A última vez que falei contigo, Fernando, foi na ponte velha. Tu vinhas para cá, para a antiga cidade dos vivos, eu em sentido oposto, rumo à antiga margem cemiterial. Agora, como bem sabes, tudo mudou. A cidade praticamente é do lado de lá, não sendo preciso dizer o resto. Quando aí nos cruzámos estava longe de imaginar que seria a vez derradeira. Mas foi. Ontem soube pelo portal d'O TEMPLÁRIO que nos deixaras para sempre, durante a noite. Em posição fetal, disse a tua filha mais tarde.
Fui ao teu funeral. Simples e humilde como tu. Saiu da capela do cemitério velho -decrépita como a sociedade tomarense e a própria povoação. Sem sacerdote, que tu não terias gostado que o chamassem. Entre cinquenta e cem pessoas a acompanhar-te rumo à última morada. Todos os previsíveis e alguns inesperados, que me abstenho de melhor referenciar. Esteve o senhor presidente da câmara e uma vereadora.
Na hora do adeus final, falou a tua filha, falou o Trincão e falou o Faria. Palavras sentidas. Houve aplausos. Mas nenhum dos três mencionou o que me parece básico: foste toda a vida um democrata sincero e iconoclasta, à moda de antes do 25 de Abril. E passaste pelos calabouços da PIDE, tendo sido abarbatado pelos seus esbirros quando tranquilamente jogavas xadrez, no Paraíso, com o Carlos Loures da Gulbenkian, outro combatente pela liberdade desde antes de 74. É portanto da idade, Fernando. Eram ainda putos nessa altura...
Para surpresa minha, e cuido que da maior parte dos presentes, após as orações fúnebres supra referidas, um conterrâneo aproximou-se com um grande rectângulo de tecido rubro, que lançou na tua campa. Acto contínuo, o coveiro municipal desceu à cova, ajeitou o pano, saiu, benzeu-se e deitou a primeira pá de terra...
Decerto, cumprindo a tradição, o nosso comum amigo e ilustre conterrâneo Luís Maria fará uma lutuosa com outro gabarito, como só ele sabe. Tu mereces. Como poucos.
Entretanto, até um dia destes, meu querido conterrâneo.
Descansa em paz!
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