António Rebelo
Apresentaram-se anteriormente noções conceptuais indispensáveis para a boa compreensão destes textos. É, por isso, de toda a conveniência ler previamente os artigos 1 e 2. Após a relações entre os crentes de algumas religiões e o dinheiro, bem como o desejo mimético, segue-se a ideia de racionalidade, que estamos mais habituados, aqui na Europa, a ouvir designar como lógica ou coerência, que, para este caso, são sinónimos.
Desde a mais tenra idade que nos habituaram a separar os seres vivos em duas grandes categorias: de um lado o homem, animal racional, do outro os animais irracionais. Acontece, como decerto já se deram conta, que as coisas nunca foram, nem são assim tão nítidas e simples. Procurando aprofundar este conceito, o Prof. Robert Aumann, Nobel de Economia 2005, catedrático da Universidade Hebraica de Jerusalém, fundou e dirige, nessa institução, o Centro para o estudo da racionalidade.
Disse ele, numa recente entrevista ao Expresso, que a actual crise tem a sua origem numa sucessão de actos não racionais, que já veremos mais detalhadamente adiante. Agora julgo ser mais adequado entrar com alguns exemplos, para evitar dúvidas. A minha amiga Odete das Farturas, com quem debati alguns destes tópicos, portou-se como portuguesa que é. Pegou numas ideias alheias e, sem mais nem porquê, publicou-as, como se fossem de todos. Já está, já está, mas aqui fica o reparo, naturalmente sem acrimónia, para que ela não deixe de continuar com a sua escrita peculiar.
Além dos exemplos do tabaco e das prostitutas (ver a Crónica da Odete das Farturas) temos, aqui em Tomar, outro exemplo flagrante de acto ilógico, incoerente ou não-racional -o dos TUT, Transportes Urbanos de Tomar. Neste caso, se falarmos com os autarcas que nos governam e que votaram favoravelmente aquele serviço, todos dirão que são defensores do ambiente, da poupança de combustível, do controlo da despesa pública, da redução de CO2, contra a poluição e pela saúde da população. Ora ocorre que, à luz de qualquer destas posições, a decisão que
tomaram carece em absoluto de racionalidade. Significa isto que se trata efectivamente de um comportamento totalmente desprovido de lógica, de coerência, ou de racionalidade? Não tanto assim. Os nossos autarcas poderão não ser excelentes, mas são, em geral, pessoas ponderadas, às vezes até em demasia.
Tudo depende, como sempre, do ponto de vista ou ponto de focagem, pois estamos perante construções teóricas prévias, que depois foram levadas à prática, sem que todavia tenham sido tidos em conta todos os aspectos positivos e negativos. No caso em apreço, se em vez de nos focarmos no ambiente e assim, formos para o sistema político, tudo se torna lógico. Na realidade, o que os autarcas procuraram, ao votar favoravelmente a implementação dos transportes urbanos, foi agradar aos eleitores, de modo a assegurar, na medida do possível, a sua futura reeleição.
Também no caso do tabaco e da prostituição, já referenciado anteriormente, estamos perante actos não-racionais, se considerados em termos de longo prazo, mas perfeitamente lógicos e coerentes quando o prazer imediato se sobrepõe a tudo o resto.
Mas vamos finalmente às crises, que já não é sem tempo! Conforme citado acima, Aumann pensa que a actual crise mundial, designada genericamente "Crise dos subprimes", tem a sua origem em sucessões de actos não racionais, estando persuadido que não é tão grave quanto parece, pois está sempre a ser empolada pela comunicação social. Para ele a crise começou com os incentivos aos gerentes bancários, concedidos em função dos contratos de empréstimo efectuados. Como sabemos, em geral, os governos propugnam o constante alargamento das facilidades de crédito, baseados na máxima Keynesiana segundo a qual "quando a construção vai bem, tudo vai bem". Acontece que, se a acção governamental directa é fundamental nas obras públicas, no domínio da habitação e de outros equipamentos rentáveis, a iniciativa privada é preponderante, sobretudo nos países anglo-saxónicos.
A presente crise terá surgido nos USA porque, tanto o governo federal como os estaduais, encorajaram a todos a compra de habitação própria, como forma não declarada publicamente de manter um nível confortável de actividade económica. Nesse sentido, foram criados, com o aval do governo federal, dois gigantes do crédito hipotecário, conhecidos ambos pela sigla FM, com as mesmas funções, mas com nomes e redes de balcões diferentes. Estou a referir-me a Fanny Mae e Fredy Mac. Estes dois mastodontes, uma vez satisfeita aquilo que se designa como procura solvável, ou seja uma vez efectuados os empréstimos a quem realmente dispunha e dispõe de meios para os reembolsar, foram forçados pela sua lógica particular de quanto mais empréstimos melhor, a passar aos empréstimos de alto risco, o mesmo é dizer aos empréstimos a conceder a quem logicamente os não pode pagar. Tudo indica, agora, que foi o primeiro passo rumo à actual tempestade, que ainda ninguém sabe quanto tempo vai durar, ou como acabar com ela. No próximo texto completarei este raciocínio e procurarei explicar o que é isso de crise do subprime e activos tóxicos. Até lá.
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