sexta-feira, 27 de maio de 2011

RECORTES DA IMPRENSA DE HOJE - PÚBLICO

Será que este país não tem emenda?

"Vamos lá a ver se percebi bem. A Opway é uma construtora do Grupo Espírito Santo que é accionista da Ascendi, do Grupo Mota-Engil.  A Ascendi detém a maioria do capital das concessões rodoviárias do Norte, da Costa de Prata, das Beiras Litoral e Alta, do Grande Porto, da Grande Lisboa, do Douro Interior e do Pinhal Interior, num total de 850 quilómetros de auto-estradas. Almerindo Marques foi presidente das Estradas de Portugal até ao final de Março. No seu mandato, o Estado negociou com a Ascendi a revisão de um conjunto de concessões, em condições que levantaram as maiores dúvidas ao Tribunal de Contas e que poderão representar novos encargos para o Estado, no valor de milhares de milhões de euros. Mais: segundo o Tribunal de Contas, a Estradas de Portugal comprometeu-se a fazer pagamentos  "que carecem de fundamentação jurídica" e podem acabar no Ministério Público. Nada disto impediu Almerindo Marques de ter, entretanto, assumido a presidência da Opway. Porque, diz ele, "quem não deve não teme". Esqueceu-se, no mínimo,  de que à mulher de César...
Vamos lá a ver se percebi bem, de novo. O governo anunciou que a execução orçamental dos primeiros três meses do ano tinha sido "histórica" e que a redução do défice tinha sido tão substancial que estaríamos não só no bom caminho, como no melhor dos mundos. Alguns economistas procuraram deitar alguma água na fervura deste entusiasmo e a oposição chamou a atenção para o aumento da carga fiscal.
Entretanto, como formiguinhas, os funcionários da Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO), da Assembleia da República, procederam à análise das contas e revelaram o seu relatório esta semana (algo que o PS tinha tentado impedir que acontecesse). Para a UTAO, os resultados conseguidos só foram possíveis porque houve despesas adiadas (mas que terão de ser feitas), porque se pagaram menos juros (quando, ao longo do ano, a conta dos juros aumentará) e porque se atrasaram as devoluções de IRS. Corrigindo estas distorções, conclui-se que a excução orçamental fica aquém do necessário para cumprir as metas de 2011. Isto é, que ainda agora assinámos um acordo com a troika e já estamos a entrar em incumprimento. Se isto não é inquietante, não sei o que é inquietante.
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Naturalmente que estes e outros episódios não têm todos a mesma gravidade. Longe disso.... ... Mas todos eles mostram como é enorme a resistência à mudança e o apego a privilégios pequenos ou grandes. Mostram também que houve uma grave degradação não só dos costumes políticos, como das práticas sociais. O que se pensava intolerável entrou na rotina do dia-a-dia. Velhos defeitos -o atavismo, a aversão ao risco, o gosto pelas benesses do Estado, o corporativismo, o clientelismo esmolar, o apreço pelo Chico-esperto- tornaram-se não apenas em hábitos aceites como em virtudes louvadas nas caixas de comentários das redes sociais. E até, se bem embrulhadas em palavras eruditas, em temas de campanha eleitoral.
O mundo que produz e reproduz estes episódios acabou. E acabou porque se acabou o dinheiro. Pelo que, verdadeiramente, só nos restam duas alternativas: ou mudamos mesmo de vida, como impõe o memorando da troika e disse o Presidente da República, o que implica mudar de políticas, mudar de dirigentes, mudar de hábitos e de rotinas, mudar de referências sociais e culturais, e então seremos capazes de trilhar o difícil caminho da recuperação; ou...
Ao contrário das aparências e do bom-senso, a escolha existe, como estes episódios mostram. Trata-se de fazer de morto, de arrastar os pés, de tentar que tudo fique na mesma, na esperança de passar entre os pingos da chuva. Trata-se de continuar a tolerar costumes que corrompem as nossas referências morais, de tentar enganar a troika enquanto se finge que se cumpre o  memorando, de continuar a chamar às mentiras meras "faltas à verdade". O resultado será o aprofundar da decadência e o empobrecimento relativo e inelutável, como aquele a que assistimos na última década. Entretanto os melhores portugueses emigrarão.
Infelizmente estes país, às vezes, parece que não tem emenda. Que ainda não percebeu o difícil que vai ser continuar a ter quem nos financie. Ou seja: o difícil que será cumprir o acordo. E que Portugal não se importa de rolar pela encosta abaixo, porventura a fazer companhia à Grécia."


José Manuel Fernandes, ex-director, PÚBLICO, 27/05/2011, página 39
Os negritos e as cores são da responsabilidade de Tomar a dianteira.
O texto original é mais longo e foi adaptado.

2 comentários:

Anónimo disse...

A ASCENDI e as suas autoestradas foi aquele negócio em que "a bem do interesse publico" o sr. RElvas interveio em 1994(para escândalo, esta semana, do Juiz do caso Portucale)?
Almerindo vem na senda do ministro de Cavaco, engº Ferreira do Amaral que negociou como ministro a concessão da Ponte Vasco da Gama e depois foi para Administrador da Lusoponte. Grandes pontos, estes!Qualquer dia estranhem que o povo se fartou da democracia.
Quanto ao défice, já sabemos: o PSD e a direita dizem que melhorias são à custa dos impostos. Quem é funcionário público sabe que com cortes e inflação já lá vão uns 30% de rendimento em 5 anos.

aldeõesbravos disse...

Qualquer dia só existe a classe política e alguns "amigos" que vivem na sua sombra a viver em Portugal...o resto ou emigra ou morrem de fome, resta saber porem como esses primeiros depois se vão arranjar...