terça-feira, 2 de dezembro de 2008

TENTAR COMPREENDER A CRISE

António Rebelo
Universidade de Paris VIII
Este é o primeiro de uma série, que será o mais curta possível, de artigos cujo objectivo principal será facultar, ao leitor atento, elementos que lhe permitam entender o mundo, o continente, o país e a cidade em que vive, no que se refere à economia, na sua dimensão política. Dado que escrevo directamente no computador, sem rascunho nem apontamentos prévios, não me é possível, neste momento, saber quantos artigos serão necessários. Apenas garanto, como implicitamente referi acima, que procurarei ser, simultaneamente, o mais completo e o mais sucinto possível. Vamos a ver se conseguirei.
Antes de entrar no tema, permitam-me alguns pontos prévios, para melhor entendimento do que virá a seguir. O primeiro é este: Se o leitor se sente algo desanimado, ou mesmo desorientado, por não entender grande coisa, ou mesmo nada, sobre a crise e o ambiente social que o rodeia, não desanime, pois tudo indica que faz parte de uma larga maioria. Só que os outros não dizem nada, para não darem parte de fracos. Repare: Só nos jornais de hoje, para não ir mais longe, enquanto o jornalista Miguel Gaspar, na última página do Público, escreve que "Aquilo que aprendi com Panoramix, o druida de Astérix -"não esfoles a pele do urso antes de o ter caçado"- teria sido uma melhor ajuda aos gestores do capitalismo do que os MBA (Mestrado em Administração de Negócios) em que aprenderam a fabricar produtos financeiros que nem os próprios conseguem compreender", no DN, o outro jornal de referência do país, Mário Soares afirma que "Os dirigentes políticos europeus devem compreender que o paradigma económico está a mudar, acelerada e radicalmente." E logo mais adiante, "Os dirigentes europeus tradicionais ou compreendem a mudança -e procedem em conformidade- ou estão condenados a desaparecer de cena." Estamos, portanto, muito bem acompanhados, os que procuramos ir compreendendo o filme da crise, à medida que ele vai correndo.
Em segundo lugar, convém estar sempre de sobreaviso em relação a algumas armadilhas correntes, no entanto conhecidas unicamente pelos mais advertidos. Desde logo, a divisão disciplinar do saber humano, cada vez mais vasto, que está na origem de vocabulários específicos e conceitos próprios, muito raramente coincidentes com os das disciplinas vizinhas. Um antropólogo, por exemplo, preferirá sempre as afirmações de outro antropólogo às de um sociólogo. O mesmo sucedendo com arquitectos e engenheiros, psiquiatras e psicanalistas ou geógrafos e economistas. Isto para não falar da conhecidíssima rivalidade entre politólogos e juristas.
Outro aspecto da mesma questão é a tradicional rivalidade entre as diferentes escolas, muito bem resumida por José Hermano Saraiva, ao dizer que "A melhor universidade é sempre aquela onde nos formámos". E aí tem o leitor a razão porque indiquei logo a abrir qual era a minha.
Ligado à questão anterior, há mais um padrão muito importante a considerar, que é especificamente português. Na universidade onde andei, inculcaram-me que uma pessoa realmente culta, ou especialista nalguma área, é aquela que consegue explicar coisas complicadas com um vocabulário e frases o mais simples possível, para facilitar a compreensão. Agora imagine o leitor a minha surpresa, cada vez que constato que no meu país se ensina exactamente o oposto: Culto ou especialista, é aquele que consegue dizer coisas simples com vocabulário e frases do mais complicado possível, provocando amiúde a conhecida exclamação popular "Não percebi nada do que ele disse, mas falou muito bem!"
Este verdadeiro tique da sociedade portuguesa terá a ver, digo eu, com o desenvolvimento muito recente do ensino universitário em Portugal. Devido a isso, logo antes de cada licenciado, mestre ou doutor, há em muito casos, (no meu, por exemplo), gente rural, por vezes até analfabeta. Daí a necessidade de usar "linguagem fina" para insinuar que se tem verniz , que se "tomou chá no berço", que não se é nenhum rústico ainda com terra nos sapatos, que se é de "boas famílias", o que quer que isso queira dizer.
Passo agora ao tema destes escritos, salvaguardando desde já hipótese de quaisquer lacunas, que procurarei suprir, na medida das minhas capacidades, se receber mensagens nesse sentido.
A crise-matrioska
Quando se fala de crise e de agravamento da crise, ou que vem sendo cada vez mais frequente, o mais importante será saber, antes de mais nada, que estamos perante uma crise-matrioska, ou crise-boneca russa. Para quem não saiba, esclareço que a matrioska é uma boneca tradicional russa, em madeira de bétula, muito colorida. A particularidade destas bonecas é que são ocas, tendo cada uma no seu interior várias outras, cada uma mais pequena do que a exterior/anterior. Pois imagine o leitor que com a crise que atravessamos sucede exactamente o mesmo: dentro da crise mundial, dita Crise dos Subprimes, há várias outras, cada uma com as suas cracaterísticas e causas próprias. É que tentarei mostrar no próximo artigo, que este já vai longo ou, em linguagem popular, tipo peixe-espada (comprido e chato).

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