António Rebelo
Em abordagens anteriores, escreveu-se sobre a crise nos USA, e depois a respeito das suas consequências na Europa, cuja crise é diferente e anterior, mas se agravou singularmente por contágio da norte-americana no início, mas agora mundial e sem resolução à vista.
No que concerne a Portugal, é sempre complicado tentar explicar, de forma tão isenta quanto possível, qualquer situação desagradável, porque estamos cá dentro e fazemos sempre parte do problema e/ou da solução, quer queiramos ou não. Em economia é ainda mais grave, pois como é sabido, a culpa é sempre "deles" e nunca "nossa".
Ainda a entidade política chamada Portugal não existia, nem viria a existir nos séculos seguintes, já as coisas não iam nada bem, conforme mostra um episódio conhecido, narrado em quase todas as obras sobre ciência política ou história económica. Nos primeiros séculos da era cristã, há portanto 20 séculos, as legiões romanas dominavam quase toda a Península Ibérica, em nome do Império sediado em Roma. Por essa altura, um viajante romano culto escreveu que "no ocidente da península vive um povo, os lusitanos, que não se sabe governar, nem deixa que o governem." Passaram os séculos, mas a situação pouco mudou no aspecto governativo, sendo cada tentativa de alteração, ainda que para melhor, criticada até à exaustão, e anulada na prática quotidiana sempre que possível.
Seria fastidioso e deslocado apresentar aqui o longo rosário dos nossos erros, e consequentes padecimentos, na área económica, ao longo da história. Avançam-se apenas alguns, a título de exemplo.
A nossa maior empresa de sempre, a dos Descobrimentos, tem andado envolta em alguma confusão histórica e económica. No domínio da História, não corresponde à verdade que as coisas tenham sido lideradas pela Coroa até à morte de D. Manuel I, em 1521. Tal equívoco parece provir do facto de o soberano ter sido mestre da Ordem de Cristo bem antes de herdar a coroa. Ora, como é geralmente consensual, foi a citada ordem militar que sempre dirigiu a empresa, até ser reformada e, posteriormente, integrada na coroa. As cruzes que sempre figuravam nas velas das caravelas, não permitem qualquer dúvida sobre o assunto.
Da mesma forma, na área económica, o próprio Infante D. Henrique foi claro na sua crónica, escrita por Zurara. A empresa das descobertas e navegações, lê-se nessa obra, foi custeada pelo senhor infante, com as rendas da Ordem de Cristo e cabedais da sua casa.
Consideram os portugueses em geral, produtos do ensino que por cá se ministra, que os Descobrimentos foram uma importante fonte de riqueza desde o início, com os escravos, o ouro e o açucar, primeiro; a pimenta, a canela e outras especiarias, mais tarde. É possível que assim tenha sido para alguns. Em geral, porém, as coisas foram bem sombrias. A tal ponto que à sua morte, em 1460, o Infante deixou dívidas de tal monta que só vieram a ser saldadas pelo seu sobrinho-neto D. Manuel I. E nem valerá a pena detalhar as astúcias várias do senhor Infante, Governador e Administrador Perpétuo da Ordem dos Cavaleiros de Nosso Senhor Jesus Cristo, sucessora dos Templários, como se sabe, no sentido de escapar aos impostos decretados sucessivamente por seu pai, seu irmão e seu sobrinho-neto. Este comportamento, da parte de um estrangeirado, filho de mãe inglesa, vem demonstrar alguns dos traços característicos da classe dirigente nacional, em termos de atitude cívico/económica. E seria errado pensar que D. Manuel I, uma vez liquidadas a dívidas deixadas pelo Infante, nunca mais teve problemas económicos. Apesar das sumptuosas embaixadas ao Papa e de uma vida de luxo na corte, a verdade é que o casamento de sua filha, D. Isabel, com o imperador Carlos V, teve de ser adiado vários meses, porque a coroa portuguesa não dispunha de fundos suficientes para pagar o dote combinado.
Rei após rei, século após século, a situação de má administração e consequente penúria geral foi-se mantendo, mesmo no auge da exploração brasileira, a qual permitiu a construção do Convento de Mafra. A cada aflição, recorria-se aos empréstimos externos, regra geral assegurados pelos britânicos, que várias vezes para cá despacharam tropas, como forma de garantir a ordem pública, a cobrança de impostos, e o reembolso das dívidas. Ainda hoje, não é por acaso que a parte coimbrã além-Mondego se chama Guarda Inglesa. Pode-se afirmar, por conseguinte, sem ponta de exagero, que a crise económica é em Portugal algo de praticamente permanente.
Já na época contemporânea, os militares que em 1926 resolveram tomar o poder, marcharam de Braga sobre Lisboa para impor ordem no país e garantir o pagamento atempado dos seus soldos. Por isso, alguns anos volvidos, desesperados por não terem conseguido grandes resultados, resolveram chamar, para Ministro das Finanças, um obscuro ex-seminarista e professor da Universidade de Coimbra, de seu nome António de Oliveira Salazar. O que se seguiu é conhecido de todos, ou pelo menos dos mais velhos.
Já depois do 25 de Abril, as coisas pouco ou nada melhoraram. Por duas vezes estivemos à beira da cessação de pagamentos e fomos obrigados a recorrer à ajuda do Fundo Monetário Internacional, o qual, como sempre, receitou "remédio de cavalo": aumento de impostos, deflação, desvalorização da moeda. O próprio Cavaco Silva usou, tal como os seus antecessores, da chamada "desvalorização deslizante", como forma de ajudar a incrementar as nossas exportações e, simultaneamente, encarecer as importações e diminuir o consumo.
Mesmo com a entrada na zona euro, as coisas não melhoraram na área económica. Pelo contrário. Com a brusca redução das taxas de juro, os portugueses rapidamente se habituaram a viver acima das suas reais possibilidades, com recurso permanente ao crédito, obrigando os bancos a endividar-se no exterior, devido à muito fraca poupança interna.
Não podendo recorrer à usual arma da desvalorização, para limitar as importações e incrementar as vendas ao exterior, pressionado por Bruxelas para equilibrar as suas contas, de forma a conseguir, de forma durável, um défice inferior a 3% do PIB, o governo resolveu, entre outras medidas impopulares, aumentar o IVA para uma taxa que era e é a mais elevada da Europa, mesmo após a redução de 21 para 20%. A título comparativo, os franceses pagam 17, os espanhóis 16, os ingleses 15, os americanos 12 e os canadianos 6%. Significa isto que a crise portuguesa tem características muito particulares, que nos aproximam mais da Islândia que da Europa, e nos teriam já arrastado para a bancarrota se estivéssemos fora da zona euro. Situação sem esperança? Certamente que não. Como costuma dizer o povo, só a morte é que não tem remédio. É o que veremos na próxima intervenção. Até lá.
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