bem situados. Por outras palavras, mais cruas mas também mais adequadas, dá a entender que é possível viver à custa dos outros = à mama. Será isto que se pretende?
6 - É óbvio que as sucessivas cedências do autocarro camarário não têm qualquer relação com filantropia ou outra forma de solidariedade social. Mais não são na verdade que meras tentativas de compra de votos, tal como sucede com as passeatas-comezainas-tintol-bailarico, à custa dos contribuintes. Será isto tolerável durante muito mais tempo?
7 - Por agora fica-se por aqui. Contudo, caso viesse a apurar-se que uma autarquia mandou construir um equipamento específico para a venda de bebidas alcoólicas num recinto desportivo onde evoluem jovens, seria naturalmente uma bronca a nível europeu, uma vez que o dito recinto foi parcialmente financiado pela UE...

1 comentário:

Virgilio Alves disse...

Relativamente aos pontos por si numerados, julgo que:

#1 Concordo plenamente.

#2 Idem.

#3 Não concordo, é dever das autarquias salvaguardar o interesse público, admitamos por exemplo, que um grupo representativo de cidadãos se pretende deslocar a Lisboa para tratar de assuntos respeitantes à defesa do município e da comunidade, é nesse vertente que a câmara deve emprestar um autocarro em detrimento da actuação privada. Uma coisa são passeios e similares, outra é o serviço público, no qual o transporte assume um carácter deveras importante, na coesão e no serviço à res publica.

#4 A função privada é adstrita às necessidades privadas, a função pública deve e tem que ser salvaguardada, de resto como referi no ponto anterior.

#5 Não concordo, o Estado deve incutir nas pessoas o sentido da utilidade pública e não o egoísmo individual. Não se trata de viver às custas de outros, trata-se de em razão de um bem nacional e comum, se providenciar a solidariedade a que de resto não é alheio o conceito de se viver em sociedade.

#6 Concordo, sim evidentemente trata-se disso. infelizmente.

#7 Devemos tratar todos os casos em função da sua gravidade e não em função do seu financiador, é assim que cada cidadão deve pensar e exigir da classe que os governa.

Cumps.