Na última década do século passado, dois países ainda no modo de produção esclavagista um século antes, ambos de regime dito socialista ou comunista, de partido único e unicidade sindical, começaram a mudar radicalmente. Refiro-me à China e à ex-União Soviética. Nos dois casos, apesar de mastodontes geográficos, moveram-se pelo mais poderoso dos motores existentes -a palavra, enquanto suporte do pensamento. Enquanto Gorbachov defendia a implementação da perestroika e da glasnost, que vieram a estar na origem da implosão da URSS, no gigante asiático seu vizinho, Deng Chiau Ping, foi mais cauteloso. Ficou-se pela célebre parábola da cor do gato que, segundo ele, não tem qualquer importância, desde que o animal cace ratos e, sobretudo, pela hoje célebre palavra de ordem que continua a operar prodígios por aqueles lados -Enriquecer é glorioso!
Tempos antes, aqui pela Península Ibérica, também os dois países que a constituem tinham mudado bastante. A Espanha, pela acção conjugada das forças políticas e do jovem rei, que souberam aproveitar de forma airosa a morte do ditador, sempre no respeito pelo pluralismo e pela vontade popular. Em Portugal, graças à audácia, à bravura e à honestidade de militares cansados da guerra e ofendidos com a injustiça de certas promoções, os dirigentes políticos receberam a democracia por assim dizer de bandeja, uma vez que a sua irrupção não resultou de qualquer acção civil organizada. Será por isso que, quase quarenta anos volvidos, muitos eleitos ainda continuam com alguma frequência a não saber o que fazer ao menino que lhes colocaram nos braços?
Em todo o caso, durante estas décadas post-74, com qualquer dos governos que já tivemos, as principais, senão mesmo as únicas, palavras de ordem, terão sido "Gastar é muito proveitoso!", "Endividar-se é fabuloso!" Até que a Europa além Pirinéus, que sempre nos considerou europeus exóticos, decidiu dar um murro na mesa e gritar -Alto e pára o baile, que me estão a ir ao bolso! Vai daí, os PIGS têm-se visto em bolandas para, em simultâneo, acalmar os mercados e manter o stato quo. Que é como quem diz, conseguir taxas de esforço suportáveis, de forma a continuar a gastar demasiado, para não perder a clientela eleitoral. No caso português essa atitude tornou-se evidente e quase obscena, com Sócrates a bramar contra o FMI, enquanto pedia emprestado a mais de 7% nos malditos mercados dos especuladores. Vai-se a ver, meses mais tarde, constata-se que no fim de contas o FMI é muito mais amigo em termos de juros, ao emprestar a menos de 4%. Tem é um grande inconveniente para Sócrates: impõe reformas estruturais, que vão abalar muito seriamente o habitual eleitorado PS. Daí a raiva mal contida do ilustre líder, contra os pupilos do socialista francês DSK que, não o esqueçamos, é gaulês mas discorre em alemão com a senhora Merkel. Ou não tivesse ele por patronímico Strauss-Kahn, duas ilustres e tradicionais famílias judaicas germânicas.
Já em Espanha, o também socialista Sapatero não foi de intrigas ou subentendidos, nem se deixou condicionar pelo seu eleitorado tradicional. Soube ser homem de estado. Colocou os interesses de Espanha acima dos do seu partido. Garantiu perante o parlamento "Farei tudo o que seja necessário para debelar e ultrapassar a crise! Nem que isso me venha a prejudicar!" Semanas mais tarde, com o país já praticamente fora de perigo, no que concerne à necessidade de um resgate externo, o presidente do governo espanhol foi mais uma vez coerente: "Há os que pensam que ao cabo de 8 anos se pode continuar a ser o melhor dos líderes partidários. Não creio. Nas próximas eleições do PSOE, não apresentarei a minha candidatura." Bem dizem os publicitários autores das campanhas do turismo espanhol (mais de 70 milhões de turistas, em 2010): "España es diferente!" Oh se é!, digo eu!
E Tomar, no meio disto tudo? Na minha pobre opinião, infelizmente parece ter havido e manter-se uma espécie de mimetismo comportamental. Também aqui, nas margens nabantinas, "Gastar é muito proveitoso", mesmo em obras sem pés nem cabeça e "Endividar-se é fabuloso", sobretudo quando nem sequer se vislumbra como, quando, e com que pagar. Mas, tirando isso, vai tudo bem...enquanto o PSD continuar a ser o partido mais votado, graças ao seu exército de reserva, constituído pelos conservadores e pelos funcionários públicos, que já perceberam quão perigosos são os tempos que aí vêm...
Apenas um óbice. Como bem disse aqui há meses o também social-democrata Cavaco Silva, "a situação é insustentável!". Resta portanto mudar de rumo e, sobretudo, de palavras de ordem. Que, parece-me, idealmente deverão passar a ser: "Poupar é que está a dar!" "Inventar futuro é ultrapassar o escuro!"
Haja coragem! Caso contrário iremos com a crise...
5 comentários:
Ó Sr. Dr. Rebelo,
Dizer que o 25 de Abril de 74 caíu "de bandeja" é uma enorme falsificação e omissão da História.
O MFA foi um resultado da dura luta dos democratas portugueses,dos sectores profissionais mais politizados e esclarecidos,da influência dos quadros do movimento estudantil no corpo de oficiais operacionais das forças armadas.
As lutas operárias nas cinturas industriais de Lisboa,Setúbal e Porto,no Alentejo e no Ribatejo,a luta dos bancários,a luta estudantil em grande ascenso,deram um contributo decisivo,determinante,para a tomada de consciência política dos oficiais que estiveram na génese do MFA.
O êxito do 3ºCongresso da Oposição Democrática,realizado em Aveiro no início de 1973,deu um empurrão decisivo ao movimento revolucionário dos jovens oficiais - do quadro e milicianos.
O Programa do MFA vai "beber" a sua essência nas Teses e Conclusões desse 3º Congresso.
Em 25 de Abril,desde as primeiras horas da manhã,a população juntou-se aos militares revoltosos nas ruas e praças de Lisboa,num misto de espontaneidade e mobilização da oposição democrática,então liderada pelo PCP.
Se se der ao cuidado de ler o último livro ("Sete Fôlegos de um Combatente") do ex-militante,ex-dirigente,ex-líder parlamentar do PCP,Carlos Brito,à época responsável clandestino pela Ornanização Regional de Lisboa do PCP,enriquecerá os seus conhecimentos sobre a história contemporânea de Portugal.
E,naturalmente,deixará de ter uma errada visão "putchista" do 25 de Abril.
O MFA que nos libertou foi,efectivamente, uma "criação" da luta abnegada de milhares de democratas portugueses,activos e organizados nos mais diversos movimentos políticos,sindicais,culturais e outros.
A História não pode fundamentar-se em leituras subjectivas e ajeitáveis a falsificações.
A História verdadeira baseia-se em factos,sem omissões,sem preconceitos de qualquer natureza.
Só por ignorância ou preconceitos ideológicos e políticos se pode afirmar ou defender a tese expressa no artigo do Dr. Rebelo.
Qual dessas razões o limitou?
Cabe ao próprio e a cada um dos bloggers encontrar a resposta.
R. Grácio
Para R. Grácio
Nada me limitou, como sempre. A não ser a verdade tal como eu vi e vejo. Mas cada qual é livre na sua interpretação dos factos, com uma só condição -não os adulterar, por amputação, por maquilhagem ou por adição.
O resto são assuntos cujo debate só pode ser proveitoso cara a cara, designadamente para se poder constatar quem cá estava, viu ouviu e viveu; ou quem se alimenta de leituras dos protagonistas ou de pretensos participantes nisto ou naquilo.
No que me toca, não retiro nem acrescento o que quer que seja ao que escrevi. Apenas um esclarecimento: nunca disse ou escrevi que se tratou de um putsch militar. E podia tê-lo feito com todo o cabimento, visto que o "Oxford Advanced Learner's Dictionary", uma autoridade em matéria de inglês, é taxativo -Putsch = attempt to overthrow a governement by force; POLITICAL REVOLUTION (página 1020, AS MAIÚSCULAS SÃO DA MINHA AUTORIA)
OU não concorda que o 25 de Abril foi uma revolução política?
Cordialmente
António Rebelo
"Em 25 de Abril,desde as primeiras horas da manhã,a população juntou-se aos militares revoltosos nas ruas e praças de Lisboa,num misto de espontaneidade e mobilização da oposição democrática,então liderada pelo PCP".
A população nem sonhava no que veio a seguir...
Semanada
A nossa direita é muito católica e esperava pela ressurreição de Teixeira dos Santos no Dia de Páscoa, como o ministro continuou no sepulcro das negociações com a troca, não mudando o seu gabinete para Carnaxide ou Alfragide desencadearam uma busca, só não oficializaram um pedido de ajuda à polícia porque sendo um adulto esta prefere esperar mais algum tempo. Afinal Teixeira dos Santos estava vivo e bem de saúde e Sócrates até o mostrou na sua comunicação ao país sobre o acordo com a troika.
Quem não desapareceu e parece que veio para ficar apesar de não ter qualquer estatuto no PSD foi Eduardo Catroga, o embaixador pessoal de Cavaco Silva junto da liderança do PSD aproveitou a divulgação do acordo para imitar o antigo ministro da informação nas suas comunicações à comunicação social. Revelando um grande sentido de humor propôs a criação de um museu da dívida externa, agora ficamos à espera que o instale no Centro Cultural de Belém, que proponha o Alberto João para curador e que convide Cavaco Silva para a inauguração. Até pode inaugurar o museu com uma exposição dedicada aos governos de Cavaco Silva.
Talvez a pensar no discurso de inauguração do museu do Catroga, Cavaco Silva dirigiu-se ao país. Mais parecia que estava a fazer o discurso de abertura do jantar do PSD em Santa Maria da Feira onde a palavra mudar que ele tanto usou no discurso servia de cartaz. Eu fiz zapping, mas se pudesse fazia um zapping na Presidência da República, este presidente com letra pequena já não é presidente dos portugueses mas sim de uns quantos portugueses.
O PCP promoveu mais uma gloriosa jornada de luta na Função Pública e desta vez sofreu um enorme fracasso, em vez dos habituais 90% de adesão desta vez a intersindical ficou-se pelos 60%. Agora andam todos à procura de um funcionário que tenha aderido à greve e faça parte desses imensos 60%.
A troika parece ter dado grande atenção às cartas do Eduardo Catroga, mandou privatizar os CTT.
O JUMENTO
Sr. Dr. Rebelo,
A sua resposta apenas me merece um esclarecimento adicional.
A minha visão da Revolução Política do 25 de Abril de 1974 baseia-se na vivência pessoal, directa,dos acontecimentos - na luta contra a ditadura e na intervenção política posterior ao seu derrube.
Não se trata,portanto,de uma visão "alimentada" por leituras ou estórias ouvidas.
R. Grácio
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