sexta-feira, 28 de junho de 2013

Enxerguem-se porra!

Mete dó e faz-me muita impressão a calma olímpica e triunfante de meia dúzia de aprendizes políticos nabões, quase todos sem fundo nem Mundo, que avançam para eleições sem sequer perceberem a nova realidade em que são e serão forçados a viver, a qual não vai ser mesmo nada agradável. Ao pensar neles não consigo impedir-me de compará-los com os cordeiros que por ai vão passando em camiões, rumo aos matadouros mais próximos.
É para tão inconscientes concidadãos que vai a tradução seguinte. Para que depois não possam dizer, respeitando a verdade, que ninguém os avisou atempadamente.

"Continua-se a contar com o regresso ao crescimento económico, mas esta crise é perene"

"Para o economista Stephen D. King, é chegada a hora das opções dolorosas, mas ninguém se resolve a optar"

WHEN THE MONEY RUNS OUT. THE END OF WESTERN AFFLUENCE, Stephen D. King, Yale University Press, 304 páginas, 18, 62 euros

ENTREVISTA

"Stephen D. King, chefe economista do banco HSBC, acaba de publicar um livro alarmante. When the Money Runs Out. The End of Western Affluence (Yale University Press, 2013). Nele considera que os países ocidentais nunca mais voltarão a uma situação de vacas gordas. A factura da crise continua por pagar e todos devem preparar-se para meter a mão ao bolso.

A tese do seu livro é que o crescimento económico nunca mais voltará aos países desenvolvidos com os mesmos níveis de outrora. Está assim tão pessimista?
Estou. Continuamos a prometer a nós próprios o regresso dos bons velhos níveis de crescimento económico. E os vários responsáveis políticos continuam a dizer que a retoma é já ali ao fundo da rua. Ora, se é verdade que o apoio activo dos bancos centrais evitou a repetição da Grande Depressão, tal não é contudo suficiente para restaurar o crescimento anterior, ao contrário daquilo que se esperava. Esta crise é perene. E as expectativas em matéria de pensões, de sistema de saúde e na área da educação, não poderão ser alcançadas, tal como acontece com os rendimentos antecipados pelos mercados sobre as obrigações e as acções.
Quando a sociedade reconhecer finalmente que a situação é pior que o previsto, haverá um processo de tomada de prejuízos. O qual conduzirá a um aumento significativo da idade da reforma, bem como a uma reformulação dos sistemas de saúde; ou a um efeito sobre o sector financeiro, provocado por bancarrotas; ou ainda a um aumento da inflação que vai pesar sobre toda a sociedade. Vai ser imperativo escolher. Todos resistem por enquanto, mas ninguém vai poder abster-se.
Como é que vê esse processo na Zona Euro?
Se se reestruturarem as dívidas da Europa do Sul, a Europa do Norte terá de pagar. Actualmente, a Alemanha nem quer pensar nessa hipótese, considerando não ser responsável pela crise. E são portanto os países do sul do velho continente que suportam sòzinhos a situação, ano após ano, mediante agressivas políticas de austeridade.
Politicamente é impossível continuar assim. Assiste-se à ascensão dos extremismos políticos, como a Aurora Dourada, na Grécia, ou a do separatismo, como na Escócia e na Catalunha. A situação actual encoraja o nacionalismo económico e político, como mostra o UKIP, um partido anti-Europa e anti-imigração, no Reino Unido. Cada qual devolve a bola e acusa os outros, tanto entre nações como no seio de cada uma delas.
Qual é então a saída?
A Alemanha tem de compreender que os países do sul se endividaram em excesso...porque ela própria lhes emprestou em demasia. O seu sucesso na exportação é excelente, mas o respectivo valor acrescentado não foi usado para investir além-Reno e aumentar os salários. Foi colocado no sul, por exemplo em títulos do tesouro gregos, até 2007. Sucede que, quando se investe ou se empresta, se correm riscos. Agora há que assumir. Ou os bancos vão registar pesadas perdas, devido à reestruturação das dívidas públicas, ou os contribuintes terão de as pagar, ou de arcar com o saneamento financeiro dos Estados. É apenas uma questão de escolha.
A inflação paralela dos preços e dos salários permitiu, durante os "trinta gloriosos" [1945-1975], tornar as dívidas menos pesadas. Porque não recorrer a isso uma vez mais?
Algumas redistribuições de rendimentos através da inflação são por vezes aceitáveis, outras vezes não. Entre 1950 e 1970 a geração dos baby-boomers estava a trabalhar e endividava-se para comprar casa. O aumento da inflação -com os salários indexados sobre os preços- era-lhes favorável. Mas para os reformados e pensionistas a inflação é desastrosa, pois em geral as pensões não estão indexadas. E os baby-boomers estão agora na situação de reforma. No Japão, o envelhecimento da população conduziu a uma inflação fraca.
Além disso, se a inflação acontecer unicamente nos países europeus mais endividados, o inevitável aumento dos custos salariais vai provocar-lhes perdas de competitividade. Para ter êxito, seria necessário que a zona euro adoptasse conjuntamente essa estratégia. Mas a Alemanha não vai nessa direcção. Prefere orientar-se antes para a reestruturação das dívidas soberanas.
O BCE dispõe dos meios necessários e suficientes para compensar as perdas do sector bancário?
Faço uma analogia entre o BCE e um decorador ou um pintor da zona euro. A instituição de Francfort decora as rachas, pinta-as para que desapareçam durante alguns meses. Mas os alicerces continuam frágeis... Todas as uniões monetárias que sobreviveram, adoptaram uma união política e  orçamental, capaz de gerir o processo de distribuição de prejuízos. Tal como nos Estados Unidos, seria necessário aceitar que os Estados sob assistência dos seus pares percam a soberania orçamental e fiscal durante o período de assistência. E conseguir os meios necessários para apresentar orçamentos equilibrados.
A economia tem ciclos ligados à inovação. A redução do crescimento é assim tão inevitável?
Tudo é incerto. O crescimento económico pode muito bem melhorar. Mas isso não depende só dos eventuais progressos tecnológicos. No passado, o crescimento beneficiou igualmente do incremento do comércio, da entrada das mulheres no mercado do trabalho e da expansão do crédito ao consumo.
Acontece que atingimos os limites. A dívida das famílias americanas representava 40% dos respectivos rendimentos anuais em 1950, mas é actualmente de 140%. A tecnologia vai portanto aumentar o nosso nível de vida, mas mais lentamente. Daqui para a frente, os países ocidentais têm imperativamente de concluir um novo contrato social, sendo ainda muito longo o caminho a percorrer para lá chegar."

Entrevista realizada por Adrien de Tricornot, Le Monde, 27/06/2013, página 7

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