quarta-feira, 2 de maio de 2012

"Crónica de um cosmopolita

"Não renuncio aos meus sonhos!" 
(No original francês há um jogo de palavras, que os francófonos entenderão facilmente: "Je "NANTERRE" pas mes rêves!")

"Quarenta e cinco anos depois, regresso à herança intelectual de Maio de 68"


"Ao que se diz, o assassino regressa sempre ao local do crime. Felizmente, a "revolução nanterriana" nunca teve nada de criminoso, mesmo se foi algumas vezes cruelmente injusta, nomeadamente para com Pierre Grappin, um antigo resistente que era em 1968 o decano da faculdade onde tudo começou. Ainda assim, quarenta e cinco anos volvidos, eis-me de  novo em Nanterre! A pedido do seu novo presidente, acabo de aceitar fazer parte do Conselho de Administração de Paris Oeste-Nanterre-La Défense, a designação actual da universidade onde me aturaram do Outono de 1966 até à Primavera de 1968. É evidente -reconheço-o- que há algo de simbólico no simples facto de me terem proposto tal função. Como também é evidente que a faculdade de Nanterre nunca precisou de mim para singrar. Digamos que, com algum pretensiosismo, poderia conceder que os nossos destinos se cruzaram. Na verdade, parece-me mais sensato reconhecer que os símbolos dessa época são apenas isso mesmo, e creditar a Nanterre aquilo que, como local de diálogos e de saberes, trouxe de novo a um movimento cultural muito rico, que ultrapassou largamente os limites geralmente atribuídos aos famosos acontecimentos de Maio.
Porque Nanterre foi sempre algo mais que uma simples faculdade. Esteve na origem de uma das mais ricas escolas de pensamento crítico que, de modo perene, soube alastrar a todo o mundo civilizado, numa altura em que o Paris intelectual e cultural estava desde havia algum tempo a declinar. Foi então, no final dos anos 60, que os meus amigos e eu tivemos como professor um tal Henri Lefebvre, que se tornou a referência maior dos situacionistas e do Movimento do 22 de Março. Edgar Morin, Jean Baudrillard, Alain Touraine, René Lorau, então jovens universitários, foram igualmente nossos docentes. Do lado dos estudantes éramos "raivosos", sendo certo que sem os laços criados com todos esses intelectuais críticos, Maio de 68 nunca teria tido a dimensão social e cultural que acabou por conseguir no seio da sociedade francesa e alhures. Logo após 1968, foram também esses professores, e outros como Foucault, Guattari, Deleuze ou Châtelet, que deram indirectamente origem ao nascimento da Universidade Experimental de Vincennes.
Aquilo que actualmente se designa inadequadamente como "French Theory", deveria na minha opinião passar a "Escola de Nanterre", da mesma maneira que referem como "Escola de Francfort" uma outra grande corrente internacional de pensamento crítico, a qual continua ainda hoje, tal como a nossa, a questionar com pertinência a evolução do mundo e da sociedade ocidental.
A este propósito, faz agora parte dos projectos da Universidade de Paris-Oeste-Nanterre-La Défense aproximar-se da de Paris VIII-Vincennes-St Dennis, bem como tecer ligações privilegiadas de colaboração com outras grandes universidades europeias. Vejo aí matéria para conciliar cada vez mais o meu desejo de liberdade e o meu sonho europeu...
A minha visão do mundo e da sociedade será tudo menos estática e definitiva. Nem poderia ser menos numa tal envolvência social e cultural, simultaneamente complexa e em profunda transformação. Ao contrário do que pensava Parmenides, é possível banhar-se duas vezes no mesmo rio, construindo o futuro sem todavia fazer tábua rasa do passado... Parece-me indispensável em qualquer idade saber conciliar os sonhos de ontem com os de hoje...
Sintetizando, olho em frente, mas não renuncio aos meus sonhos! ("Je regarde devant moi, mais je "NANTERRE" pas mes rêves!")

Daniel Cohn-Bendit, Nouvel Obs, 02/05/2012, página 41


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