terça-feira, 4 de junho de 2013

Os tomarenses e o Mundo

É o principal problema de Tomar. Educados de forma muito deficiente, os nabantinos em geral e especialmente os eleitos, estão convencidos de que esta nossa querida terra é o centro de tudo. Cuidam assim e agem como se o mundo inteiro estivesse à nossa espera. Lá porque há mais de quinhentos anos um estrangeirado chamado Henrique aqui iniciou a nossa grande epopeia, com os recursos da Ordem de Cristo, os nossos contemporâneos continuam a aguardar que surja por aí algo no mínimo tão importante.
A tradução seguinte tem por fim demonstrar que afinal nos ficámos algures na segunda metade do século passado, pelo que o nosso atraso é tão gritante quão irrecuperável sem um vibrante sobressalto. Se assim não suceder quanto antes, corremos o risco de ficar sem conserto, indo para o caixote do lixo da História. Tão simples como isso.

O castelo na actualidade (em cima) e a sua reconstituição digital, que os visitantes podem descobrir graças a "binólucos" em relevo, chamados "HistoCam"


"Reencantar o nosso património histórico"

"Dois produtores de conteúdos digitais restauraram virtualmente o castelo anglo-normando de Guilherme o Conquistador, em Falaise, na Normandia. Um conceito cenográfico sedutor para ressuscitar os locais históricos, dos quais apenas restam vestígios"

"Sábado, 18 de Maio, Falaise, Normandia, França. O castelo-museu onde nasceu em 1027 Guilherme o Conquistador, que será mais tarde rei de Inglaterra (1066), inaugura uma nova cenografia à maneira digital. Com a mini-tablete iPad fornecida à entrada, cada visitante deste imponente edifício medieval aponta para um móvel baixo, com um brasão que representa uma "porta do tempo". E aí...milagre! A sala de recepção do duque, na qual se encontra, surge no ecrã da tablete inteiramente reconstituída, como na época do fundador da fortaleza. Deslocando-se na sala, cada visitante pode dedicar-se a uma exploração virtual, em tempo real dos detalhes do sítio: o trono ducal, os bancos do conselho, as arcas que serviam de malas de viagem, os frescos murais, os panejamentos...
Um pouco mais longe, o turista curioso tem a possibilidade, sempre no seu ecrã, de juntar, de espreitar sob todos os ângulos e mesmo pôr a funcionar os barcos, catapultas, torres de assalto "gatos", bombardas e outros engenhos de cerco da época. Numa outra sala, é o próprio Guilherme, Ricardo Coração de Leão, ou Eleanor de Aquitânia -representados por actores vestidos à moda da época- que interpelam quem passa, contando-lhes as suas vidas, graças a filmes curtos projectados nas paredes.
No parque exterior, seis visionadoras permitem aos passantes equipar-se de binóculos em relevo para "teleportar" a paisagem tal como ela era na época do duque Guilherme, com as quintas, os camponeses, os animais, tudo junto às muralhas do castelo...
A nova experiência interactiva de Falaise engloba uma mistura única de passeios virtuais em "realidade aumentada", filmes pedagógicos e diapositivos em relevo. O suficiente para transformar a visita de um museu medieval clássico -geralmente chata para os alunos menos motivados- numa aventura espácio-temporal atraente e lúdica. Sente-se que, para além desta primeira realização, este savoir-faire que mistura riqueza cultural e habilidade tecnológica, tem potencial para transformar todos os grandes locais históricos do Mundo. Basta imaginar este mesmo tipo de trabalho aplicado ao castelo medieval do Louvre, do qual restam apenas os alicerces, às ruínas de Pompeia, ao templo indonésio de Borobudur, ao túmulo de Toutankhamon ou ao Muro das Lamentações. Deixa de ser necessário reconstruir ou sequer alterar o aspecto actual para reencantar as visitas. Tal como com a Internet o comércio tradicional passou ao e-comércio, os locais históricos clássicos podem doravante, com pouco investimento, encontrar uma nova vida, efectuando a junção "pedra + pixel".
Tal é em todo o caso o sonho dos dois criadores deste banho de juventude de Falaise, Bruno de Sá Moreira e Edouard Lussan. Ex-editor multimédia de Flamarion e ex-técnico em 00h00.com, Bruno de Sá Moreira fundou em 2006 a sociedade de criação digital multi-suporte e transmédia Normandy Productions. Juntou-se-lhe três anos mais tarde Edouard Lussan, que conhecera em 1996 como autor do CD-rom de sucesso "Operação Teddy Bear", editado por Flamarion. Edouard seguiu depois na área dos jogos video para PC e cônsolas ("Louvre - A última maldição", "Iron Storm", "Robin Wood -The legend of Sherwood", "Sniper Elite"...)
Segundo Bruno Moreira, Normandy opera na área da produção digital com forte conteúdo cultural, multi-suporte e transmédia. Filmes, aplicações móveis, sites internet, jogos video: "sabemos contar uma história ou criar uma determinada realidade, estruturando e colocando tijolos creativos complementares. Tudo de elevada qualidade e para os mais variados clientes." Foi assim que Normandy concebeu, em 2012, uma grande campanha de "publicidade lúdica" para os relógios Breitling, a qual conquistou três prémios Stratégies.
Como se passa dos relógios para os castelos? É a ocasião que faz o ladrão: "Foi porque escrevemos e coproduzimos para Arte [canal de televisão cultural franco-alemão] um filme sobre Guilherme o Conquistador, actualmente em filmagens, que ouvimos falar desse concurso público", conta-nos Bruno Moreira. Em 2010 candidataram-se à adjudicação aberta pelo município de Falaise, proprietário do castelo, no valor de 600 mil euros, visando renovar a cenografia do respectivo museu. "Houve 40 candidaturas, depois quatro finalistas, todos profissionais do sector...Mas apesar da nossa falta de experiência, foi Normandy que ganhou".

Edouard Lussan e Bruno Sá Moreira com a tablete HistoPad, que "remobila" virtualmente todas a dependências do castelo de Guilherme o Conquistador, em Falaise.

Porquê vocês? "A opção digital tem a enorme vantagem de não ocupar os locais com uma cenografia demasiado presente, que acabaria por secundarizar o monumento", explica-nos Michel Colin, presidente da Câmara de Comércio Caen-Normandie, que dirigiu o concurso como vice-presidente da câmara de Falaise. "Contrariamente aos métodos tradicionais, que são os mesmos por todo o lado e para todos, o digital permite uma adaptação caso a caso: jovens, público em geral, visitantes mais exigentes, que procuram uma informação mais aprofundada." Com os iPad, os jovens podem lançar-se numa grande caça ao tesouro, um objecto virtual a encontrar em cada uma das oito "portas do tempo", acabando por ganhar um prémio, entregue no final do circuito pedestre.
Já os especialistas dos Plantagenetas poderão visionar o filme que explica em detalhe as várias fases arquitectónicas da fortaleza, entre 900 e 1450, bem como a reconstituição integral das pinturas a fresco, com as explicações das personagens e das cenas... Mas para além do carácter criativo do projecto de Normandy, a comissão de selecção foi também seduzida pelos dois sócios, diz-nos Michel Colin: "Graças ao filme sobre Guilherme o Conquistador foi possível constatar em simultàneo o conhecimento da história medieval e a capacidade para se entusiasmar e procurar atingir sempre a excelência."
E foi necessário muito entusiasmo para concluir com êxito um projecto sem precedentes, que durou três anos e implicou, no total, cerca de 150 pessoas em três continentes. Porque Normandy tem apenas dois empregados permanentes: o presidente, Bruno Moreira e o produtor associado, Edouard Lussan. "Em cada projecto funcionamos como para os filmes, contratamos à tarefa", explica-nos Bruno, na sua sede parisiense. "Para Falaise contratámos diversos talentos: programadores, designers de móveis, grafistas, fotógrafos, actores, técnicos de imagem, técnicos de som..." Só a reconstituição das pinturas murais, de que não resta qualquer vestígio, mobilizou cinco pessoas durante três meses. 
Foi igualmente necessário "brunir" o conteúdo académico. O projecto, que foi concluído dentro do prazo e sem ultrapassar a dotação financeira, implicou um diálogo permanente com um comité histórico e científico. Em cada etapa, uma dezena de especialistas, tais como Pierre Bouet, latinista emérito e especialista de Guilherme o Conquistador, validaram as reconstituições. Houve incessantes idas e voltas entre os produtores e os universitários para afinar uma bíblia de referências: "Um historiador, um arqueólogo e um arquitecto passaram horas a debater a localização de uma janela, a existência provável de um piso superior, ou forma da base dos torreões da muralha", conta-nos com um sorriso Edouard Lussan.
Com tudo isto, a PME Normandy foi conseguindo ferramentas que poderá vir a reutilizar em operações similares: os conceitos e marcas registadas "HistoPad" e "HistoCam", um código informático parcialmente proprietário, utilizável com todos os tipos de tabletes tácteis, tanto Apple como Android. E sobretudo um savoir-faire de chefe de orquestra deste tipo de produção multimédia de um novo género, englobando cultura, storytelling e tecnologia. Após os relógios suiços e os castelos  medievais, Bruno e Edouard sonham poder usar o seu French touch para redecorar as Sete Maravilhas do Mundo."

Dominique Nora, Nouvel Observateur, 23/05/2013, páginas 39/40

2 comentários:

templario disse...

DE: Cantoneiro da Borda da Estrada

Gostei muito de ler este artigo. Obrigado.

Mas não precisavas de machucar os tomarenses no introito, mormente os que vivem a 150 kilómetros de Tomar. Deixa-me cá estar na minha paz.

Estranha fixação...

Unknown disse...

Meu caro Fernando:
Podes crer que também me custa muito escrever algumas coisas sobre os nossos queridos conterrâneos.Mesmo sem qualquer intenção de os melindrar. Contudo, tratando-se da mais pura verdade, que querias que fizesse? Ficaria de mal com a minha consciência procedendo de outro modo.
Felizmente, a crítica feroz, mesmo certeira, não prejudica ninguém. É vê-los, todos ufanos, aí pelas ruas da vila, como se estivessem cheios de razão e cobertos de louros...