segunda-feira, 13 de setembro de 2010

SOARES SOBRE SALAZAR

Do EXPRESSO, com a devida vénia e os nossos agradecimentos:

"O 25 de Abril é sempre apresentado como um corte redentor. Nesta doce narrativa que nos apascenta, a III República desfez o Estado Novo em mil pedacinhos, e reiniciou Portugal. Aliás, muito boa gente acha que só faltou a invenção de um calendário soarista para que o corte com o passado fosse imaculadamente democrático. Mas será mesmo assim? Não, não é. Se olharmos para a história através da lupa toquevilliana, podemos ver várias continuidades entre o Estado Novo e a III República: ADSE (ainda bem), lei das rendas (ainda mal) e, acima de tudo, a Administração do Estado (um pesadelo). É isso mesmo: o esqueleto da democraia é o esqueleto de Salazar.
O Estado de Salazar era autoritário, centralizador e tratava os portugueses como crianças. Após Abril, os nossos distintos democratas acolheram, com prazer e proveito, esse autoritarismo paternalista. A nossa impoluta democracia herdou os caboucos do Estado Novo, e nunca demonstrou vontade para os desmantelar. Ou seja, Soares & Cia. criaram uma contradição em termos: uma democracia pluralista encaixada num Estado autoritário. Aqueles pioneiros, liderados por Soares, nunca quiseram criar um Estado realmente democrático (i.e., mais descentralizado). Soares & Cia. aumentaram e legitimaram o Estado Salazarista, através da entrada dos primeiros boys e através da entrada da língua de trapos que durou até 2010. De repente, o autoritarismo centralista de Salazar passou a ser legitimado pelas sílabas dos "direitos adquiridos" e do "Estado Social". E, claro, os funcionários públicos multiplicaram-se como cogumelos burocráticos. Em 1976 eram 400 mil. Em 2010, ninguém sabe o seu número (700 mil? 900 mil?).
O nosso Estado democrático é, portanto, a versão XXL do Estado salazarista. Só isto já seria mau per si. Mas este thriller político não fica por aqui. Além de terem perpetuado o Estado salazarista, Soares & Cia. criaram um novo monstro: o tal Estado Social. Por outras palavras, um Estado Social insustentável foi edificado em cima da insustentável Administração salazarista. Ora, os apertos que estamos a sentir, aqui e agora, derivam desta irmandade burocrática. A montante, o Estado de Salazar emperra a criação de riqueza (exemplo: os magistrados estão algures em 1966), e, depois, a jusante, o Estado Social e os salários da função pública consomem a pouca riqueza que é criada. É por isso que esta empresa conhecida por "Salazar, Soares & Cia." está a falir."

Henrique Raposo
henrique.raposo79@gmail.com

Nota de Tomar a dianteira:
Bem entendido, esta crónica de Henrique Raposo nada tem a ver com a situação tomarense. Sobretudo, como é do conhecimento geral, porque Tomar sempre foi um concelho de eleitores muito progressistas. É, aliás, por isso mesmo que as actuais relações entre os autarcas e os eleitores são tão boas. Nem outra coisa seria de esperar, numa comunidade humana que avança rumo ao futuro de forma decidida, e somando êxito após êxito, liderada por eleitos locais que souberam elaborar planos estratégicos adequados em tempo útil. Louvados sejam por isso! É certo que as licenças de obras particulares ainda são reguladas, parcialmente, pelo RGEU, o célebre Regulamento Geral das Edificações Urbanas, uma obra-prima do juridismo tacanho, datada dos anos 50 do século passado e subscrita, pois claro, por António de Oliveira Salazar. Mas, graças ao Altíssimo, os autarcas que nos administram são pessoas briosas e de muita coragem, que não se deixam tolher por resquícios de uma passado que não deixou saudades a ninguém. Ou terá deixado?

6 comentários:

Anónimo disse...

Soares também disse de Ceausesco que ele era uma rteferência para a Europa...

Anónimo disse...

Uma análise simplista e pouco rigorosa a que transcreve.
O aumento dos funçionarios publicos teve que ver com a estabilização social pós revolução (tal como em 1910 com a República)e tambem com a integração de funcionários do ultramar. Também a concretização do Estado Social (escolas, hospitais, centros de saúde, segurança social generalizada) precisou de mais funcionários. As nacionalizações meteram mais gente na órbita do Estado! Claro que houve outros exageros como fez Cavaco para "segurar" a maioria absoluta ou Guterres que integrou os tarefeiros (herdados de governos anteriores ou admitidos com pouco critério). Comparar o tempo e o modo de Salazar e Soares só em anedota. De café!
Pedro Miguel

Unknown disse...

Para Pedro Miguel:

Afinal em ficamos? Uma análise simplista e pouco rigorosa? Ou um texto bem escrito, que vai ao cerne da questão?
No seu comentário, bem escrito e muito claro, como sempre, há duas partes. Na primeira, procura justificar, de forma argumentada, o aumento exponencial da função pública. Na segunda, reconhece que houve exageros de vária ordem. Sucede que o autor, que não conheço pessoalmente, não menciona as causas de tal proliferação de servidores do estado, a não ser pela tal sobreposição do estado soarista sobre o esqueleto do estado salazarento. Nestas condições, julgo a sua posição demasiado cómoda, e até habilidosa, pois soube escapulir-se da questão essencial: Tem o país recursos para continuar a suportar tal anómalo estado de coisas? O autor acha que não. Eu partilho da mesma opinião. E você? Em que se baseia?

Cordialmente,

A.R.

Anónimo disse...

Claro que o País não tem recursos, até porque a economia não produz riqueza suficiente. Acontece que não se pode colocar o ònus nos trabalhadores do Estado ou nos mais de 1,5 milhões de reformados portugueses com menos de 65 anos. Aliás, no pós 25/4/74 e confirmado a 11/3 seguinte a "ideia" era construir uma sociedade em que todos seriam funcionários públicos. Reduzir os serviços do Estado sim, mas como? Fechar hospitais e dispensar médicos(veja-se o que está a suceder com as reformas antecipadas)? Fechar mais escolas?
Reduzir polícias?
A imensa maioria dos portugueses não pode recorrer às clínicas privadas e às escolas particulares (a menos que sejam subsidiados pelo...Estado). Também não pode contratar segurança privada.
O assunto merece o estudo atento que políticos não têm sido capazes de fazer nas últimas décadas. Apesar de Medina Carreira, por exemplo, ter razão, as medidas que sugere implicariam (digo eu) colocar o exército na rua; ou seja, não são solução! Quanto a Soares, continuação de
Salazar, claro que o País é o mesmo e os portugueses e seu vícios não mudam no momento. Mas então, Afonso Costa é continuação de D. Carlos e Afonso Henriques de Afonso VI...
Pedro Miguel

legião 1143 disse...

será totalmente honesto o texto ?
é sabido que a função publica tem regalias que lhes foi dada por salazar , embora isto seja omitido , agora naquele tempo como hoje os salários eram baixos por isso salazar lhes deu regalias , agora será concebível que hoje um estado que leva 34 centimos por cada euro de riqueza produzido , que leva 21 de IVA , permita que pessoas acima de mil euros de ordenado paguem 3 euros numa consulta de 50 com este restante pago por pessoas com ordenados INFERIORES E QUE NÃO TÊM DINHEIRO PARA IR AO MEDICO ?

Anónimo disse...

Ó Amigo Prof. Rebelo
E quem e este Raposo?
O que fez e o que faz na vida, para além de comentador arregimentado?
Opinadores há muitos, de muitas proveniências!
Construtores deste País, a sujar as botas no pó e lama dos caminhos já não serão tantos!
Falar é fácil, opinar também!