quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

O âmago da questão

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É consensual que só o crescimento económico permitirá aliviar as severas medidas de austeridade em vigor, reduzir o desemprego e ultrapassar a crise. O problema reside no facto de ninguém, nem mesmo os keynesianos, saber realmente como se pode provocar o dito crescimento. Eis a posição de Paul Krugman, professor em Princeton e Nobel de Economia em 2008.

"Acabou o crescimento económico?"

"A maior parte dos comentadores económicos que lemos na imprensa concentram-se no curto prazo: os efeitos do abismo fiscal sobre a recuperação dos Estados Unidos, as tensões do euro e a mais recente tentativa do Japão para ultrapassar a deflação. Esta atenção é compreensível, uma vez que a deflação pode vir a arruinar tudo um dia destes. Mas as nossas dificuldades actuais vão acabar com o tempo. Que sabemos realmente das perspectivas para uma prosperidade a longo prazo? A resposta é: menos do que aquilo que pensamos.
As projecções a longo prazo realizadas pelos organismos oficiais, como o Gabinete Orçamental do Congresso Americano, dão em geral por adquiridas duas coisas importantes. Uma é que o crescimento económico nas próximas décadas será semelhante ao das últimas décadas. Concretamente, prevê-se que a produtividade -o principal impulsionador do crescimento- aumente a um ritmo não muito diferente do seu crescimento médio desde a década de 70. Por outro lado, contudo, estas projecções dão em geral por adquirido que a desigualdade de rendimentos, que disparou ao longo das últimas três décadas, aumentará apenas moderadamente no futuro.
Não é difícil perceber o que leva os ditos organismo a dar isto por adquirido. Tendo em conta o pouco que sabemos sobre o crescimento a longo prazo, admitem implicitamente que o futuro se parecerá com o passado, o que é uma suposição natural. Mas por outro lado, se a desigualdade de rendimentos continuar a aumentar vertiginosamente, estamos perante um futuro incerto em que haverá uma luta de classes, algo que os organismos oficiais não desejam encarar. É assim muito provável que a dita opinião generalizada se engane num ou em ambos os aspectos.
Recentemente, Robert Gordon, da Northwertern University, provocou um sobressalto ao sustentar ser provável que o crescimento económico diminua drasticamente e, de facto, é bem possível que a época do crescimento, iniciada no século XVIII, esteja a chegar ao fim. Gordon sublinha que o crescimento económico a longo prazo não foi um processo contínuo. Resultou da impulsão por várias "revoluções industriais" específicas, cada uma das quais baseada num determinado conjunto de tecnologias. A primeira revolução industrial, assente em grande parte no motor a vapor, impulsionou o crescimento no final do século XVIII e princípio do século XIX. A segunda, que se tornou possível em grande parte pela aplicação da ciência a tecnologias como a electrificação, a combustão interna  e engenharia química, teve o seu início cerca de 1870 e impulsionou o crescimento até à década de 1960. A terceira, enfim, centrada na tecnologia da informação, define a época em que estamos.
Conforme assinala Gordon, de forma correcta, até agora os benefícios da terceira revolução industrial, apesar de bem reais, são bem menos importantes que os da segunda. A electrificação, por exemplo, foi um invento muito mais importante que a Internet. Trata-se de uma tese interessante e de um contrapeso útil, face a toda a surpreendente glorificação da mais recente tecnologia. E apesar de pensar que não tem razão, a forma como provavelmente se equivoca tem implicações igualmente destrutivas para a opinião generalizada. O argumento contra o tecnopessimismo de Gordon radica em grande parte na suposição de que os grandes benefícios das tecnologias da informação, que estão ainda no início, surgirão do desenvolvimento de máquinas inteligentes.
Os que seguem estas questões, sabem que o domínio da inteligência artificial há décadas que rende menos do que as suas reais capacidades, o que é frustrante, uma vez que para os computadores é extremamente difícil realizar tarefas que todos os seres humanos fazem facilmente, como por exemplo entender palavras normais e correntes, ou reconhecer objectos diferentes numa foto. Contudo, ultimamente, parece que finalmente se derrubaram as principais barreiras, não porque tenhamos aprendido a reproduzir o entendimento humano, mas apenas porque os computadores já conseguem oferecer doravante resultados aparentemente inteligentes, buscando por padrões em enormes bases de dados. É verdade que o reconhecimento da linguagem ainda não é perfeito. Segundo o programa, uma pessoa que chamou indignada disse que estava "totalmente equivocado". Mas é já muito melhor do que há uns anos, tendo-se convertido numa ferramenta tremendamente útil. Já o reconhecimento de objectos está um pouco atrasado. Continua a enervar o facto de uma rede de computadores, alimentada com imagens do YouTube, não consiguir espontaneamente identificar os gatos. Mas já não falta muito até uma infinidade de aplicações economicamente importantes.
Assim, pode suceder que dentro de pouco tempo as máquinas estejam em condições de realizar tarefas que actualmente requerem grandes quantidades de trabalho humano. O que se traduzirá num rápido aumento da produtividade e, portanto, num elevado e generalizado crescimento económico. Porém -e esta é a questão fundamental- quem beneficiará desse crescimento? Infelizmente, é muito fácil sustentar o argumento segundo o qual a maioria dos cidadãos dos Estados Unidos vão ficar para trás, porque as máquinas inteligentes acabarão por desvalorizar a contribuição dos trabalhadores, incluindo os trabalhadores qualificados, cujas capacidades técnicas se tornarão supérfluas repentinamente. Há portanto motivos fortes para pensar que a opinião generalizada reflectida na projecções orçamentais a longo prazo -projecções que determinam todos os aspectos da actual discussão política- está totalmente errada.
Quais são então as consequências desta visão alternativa para a política? Pois é um tema que terei de abordar num futuro texto."

Paul Krugman, EL PAÍS - NEGÓCIOS, 30/12/2012, página 21

1 comentário:

Leão_da_Estrela disse...

Caro prof.

Aqui há uns bons anos, vi um documentário qualquer que versava precisamente sobre o assunto; a evolução tecnológica seria um benefício de todos e a consequência dela seria a existência de mais tempo livre, que seria aproveitado pelos funcionários das empresas para o convívio, o turismo, a família.
Sinceramente desconheço a origem deste material, mas não me custa a crer que seja, ou americano, ou do norte da Europa. Ora, o documentário partia dum pressuposto correcto: todos devem colher benefícios da evolução. Mas ao que é que temos vindo a assistir? os donos da "evolução" foram ficando ricos, cada vez mais ricos, ainda em 2012 aumentaram exponencialmente a sua riqueza, e os "fazedores" da "evolução", ao invés de beneficiarem com ela, passam a ser um seu sub-produto descartável e do qual se pode prescindir a qualquer momento.

Gostei deste artigo de Paul Krugman; quase como a estória do corno que ainda haveria de ver a mulher a fumar, quando a encontrou na cama com outro, pelo andar da carruagem, ainda vamos assistir ao senhor Krugman a defender o estado social ou, ganda maluco, na primeira fila das manifestações contra o desemprego!
Com o Friedman ao lado (em espírito, claro! váde retro!)

Liberalmente...