terça-feira, 9 de dezembro de 2008

TENTAR COMPREENDER A CRISE - 6

António Rebelo
Duas questões prévias, a abrir: 1 - No anterior texto sobre este tema, na 5ª linha, onde se lê
"falências, consumo e desemprego a aumentar", deve ler-se falências a crescer, consumo a baixar e desemprego a aumentar. Bem sei que, por estas bandas, nunca se enganam e raramente têm dúvidas. Por mim, prefiro a que diz que só não erra quem não faz. 2 - No blogue do Templário, o mais vivo da zona, mas de qualidade oscilante como não podia deixar de ser, alguém asseverou que ando a escrever textos estéreis, que ninguém lê nem entende. É possível. Mas eu ainda acredito na espécie a que pertenço. Por isso, vou escrevendo, nem que seja só para arquivo, persuadido de que se não escrevesse é que ninguém teria ocasião de ler e perceber ou não. As suputações são coisas demasiado sensíveis para serem manejadas sem cautelas.
A recessão que agora começou a afligir a Europa, e tem tendência para se agravar, e persistir pelo menos até ao segundo semestre de 2010, de acordo com os dados disponíveis neste momento, teve início nos USA em Dezembro de 2007. Soube-se só agora, porque na Economia acontece o mesmo que na Meteorologia: fazem-se previsões, mas certezas só as há após as medições. Foi o que sucedeu neste caso. Dado que a recessão é a situação em que o produto interno, em vez de crescer, diminui, traduzindo-se em menos emprego, menos consumo, menos exportações, etc. só quando feitos os respectivos cálculos à posteriori se pode ficar com a certeza.
Como já referido anteriormente, antes de ser vítima do contágio da crise dos subprimes, a Europa enfrentava uma crise de contornos diferentes mas igualmente complicada, com origem no seu modelo social. Para melhor entendimento da questão, convém referir que a designação genérica Europa é, tanto em economia como no resto, uma simplificação que pode arrastar problemas de vária ordem. Na verdade, não há uma Europa mas várias, cada uma com os seus problemas específicos. Apenas na área económica, temos a Europa do euro, ou dos 12, a Europa do Norte, a Europa de Leste, ou a Europa dos 27. Na parte que nos diz directamente respeito, fazemos parte dos 12, mas estamos no grupo da Europa do Sul, católicos e ortodoxos, olhados com sobranceria pelos da Europa do Norte, protestantes. De tal forma que, em Bruxelas, capital da burocracia europeia, de onde nos vêm os fundos, que nem sempre sabemos aplicar da melhor forma, somos designados por porcos, havendo até uma "explicação" para tal epíteto. Para eles, Europa do sul é = a Portugal, Itália, Grécia e Espanha, por esta ordem, tendo em conta a fuga aos impostos, a qualidade dos serviços públicos, as mafias, etc. Pois acontece que, em inglês, a língua cada vez mais dominante, Portugal, Italy, Greece, Spain = PIGS = PORCOS. Ou seja: Só nos interessam os fundos europeus para irmos engordando. O resto que se marimbe. Retrato exagerado? Sem dúvida, mas não tanto assim.
Ainda em 2007, enquanto a Alemanha e os países do norte tinham orçamentos equilibrados, e a Espanha tinha um excedente de 22 biliões de euros, a França, a Itália, a Grécia e Portugal lutavam com problemas de défices excessivos, com temor das eventuais sanções daí advenientes. Não eram os únicos entre os 27, mas contituiam o grupo dos maus alunos da zona euro. No entanto, dado que dois dos principais prevaricadores, a França e a Itália, fazem parte do chamado "núcleo duro", ou "grupo dos fundadores", ou "grupo dos 6", a Comissão Europeia, para mais dirigida por Durão Barroso, foi "fechando os olhos" e escamoteando as recomendações da Alemanha, da Holanda e do BCE.
Entretanto a crise agravou-se singularmente. Houve falências bancárias importantes e salvamentos em catástrofe, tanto nos USA como na Europa, a Islândia declarou a bancarrota e vários governos europeus entraram em pânico, embora procurando ocultá-lo dos seus eleitores. Facto sem precedente, o Banco Central Europeu, guardião da ortodoxia alemã e inimigo declarado da inflação, viu-se forçado a inverter completamente as suas prioridades, baixando drasticamente as taxas directoras e passando a aconselhar implicitamente o aumento dos défices, em vez da redução dos mesmos, como forma desesperada de injectar liquidez no mercado para conseguir o seu relançamento. Temos assim que, no momento em que escrevo, ninguém sabe ao certo o que se poderá vir a passar nos próximos tempos, nem qual a previsível duração da crise. Uns temem que não bastem as fenomenais injecções de capital (só a Espanha distribuiu 16 biliões entre os seus contribuintes) e as importantes descidas de juros. Outros, pelo contrário, começam a alarmar-se com a hipótese de toda essa liquidez poder vir a provocar hiperinflação, uma coisa horrorosa para os alemães, que se recordam ainda da crise de 1923, quando os operários iam receber os salários com sacos de 50 quilos e/ou carrinhos de mão, para transportar as notas, e que veio a permitir a incrível ascensão do nazismo, na origem da 2ª guerra mundial.
Enquanto o prémio Nobel Aumann opina que "não há motivos para tanta preocupação", outro prémio Nobel, James Mirrlees, afirma que vamos ter "três ou quatro anos de recessão" e a analista chefe do Banco Morgan Stanley, Elga Bartsch, considera que "A verdade é que ninguém sabe como é que as coisas vão evoluir".
Num ambiente tão sombrio e instável, P.A. Delhommais, um dos "crânios" da Escola de Economia de Paris, escreveu recentemente "...Também podemos encarar o pior. Há muito por onde escolher. A começar pela expansão dos protestos populares na China, país que necessita
de um crescimento anual da ordem dos 8%, para poder absorver anualmente os 20 milhões de pessoas que entram no mercado do trabalho. De acordo com os cálculos mais recentes, poderá não chegar sequer aos 6% no fim de 2008. O que será da economia mundial, se a sua principal fábrica entra em greve?"
No próximo texto, abordarei a presente situação da economia portuguesa, para mais tarde passar à economia tomarense. Até lá.

2 comentários:

templario disse...

Não resisto a, de vez em quando, dar uma volta por Tomar, de onde sou natural, mas os preços dos combustíveis, portagens, hospedagem (não tenho aí pousada nem mansão) dificultam cada vez mais esse gosto. É a "Crise". E a crise, ao contrário do dizer oficial, não toca a todos; no meu caso, infelizmente, nunca fui tomado pelo "desejo mimético" de ser abastado, essa teoria por si revelada para justificar como o mundo pula e avança. Tenho lido abundantemente sobre mimética, relacionada com a origem e formação do pensamento humano e com as artes do espectáculo e estava longe de supor que tivesse conotada com a actual "Crise". Estamos sempre a aprender.
Por isso vou contornando os seus efeitos e faço viagens virtuais à cidade através da blogosfera, elegi o blog do jornal "O Templário" que expressa bem o que por aí se vai passando e foi através dele que tomei conhecimento de que no seu "Tomar a dianteira" a "Crise" ia ser analisada, partindo do mais geral para o mais particular, como quem viaja do céu à terra. Seria expectável que a área de comentários reflectisse a importância e oportunidade do seu esforço intelectual, que respeito e saúdo, mas a ausência de participação não o deve esmorecer. Sugiro que permita o acesso à participação anónima. As pessoas são hoje muito vigiadas sobre o que dizem, o que pensam, em que debates se envolvem. Era suposto que assim não fosse, mas é a realidade.
O seu trabalho sobre a "Crise", que já vai no sexto capítulo, precisa de debate e se aparecer um ou outro trauliteiro só lhe acrescenta vivacidade, colorido, humor e controvérsia. Não tenho por agora opinião favorável, não estou a cocar onde quer chegar nem a sua linha mestra de pensamento; não entendo onde se podem encaixar as éticas católica e protestante de Max Weber (que já li, mas não estudei). Tenho a sensação que está um pouco perdido. Vou continuar a ler os próximos capítulos e espero que explicite melhor essa coisa do "desejo mimético" como motor da história. Se, entretanto, me sentir à altura de uma crítica mais elaborada, fá-la.ei.
Cumprimentos.

templario disse...

Onde se lê, "longe de supor que tivesse conotada",
deve ler-se "longe de supor que estivesse conotada"