Somos um povo assim: calmo, pacato, fraterno, pouco exigente, ingovernável e dado a excessos. De oito ou oitenta; de tudo ou nada. Com os dinheiros europeus, vieram as exigências dos burócratas de Bruxelas. Umas bem-vindas, outras nem tanto assim. Como quem diz dinheiros europeus, diz obras de espavento, lá tivemos que nos sujeitar às pesquisas arqueológicas, durante a realização de obras que impliquem demolições, modificações ou estruturas enterradas.
No caso documentado, trata-se do colector de águas pluviais entre a Porta de S. Tiago, no castelo, e o Flecheiro. Os trabalhos decorreram céleres até que, frente à Mata, apareceram uma calçada em seixo rolado, uma valeta e soleiras. Alto e pára o baile! Assim estamos há mais de uma semana, para que tudo seja devidamente limpo, medido e fotografado, para memória futura. No caso, trabalho em pura perda, já que se trata de construções demolidas ou enterradas no final da década de 40 do século passado, das quais existe em arquivo alguma documentação fotográfica, bastando procurar um pouco. O problema é que escavando, limpando, medindo e fotografando, os arqueólogos vão estando ocupados, enquanto que pesquisar nos arquivos locais...não está em geral previsto nos cadernos de encargos das empreitadas a concurso. De tal forma que temos mais um exemplo de tudo ou nada. Arrastam-se os trabalhos de pesquisa, para justificar as avultadas somas alocadas para o efeito. Mesmo quando visivelmente, como no caso exposto, se trata apenas de "queimar tempo", com prejuízo para o empreiteiro.
Não vá dar-se o caso de o mesmo vir a acontecer com as obras em curso no futuro Elefante Branco da Levada, desde já aqui fica alguma documentação iconográfica, tendente a evitar tarefas arqueológicas do tipo "chover no molhado". Sucessivamente, uma cartela com a data de 1710, numa das portas da ex-fundição tomarense; o frontão do ex-arquivo de FMG, visivelmente acrescentado, algures no tempo; uma vista geral do primitivo aspecto dos "Moinhos da Ordem", mais tarde "Lagares d'El-rei". No primeiro plano, do lado esquerdo, plantas a secar, certamente da então Farmácia Pinheiro, ali ao lado, e duas cabeceiras sepulcrais. À direita, árvores na actual Rua Everard. Em segundo plano, as primitivas pontes, que até valeria a pena reconstituir, por serem bem mais harmoniosas que as actuais. Do lado esquerdo os três frontões primitivos, com os emblemas da Ordem de Cristo, de Portugal e de D. Manuel I, a heráldica tomarense, ainda presente na Torre sineira de S. João e na fachada dos Paços do Concelho. Nos antigos moínhos, infelizmente, o emblema da ordem já não existe, vítima das obras de alteração da formato do telhado, de três para duas "águas".
Ao fundo, do lado esquerdo, o edifício existente no local onde agora se encontra a antiga central eléctrica, e uma roda de tirar água, semelhantes à do Mouchão.
Sempre tão preocupados e exigentes em termos de respeito pelo património, quando qualquer particular pretende fazer obras na cidade antiga, foi pena que nem os senhores técnicos superiores do município, nem os distintos autarcas da época tenham tido a feliz ideia de aproveitar os dinheiros de Bruxelas (4,8 milhões de euros = 960 mil contos, neste caso) para reconstituir o que havia. Em vez disso, encomendaram um projecto de requalificação sem programa prévio, o que convenhamos, não assim muito usual. Depois admiram-se que cada vez mais eleitores andem escalmurrados com a política e os políticos...
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