domingo, 14 de dezembro de 2008

TENTAR COMPREENDER A CRISE - 8

António Rebelo
Na abordagem anterior, após brevíssima súmula de alguns períodos da nossa história económica, concluímos que a crise é, entre nós, o estado normal e permanente, acrescentando que a situação presente tem remédio. Entretanto, a crise foi evoluindo a nível mundial, e o nosso país, naturalmente, não ficou imune. Convém, por isso, tentar fazer o ponto da situação.
Para melhor se fazerem entender pelos leitores, os economistas, em particular os que praticam a divulgação da sua disciplina, como os jornalistas económicos, por exemplo, costumam usar "bengalas" ou "muletas", mais propriamente imagens figuradas ou figuras de estilo. Até aqui, as alegorias mais correntes eram o "efeito dominó", o "efeito cascata", o "efeito bola de neve", o "efeito mancha de óleo" e o "efeito castelo de cartas". A presente crise, que tudo indica estar para durar, embora se ignore até quando, já facultou uma nova figura de estilo, para traduzir a sua extrema gravidade. Agora e doravante, economistas e jornalistas, económicos ou não, escreverão "efeito tsunami" para classificar o que está ocorrendo, tanto na economia real como na financeira. Já esta semana, por exemplo, o conceituado analista Nicolau Santos, numa peça encabeçada por "Lutar para sair da idade do gelo da economia mundial", dividiu os economistas em três grandes grupos, tendo em conta as respectivas atitudes perante esta crise.
Segundo o referido analista, surge primeiro o grupo dos analistas que acreditam em milagres. Para estes, acrescenta, trata-se apenas de um pequeno aperto. Lá para o final de 2009, já tudo terá regressado à normalidade, pelo que iremos poder continuar com o usual estilo de vida, com crédito barato e abundante, matérias primas ao preço da uva mijona, as bolsas sempre a subir, o poder de compra sempre a aumentar.
Logo a seguir, aparece o grupo dos economistas optimistas. Dada a actual conjuntura, hoje em dia pode considerar-se um optimista todo aquele que afirma não serem as coisas assim como dizem os dos milagres, nem tão- pouco como vaticinam os pessimistas, pois a economia europeia está a entrar em recessão, mas esta acabará progressivamente, na melhor das hipóteses, no segundo semestre de 2010.
O terceiro grupo é o dos pessimistas, composto por todos aqueles que fazem comparações com o sucedido há poucos anos no Japão. Conforme devia ser do conhecimento geral, mas não é, entre outros motivos porque os japoneses são pouco praticantes ou apreciadores de futebol, aquele país padeceu de grave crise nos anos 90 do século passado, tendo estado dez anos com taxas de juro reais nulas, ou mesmo negativas, sem todavia conseguir que a economia voltasse a arrancar. Pois os pessimistas pensam que nos vai acontecer o mesmo. Que podemos vir a conhecer com o crédito o mesmo que sucedia na antiga União Soviética, onde as botas eram muito baratas, mas nunca havia botas.
Qualquer que seja o grupo que vai ter razão, para nós a situação é clara. Já estávamos em crise antes, vamos continuar em crise depois. As actuais medidas anti-crise tomadas pelo governo, bem como o auxílio à banca, mais não são que a tradução, à medida das nossas modestas capacidades, (representamos apenas 1,2% do PIB dos 27), daquilo que já decidiram todos os países ocidentais, os USA, a Austrália, o Japão, a China ou a Coreia do Sul. Destinam-se basicamente a amortecer os efeitos da crise. Não propriamente a acabar com ela. Trata-se de medicina paliativa e não curativa. Em Portugal, cuida-se basicamente, dada a situação anterior à crise de origem americana, de evitar o encerramento de empresas e de combater o desemprego na medida do possível, tendo em vista, igualmente, (ia a escrever sobretudo, mas não tenho a certeza), os actos eleitorais do próximo ano.
Tudo visto e ponderado, é já certo que, quanto mais longa e profunda for a crise, maiores serão os sacrifícios que teremos de fazer depois, para voltar a reduzir o défice orçamental crónico, entretanto singularmente agravado com estas medidas de emergência. E oxalá este autêntico mar de dinheiro, posto à disposição pelos governos, não venha a provocar uma futura inflação galopante, ou hiperinflação.
Para todos os leitores que gostam de tentar compreender a sociedade em que vivemos e para onde caminhamos, tomo a liberdade de aconselhar dois pequenos livros. O primeiro, O DEVER DA VERDADE, Medina Carreira e Ricardo Costa, Editorial D. Quixote, 14 euros, já vai na 7ª edição. Como é sabido, Medina Carreira já foi Subsecretário de Estado do Orçamento e Ministro das Finanças. É um pessimista lúcido e bem documentado, que sabe do que fala. Eis um pequeno excerto, para abrir o apetite: "A "luta" entre os trabalhadores e os capitalistas deixou de estar presente, substituída que foi pelo enfrentamento dissimulado entre os políticos, os funcionários, os pensionistas e os subsidiados pelo Estado, por um lado, e os contribuintes, por outro." (pág. 104). Como diria o Pessa: E esta hein?! Até parece que o autor vive em Tomar, acrescento eu.
O outro livro tem por título "OS MITOS DA ECONOMIA PORTUGUESA", Álvaro Santos Pereira, prefácio de Nicolau Santos, Editora Guerra e Paz, 15 euros. É de Maio deste ano e já vai na 3ª edição, coisa rara para livros de economia. O autor é professor de Economia numa Universidade canadiana e escreve num estilo descontraído, ao alcance de todos. Aqui vai uma amostra, só para começar:"Existe uma regra de ouro com a qual deve estar munido sempre que ouve falar um economista ou, sobretudo, um político. Se esse economista ou político lhe prometer uma receita mágica, se lhe disserem que existem uns pozinhos milagrosos para os problemas da economia portuguesa, a primeira coisa que deve fazer é desconfiar. A seguir, a segunda coisa é lembrar-se da regra de ouro da boa educação económica: não existem receitas mágicas. Quem lhe disser o contrário ou está a mentir, ou os seus conhecimentos de Economia são provavelmente questionáveis." (pág. 29).
No próximo artigo escreveremos sobre a crise tomarense. Finalmente! Até lá.

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