sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Direito de reclamação

Tomar a dianteira sempre procurou, e continuará a fazê-lo, respeitar a via privada dos cidadãos, cingindo-se tanto quanto possível à esfera pública e política. Nesse caminho livremente escolhido, nunca alimenta ódios pessoais ou de estimação, tal como não persegue ou tenta perseguir quem quer que seja. Apenas tem como objectivo cumprir o seu dever de cidadania, visando o interesse de todos.
Uma cidadã quadro superior na autarquia tomarense entregou em mão um protesto em português escorreito e cordato, devidamente assinado, o que se agradece. Nele lamenta aquilo que considera a junção entre dois conceitos aqui publicados por mais de uma vez, a saber: "Os doze magníficos" e "o polvo municipal." Frisa até, a dado passo, um princípio que em tempos lhe foi inculcado no âmbito escolar pelo autor destas linhas: "A tua liberdade termina onde começa a dos outros." Pois bem, continuando a partilhar tal princípio e aceitando a legitimidade do protesto, é meu entendimento que não havia nem há base para tanto. Como passo a tentar demonstrar.
Escreve a prezada reclamante, com quem já houve entrementes uma cordial troca de ideias, aquando da entrega do protesto, "Desconheço qual o polvo burocrático tomarense a que se refere, ou que na qualidade de dirigente tenha ordenado ou "ordenhado" o que quer que seja, ultrapassando os meus superiores hierárquicos, ao caso políticos, que nunca reportaram ou poderiam reportar tais desmandos da minha parte." Concordando em absoluto, cumpre contudo esclarecer que esse desconhecimento não é partilhado por aqueles cidadãos que já se foram para outras paragens mais amenas, após anos e anos à espera de resoluções. Assim como por aqueles outros que ainda cá estão e se vão sujeitando pachorrentemente ao império da papelada e dos despachos nada despachados.
Nunca esteve nem está no meu espírito a sinonimia polvo burocrático = doze magníficos. Pelo contrário. Sei bem que o animal em causa é um octópode, pelo que se tivesse doze tentáculos seria uma anomalia da natureza. Posso até acrescentar que o referido bicho é já relativamente idoso mas sem  marcas particulares, tendo no entanto crescido bruscamente a partir de dada  altura, quando passou a ter "marques e clipes". Entretanto já perdeu essas características, continuando contudo bastante sadio e activo, conquanto a aguardar melhores dias, que a crise é geral e cada vez mais grave.
Estamos portanto esclarecidos. Nem todos os doze magníficos farão parte do dito "polvo burocrático", por razões próprias a cada um. Resta a execrada expressão "doze magníficos". Num clima de cada vez maior penúria; numa autarquia atascada em dívidas, que os seus dirigentes não sabem como pagar; quando já é um dado adquirido que, nos termos da legislação agora em vigor, pelo menos sete desses dirigentes em comissão de serviço estão condenados a curto prazo, faltando apenas marcar a data da despromoção; a um ano do final do mandato; conseguir que uma maioria política de ocasião aprove um suplemento remuneratório eticamente repreensível, só pode transformar os seus beneficiários em funcionários magníficos, fora de série, cheios de capacidades e de sorte, em contraste com todos os outros, infelizes cidadãos a quem a crise cada vez obriga mais a sacar impostos. E traz obviamente água no bico, que nesta sociedade em que vivemos todos (uns melhor, outros pior) "não há almoços grátis nem ninguém dá nada a ninguém, sem segundas intenções."
Alguns magníficos também não concordam com o abono do tal suplemento? Quiçá. Mas até agora não me constou que alguém se tenha recusado a recebê-lo, o que seria uma excelente forma de manifestar o seu direito à indignação.
Aproveito para cumprimentar cordialmente a reclamante e os seus familiares, lembrando-lhes que são livres de pensar e escrever o que entenderem, desde que assinem por baixo, tal como sempre venho fazendo.
Não gostam de ler certas coisas, mesmo embaladas no anonimato? Pois nem eu gosto de as escrever. Mas exercer o dever de cidadania implica assinalar por vezes coisas menos agradáveis, para que viva e se fortaleça esse bem inestimável que só se gasta se o não usarmos: a liberdade de expressão.
Viva a democracia! Viva a República! Viva Portugal!   

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