sexta-feira, 28 de junho de 2013

O momento actual visto de fora

"Em Portugal até o patronato se impacienta com a política de austeridade do governo"

"Após dois anos de crise e de sacrifícios sem resultados visíveis, a fadiga e a impaciência aumentam entre os portugueses. Tanto entre os trabalhadores e os pensionistas, como doravante entre os próprios patrões: "É tempo de salvar o país da recessão e do abismo!", proclamaram na passada segunda-feira, 24 de Junho, as quatro organizações empresariais que representam os agricultores (CAP), o comércio e serviços (CCP), a indústria (CIP) e o turismo (CTP). Esta posição conjunta visa provocar uma reacção do governo de centro-direita, considerado às ordens da Europa.
Segundo estes dirigentes, o primeiro-ministro Passos Coelho obstina-se no prosseguimento de uma política de austeridade que é perigosa e que lhe é ditada pela troika, que representa os credores desde a ajuda financeira concedida na Primavera de 2011. "O governo tem uma bíblia - a política europeia. A experiência demonstra que não funciona, mas o governo continua como se nada fosse", enerva-se um dos representantes do patronato. "Tem de se reconhecer que alguma coisa falhou", alerta igualmente o presidente da CCP, João Vieira Lopes, no jornal Público da passada segunda-feira.
E é verdade que os sacrifícios não resultam. Pelo menos o suficiente. É verdade que as exportações aumentam (+ 17,5% em Abril, em relação ao ano anterior), mas representam o único motor da economia que funciona. O que não basta para sair da recessão, enquanto a dívida pública continua a aumentar (mais de 120% do PIB) e o o desemprego segue pelo mesmo caminho (18,2% da população activa).
Perante o que parece ser um flagrante malogro, os portugueses têm dificuldade em compreender a acção do governo, cuja popularidade cai a pique. Aceitam particularmente mal que as medidas de austeridade, reprovadas em Abril pelo Tribunal Constitucional, tenham sido transformadas em cortes que atingem directamente o Estado-providência.
Os empresários reivindicam uma mudança de estratégia: um plano de relançamento que os ajude, por intermédio da redução da fiscalidade, nomeadamente do IVA, mas que apoie igualmente o consumo, cada vez mais anémico. Criticando os esforços demasiado severos impostos à população, o patronato acaba por quase apoiar o apelo à greve geral, lançado pelas duas centrais sindicais para 27 de Junho. "Não é boa para nós, mas compreendemo-la. Estamos deveras preocupados", explica o representante de uma das organizações patronais. "O governo vai tomado medidas cada vez mais duras, sem diálogo e sem debate. Tais políticas já mostraram não produzir os efeitos desejados. Há que mudar", apoia Paula Bernardo, da UGT.
Tal como os sindicatos, os patrões não escolheram por mero acaso o momento para avançar com as suas reivindicações. O seu descontentamento alimenta-se também da fragilidade da troika, que chegou ao país na segunda-feira, para mais uma missão de avaliação. As divergências entre os seus membros são já do domínio público e o FMI, após ter reconhecido os seus erros, interroga-se sobre a pertinência da austeridade levada ao extremo.
"Chegamos na altura em que a austeridade começa realmente a ser dolorosa. E a situação não vai melhorar. O poder de compra vai baixar, mesmo para os que ainda têm emprego", constata Diogo Teixeira, administrador do fundo de investimento Optimise. "Há um cansaço generalizado e todos aproveitam o actual contexto europeu em que a austeridade é posta em questão."
Consciente da insatisfação generalizada, mas incapaz de liderar uma política de relançamento, o primeiro-ministro Passos Coelho prometeu, durante a recente visita de uma empresa, em Évora, que em caso de necessidade "o governo colocará a questão da revisão dos objectivos" do défice público. "Os empresários não estão mais preocupados do que o governo", acrescentou.
De acordo com os analistas, Portugal poderá pedir aos seus credores um objectivo de défice de 4,5% ou 5% do PIB, em 2014, contra os 4% actualmente previstos. Se tal for concedido, será a terceira correcção conseguida por Lisboa desde Setembro, confirmando que o país deixou de ser o aluno aplicado da troika, preferindo antes uns balões de oxigénio para acalmar uma população já no limite.

Claire Gatinois, Le Monde - Economie & Entreprise, 16/06/2013, página 3

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