quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

TENTAR COMPREENDER A CRISE - 9

António Rebelo
Warren Buffet, o americano mais rico do mundo, guindou-se a essa posição limitando-se a jogar na Bolsa. Por tal motivo e dada a sua idade (já ultrapassou os 80) é muito solicitado para dar conselhos, pois quem investiu 10.000 dólares no fundo dele em 1976, tinha antes da crise, no caso de querer vender, um total de 40 milhões de dólares. Reconheça-se, humildemente, que é obra!
Pois o dito senhor da finança, interrogado recentemente sobre a evolução da crise e os vários escândalos dela resultantes, limitou-se a afirmar: -"É quando a maré baixa que se consegue ver quem anda a tomar banho nu". É exactamente o que tem acontecido entre nós (BCP, BPN, BPP) e aqui no burgo, onde a popularidade dos que nos governam, bem como a dos políticos em geral, nunca foi tão baixa, tanto quanto se pode saber pelos contactos quotidianos, sendo certo que não há sondagens. Nem vontade para as mandar fazer. Haverá motivo ou motivos para tal estado de desalento e descrença a nível local?
Já foi dito que a grave crise em curso é do tipo boneca russa. Dentro de cada uma há várias outras. No caso tomarense assim acontece. Aos efeitos da crise mundial, europeia e nacional, há que juntar os da já tradicional crise local. Esta caracteriza-se por um peso cada vez maior do funcionalismo público, com a Autarquia e o Estado como maiores empregadores do concelho. Naturalmente, para assegurar os vencimentos, regalias e meios de trabalho a este grupo de improdutivos, a autarquia vai aumentando tudo o que pode (taxas, licenças, impostos, derramas, tarifas, preços). Daqui resulta, para cada contribuinte, um nível de pagamentos obrigatórios que faz de Tomar o concelho mais caro da região. Confrontado com tal situação, cada um faz as suas contas, sendo bastantes o que resolvem ir habitar para outras paragens mais baratas. Face à subsequente redução da cobrança, o Município é praticamente forçado a decidir novos aumentos, os quais vão provocar nova debandada, e assim sucessivamente. Trata-se do chamado "círculo vicioso", muito frequente no Alentejo, mas neste caso nabantino.
Para se ter uma ideia da real situação económica do Município de Tomar, aconselha-se a leitura atenta da declaração de voto dos Independentes por Tomar, publicada na página 4 do Cidade de Tomar de 12 do corrente. Independentemente de se concordar ou não com a totalidade do documento em causa, com as opções políticas subjacentes, ou com a actuação dos referidos vereadores, tem de reconhecer-se que a citada declaração está bem estruturada, bem documentada e, sobretudo, põe em evidência factos que até provocam arrepios. Eis alguns: No Orçamento para 2009, as despesas com pessoal aumentam 45% em relação a 2007, enquanto a aquisição de bens e serviços, destinados a permitir o funcionamento do "império da papelada" (a designação é minha), aumenta 112,4%, também em relação a 2007. Por este caminho e numa altura em que a crise se acentua a todos os níveis, onde iremos parar?
Para além do constante aumento com a máquina municipal, é visível para todos os munícipes mais atentos que a qualidade dos serviços prestados tem vindo a diminuir progressivamente. Um bom exemplo do que se afirma é a chamada "recolha do lixo". No século passado, com muito menos pessoal municipal, uma carroça adaptada, puxada por uma mula, ia tocando a sineta de rua em rua e de porta em porta, para aceitar e despejar os caixotes de detritos que os moradores traziam à porta. Anos volvidos, já depois do 25 de Abril e com veículos automóveis de caixa aberta, adaptados para o efeito, foram colocados uns contentores grandes ou mais pequenos, praticamente à esquina de cada rua. Ainda mais recentemente, alegando que os novos veículos de recolha de lixo não cabiam nalgumas ruas, acabaram com os contentores mais pequenos, sendo os moradores forçados, sem qualquer consulta prévia, a irem despejar os detritos sólidos cada vez mais longe, bem como a fazer a respectiva separação, de forma a usar os pontos verdes, que ficam ainda mais longe. Neste momento não é possível prever, com segurança, se iremos ficar por aqui, mas tudo indica que não. A usual defesa dos trabalhadores autárquicos, que são numerosos, há-de sempre sobrepor-se ao interesse da colectividade, pelo que o actual estado de coisas também vai perdurar. Estamos assim numa situação curiosa. Quando a recolha do lixo se fazia porta a porta, os munícipes nada pagavam para esse efeito. À medida que os locais de recolha se vão afastando dos utentes, as taxas vão aumentando na mesma proporção. Actualmente já se paga pelo esgoto e pelos resíduos sólidos. Um dia destes, provavelmente, dada a cada vez maior despesa da autarquia, ainda vamos ter de pagar mais uma taxa de resíduos líquidos e uma outra de resíduos assim-assim. Além das actuais, bem entendido.
Tudo isto, que é muito grave, poderia tolerar-se, se houvesse um projecto global devidamente estruturado, quantificado e explicado aos cidadãos, sendo óbvio que na actual conjuntura a grande maioria aceitaria participar na caminhada colectiva, mesmo se dolorosa para os pés e para a bolsa, desde que soubesse qual era o objectivo final do actual mandato. Infelizmente para todos os munícipes, tal não é o caso, antes pelo contrário. Nas "Grandes opções do plano" pode ler-se, na página 5, "...ainda não sabemos exactamente os montantes a receber e que obras poderão ser financiadas." ..."temos que prever realizar o maior número de obras que possam vir a ser objecto de candidatura QREN." Ou seja, em linguagem que o povo entende bem -tudo o que vier à rede é peixe, que a gente não somos biqueiros nem sabemos bem o que procuramos.
Com tal modo da actuação, entende-se perfeitamente a nossa situação de permanete decadência. A qualidade de vida degrada-se se são cada vez mais evidentes as inadequações entre as iniciativas autárquicas, determinadas pela ânsia de obter fundos europeus, e as as reais necessidades dos munícipes. É assim que temos pistas de ciclismo, mas não há ciclistas; campos de ténis, mas não há tenistas; pistas de atletismo, mas não há atletas; ou cinema, mas não há espectadores. Em contrapartida, há campistas e caravanistas, mas não há parque de campismo nem de caravanismo; há investidores, mas não há facililades nem estruturas de apoio; há cidadãos a passar fome e a dormir em casas velhas ou em sanitários públicos, mas não há albergue nocturno em condições, nem refeições gratuitas; a nova ponte está profusamente iluminada, até com luzinhas azuis, num flagrante exemplo de despudorado novo-riquismo, mas o conjunto Convento-Castelo está às escuras. Assim vamos! Ou somos levados?

3 comentários:

templario disse...

Caro António Rebelo.

"No Orçamento para 2009, as despesas com pessoal aumentam 45% em relação a 2007".

Tenho de admitir que está informação é verdadeira, que se fundamenta em dados oficiais. São números que falam por si: 45% de aumento despesas de pessoal de 2007 para 2009 é surpreendente! É muito. É um exagero.

Deveria ter informado qual a percentagem do Orçamento da CML com despesas de pessoal.

Estou a apreciar bastante, neste seu trabalho sobre a "Crise", a parte que se refere à situação local. Gostei também do seu artigo sobre o aumento do preço de fornecimento de água.

Felicito-o pelo seu trabalho. Parece-me ser um munícipe empenhado, participativo e ousado, preocupado com o país e a política local.

Cumprimentos

templario disse...

Onde se lê "CML", deve ler-se CMT.

Anónimo disse...

Para O Templário:

Obrigado pelo vosso amigável comentário. Procuro fazer o melhor que sei, mas falho às vezes, como toda a gente.
Respondendo à questão indirectamente colocada,o Orçamento da CMT para 2009 prevê 10 milhões e 37 mil euros para despesas com pessoal, e 11 milhões 317.645 euros para aquisição de bens e serviços, ou seja para alimentar o tal império da papelada.
Convém também E SOBRETUDO ter em atenção que "Pela primeira vez, o montante das despesas com pessoal, incluindo salários e outros encargos, deixou de ser o mais elevado, passando tal posição a ser preenchida pela...Aquisição de Bens e Serviços (Aquisição de Serviços mais 7,5 milhões), a que não serão alheios a contratação de trabalho especializado, que o Município não pode prover pelos seus meios. (Pág.15 do documento original. As reticências são minhas e indicam supressão. A redacção um bocado "torcida" foi respeitada.
Saúdo-vos cordialmente

Tomaradianteira