António Rebelo
Peço licença aos leitores para iniciar com alguns recados prévios, tão sucintos quanto possível. 1- Desculpem as gralhas na parte final do texto de ontem, que não corrigi por motivo alheio à minha vontade. 2 - Comunicaram-me que um amável leitor disse, no Blogue do Templário, (o mais animado da blogosfera nabantina, pelo menos desde o desaparecimento, ainda sem explicação, do Conde do Flecheiro), que iria certamente referir-me, neste trabalho, à Revolução Francesa, uma vez que estudei em França. Dado que o Cão Tinhoso foi mandatado para responder e seguir esse blogue, mas renunciou ao mandato, após ter lido uma mensagem de desagrado para com a sua actuação, veio dizer-me para escrever eu a resposta conveniente. Como não tenho as calças nem as pernas no seguro, e ele tem os dentes grandes e afiados, acedi imediatamente, pelo que aqui vai. Sobre o aludido tema, limitar-me-ei a reportar dois episódios, devidamente documentados,
para ilustrar duas situações portuguesas, que todos conhecemos.
Logo no início do levantamento popular, em 14 de Julho de 1789, um mensageiro foi ao Palácio Real de Versalhes, onde estavam a família real e a corte, para comunicar os acontecimentos a decorrer em Paris e pedir providências. Recebido pela raínha, esta interrogou-o: -Mas afinal, que querem eles?! -Dizem que não há pão, magestade! -Ora essa! E porque não comem bolos?! Entretanto, o rei aproximara-se e indagou -É então uma revolta?! -Não, magestade! É uma revolução!!
Mais tarde, quando as cabeças do rei e da raínha já haviam caído no cesto da gilhotina, centenas de condenados ao suplício supremo continuavam a atravessar as ruas de Paris, em cima de toscas carroças. O povo gostava e aplaudia com entusiasmo. Foi então que alguém gritou, entre a numerosa assistência: -Não aplaudam!!! As próximas carroças podem muito bem vir a ser as vossas!!!
E aí temos, no primeiro caso porque aconteceu o 25 de Abril, no outro porque houve necessidade do 25 de Novembro.
3 - Procurando obviar eventuais equívocos, esclareço que estes textos não são futurologia, nem programas partidários, nem eventuais soluções seja para o que for. Apenas procuram facultar elementos de reflexão para tentar perceber a crise, como o título geral indica.
4 - Aconselha-se vivamente a leitura prévia do texto de ontem, para melhor entendimento deste. E vamos ao principal.
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Já vimos que a actual crise,
tal como muitas das anteriores, bem vistas as coisas, é do tipo boneca russa. Abrindo a maior encontramos outra mais pequena, e assim sucessivamente. No nosso caso, dado o âmbito e os objectivos previamente fixados, apenas vamos reter quatro bonecas, que o mesmo é dizer quatro crises: A crise mundial, a crise europeia, a crise portuguesa e a crise tomarense. Para a respectiva abordagem analítica caso a caso, vou ser forçado a usar alguns conceitos e referências pouco usuais em Portugal. Acreditam que o faço unicamente por me parecerem os instrumentos mais adequados, e não por puro pedantismo. Afinal nem sequer tenho nada a ganhar, a perder ou a demonstrar.
O primeiro conceito é sobre a relação entre os católicos, os protestantes, o dinheiro e a política. Quem esteja interessado neste tema pouco estudado, deve ler Ética católica e ética protestante, de Max Weber (existe uma tradução portuguesa). Segue-se o de "desejo mimético", que pode ser lido desenvolvidamente em Des choses cachées depuis le début des temps, de René Girard (sem tradução portuguesa, que eu saiba), finalmente a "noção de racionalidade" em Teoria dos
jogos, de Robert Aumann (sem tradução portuguesa, mas pode-se consultar a entrevista dada recentemente ao Expresso Economia).
Quanto ao primeiro conceito, penso ser do conhecimento geral que os católicos e/ou ortodoxos, tal como os muçulmanos, têm uma relação "complicada" com o dinheiro, que é visto como um bem algo pecaminoso. Durante séculos, a igreja de Roma proibiu formalmente a usura como um pecado grave. Só os Templários foram autorizados a emprestar dinheiro e cobrar custas, o que, se fez o seu poderio, ditou igualmente a sua perda. Na mesma linha, ainda hoje os bancos maometanos não emprestam dinheiro a juro, recorrendo a mecanismos bem mais complicados.
Inversamente, os protestantes sempre se deram bem com o dinheiro, tal como os judeus. Para eles, ganhar dinheiro é uma forma de honrar a Deus. Por isso verificamos que, enquanto em Portugal, país católico, ninguém sabe bem quem ganha o quê, na Suécia ou nos outros países nórdicos, todos protestantes, qualquer pessoa pode consultar a lista dos contribuintes, publicada anualmente, com as somas desembolsadas por cada um.
O que acabo de escrever parece não ter, à primeira leitura, nada a ver com a política.Mas não nos iludamos. Um grande pensador francês, René Girard, há muito radicado na Califórnia, onde deu aulas em Berkeley, mas ignoro se ainda é vivo, proclamou basta vezes que o mundo sempre avançou e avança graças ao "desejo mimético", em palavras mais simples, graças à cobiça, à inveja, ao desejo de imitação. O homem apenas deseja aquilo que o outro já tem. A partir daqui, parece haver uma subtil bifurcação: enquanto protestantes e judeus, por exemplo, vão procurar conseguir ter o mesmo, ou mais que o ou os indivíduos imitados, os católicos e os maometanos procuram em geral agir segundo o condenável credo "se eu não tenho, tu também não podes ter". Assim se compreendem muitas coisas, designadamente a força, actual ou passada, dos partidos comunistas nos países católicos, ortodoxos ou árabes, enquanto nois países protestantes ou em Israel quase não existem, apesar da óbvia liberdade de opinião. Assim se explica igualmente as diferenças de nível de bem-estar entre os nórdicos e os dos sul, na Europa, ou entre Estados-Unidos/Canadá e todos os outros na América. Custa a aceitar, mas é a realidade. Habituem-se, como diz o outro!
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