terça-feira, 16 de dezembro de 2008

SMAS: FORNECER E METER ÁGUA

António Rebelo e Redacção
Caiu muito mal. É esta a opinião geral das pessoas por nós contactadas sobre o recente aumento do tarifário da água e saneamento. Acrescentaram algumas que é preciso muita falta de sensibilidade para anunciar um aumento gravoso de um bem essencial, numa altura de grave crise e próximo do Natal.
Já anteriormente, aquando da publicação, nos jornais nacionais e locais, da notícia segundo a qual Tomar figurava entre os concelhos onde a água é mais cara, foi geral o descontentamento.
Face a estas duas situações, decidimos aprofundar a questão, de modo a proporcionar a quem nos lê uma visão tão completa quanto possível da realidade em que vivemos, quer queiramos quer não.
A água, como todos sabemos, é um bem livre. Quer isto dizer que qualquer pessoa pode captar ou consumir água em qualquer ribeiro, rio ou albufeira, sem qualquer encargo. No caso de poços e nascentes, trata-se geralmente de apropriação privada de um bem público, aceite sem resistência em virtude do chamado direito consuetudinário, o que significa baseado nos costumes.
Assim sendo, os SMAS-TOMAR, um organismo inteiramente controlado pelo Município de Tomar, não produz nem vende água. O que vende a cada consumidor é um conjunto de serviços:
captação, armazenamento, análise, desinfecção, distribuição. Estes serviços são prestados em regime de monopólio de facto e de jure. De facto, porque os SMAS são proprietários de toda a estrutura existente, da captação até cada contador. De jure, porque o município nunca concedeu nem tenciona conceder tal serviço a qualquer entidade concorrente da actual. Além de monopólio, os SMAS são propriedade a 100% da própria entidade teoricamente encarregada de os fiscalizar -o Município de Tomar, gerido pela Câmara e, em princípio, controlado pela Assembleia Municipal. Quer isto dizer que, na situação actual em que há uma maioria de determinado partido, tanto no executivo como na Assembleia, estes representantes maioritários decidem como entendem, naturalmente nos limites da lei, sem qualquer fiscalização prévia ou posterior digna desse nome. Acresce que as usuais alegações de que é necessário poupar água, utilizadas para tentar justificar tudo e mais alguma coisa, carecem de fundamento. No nosso concelho nunca houve nem há falta de água. A prova está no facto da albufeira de Castelo do Bode, a 10 quilómetros da cidade, até fornecer água para Lisboa e Grande Lisboa. O que já se verificou, no passado recente, foi a falta de capacidade de captação, armazenamento e distribuição eficaz, que os competentes serviços procuraram escamotear com a argumentação de poupança de água.
É neste quadro que convém situar o recente preçário aprovado pelo executivo, no qual abundam as situações aberrantes, discriminatórias e autoritárias, que nenhum argumento simultaneamente sólido e legítimo pode justificar. Para maior facilidade de leitura, passamos a enumerar os casos polémicos.
Primeiro caso
A tabela aprovada estabelece 5 escalões para os consumos domésticos, cujos preços variam de 0,45€ por metro cúbico, nos primeiros seis, até 1,54€/metro cúbico, para consumos superiores a 25 metros cúbicos. É óbvio que nos dias de hoje, com máquinas de lavar e novos hábitos de higiene, já nenhum lar gasta menos de 10 metros cúbicos/mês, salvo no caso das casas de fim de semana e de férias. Temos assim que as impropriamente chamadas "tarifas sociais", as mais baixas, acabam por beneficiar quase exclusivamente aqueles agregados familiares com recursos suficientes para terem uma segunda habitação de lazer. Em contrapartida, uma família com dois filhos ultrapassará certamente os 25 metros cúbicos/mês, pagando tudo pela tarifa máxima, dado que os SMAS, sem qualquer base legal, determinaram que será tudo facturado pelo preço do último escalão atingido. Contrariam assim o que é a prática comum no comércio em geral -quem compra em quantidade beneficia de descontos e de melhor preço por unidade.
Segundo caso
Sem qualquer argumentação, convincente ou não, determina-se que os comerciantes e industriais deverão pagar 1,08€/metro cúbico até 15 e 1,71€/metro cúbico para mais de 15. Porquê? Que mal fizeram os que asseguram empregos e pagam os seus impostos? A água fornecida nestes casos fica mais cara aos SMAS? É de melhor qualidade? Tudo perguntas sem resposta, pelo que devem ser feitas pela oposição nos locais próprios -Câmara e Assembleia Municipal, uma vez que nos SMAS não têm qualquer representação.
Terceiro caso
Os consumos do Hospital, do Quartel, das Escolas, da Caixa, das Finanças, do Tribunal, etc, entram na categoria de "Consumos do Estado", de acordo com a referida tabela dos SMAS. Aparentemente longe de pensarem que o Estado somos todos nós, os que pagamos impostos dos mais elevados da Europa, os dirigentes dos SMAS, se calhar influenciados pelo antigo slogan esquerdista "Os ricos que paguem a crise", decidiram que o Estado deve pagar tudo a 1,94€/metro cúbico. Já a autarquia, dona dos SMAS, mas igualmente a viver dos nossos impostos, só paga 0,52€/metro cúbico sem qualquer limite de consumo. Ou seja, a autarquia para regar jardins, abastecer os balneários desportivos ou encher a piscina aquecida, paga quase 4 vezes menos que o Estado para assegurar o ensino, os cuidados médicos ou a justiça. Estará isto certo? E depois quando se escreve que a principal preocupação parece ser sacar dinheiro ao Estado e aos consumidores, alegam que é apenas má-língua e que os SMAS têm de ter recursos para financiar os seus investimentos.
Quarto caso
Igualmente sem qualquer justificação, plausível ou outra, os consumidores devem pagar, de acordo com a nova tabela, uma "Quota de serviço", a qual varia em função do diâmetro do contador. Vai de 5,70€ para os contadores mais pequenos (15mm), até 45,58€ para os maiores (100mm). Dado que os maiores consumidores são os organismos de Estado (Hospital, Quartel, Escolas), estamos perante outra forma dissimulada de saque ao dinheiro dos contribuintes. Neste caso, como nos anteriores, sem qualquer lógica, pois tanto custa fornecer ao Estado como à Autarquia, como aos particulares. Além de que a qualidade da água é sempre a mesma, tal como os seus custos/base para os SMAS, qualquer que seja o diâmetro do contador.
No fundo, trata-se apenas de anular a recente decisão, votada na Assembleia da República, que acabou com o chamado "aluguer do contador". Não podendo legalmente sacar pela porta, os SMAS procuram sacar pela janela.
Quinto caso
Como se não bastassem os excessos de toda a ordem já referidos, que denotam uma situação de claro abuso de poder e de celebração de contratos leoninos impostos por uma posição de monopólio de facto e de jure, os consumidores são ainda obrigados a pagar a taxa de saneamento e a taxa de resíduos sólidos, bem como o respectivo IVA, tudo em função do último escalão atingido. Partem, portanto, do princípio de que mais consumo de água é igual a mais resíduos sólidos. Será mesmo?
Após esta breve abordagem, resta-nos formular uma proposta susceptível de tornar as coisas mais justas para todos, e eventualmente até mais baratas. Naturalmente que deverá ser apresentada, para discussão e votação, nos locais próprios -a Câmara e a Assembleia Municipal.
É a seguinte: Em vez de dispender verbas com a compra de contadores, instalação de contadores, contagens, fiscalização, determinação de escalão, facturação, não seria melhor instituir um preço único por metro cúbico para todos os consumidores, calculando-se os consumos de água em função dos consumos de electricidade, e apresentando a facturação em conjunto. Aqui fica a ideia, à disposição de quem a quiser usar. Pensamos que poderá não ser aprovada nos próximos tempos, mas é para aí que caminhamos. O tempo das decisões incorrectas está a acabar, por força das circunstâncias, sendo que, perante a lei e na altura de votar, somos todos iguais. Convém não esquecer.


1 comentário:

Anónimo disse...

Não desmerecendo a aturada dissecação das causas que levam a este (por alguns considerado) exagerado aumento do preço da água no concelho de Tomar, apetece-me simplesmente dizer que os SMAS, qual empresa comercial com fins lucrativos, não pretende senão equilibrar as contas tão desreguladas que estão mercê da falta de pagamento de alguns utentes.
Tenho a certeza que alguns dos que lerão este comentário sabem muito bem a quem me estou a referir.