sexta-feira, 25 de maio de 2012

Outras terras, mesmos males, outros usos

"Em Itália a "Geração 5 estrelas" do cómico Beppe Grillo vence em Parma

Federico Pizzarrotti, um estreante político, obteve 60% nas eleições autárquicas"


"A tarefa parecia senão impossível, pelo menos muito árdua.Tendo obtido o segundo lugar na primeira volta das eleições autárquicas intercalares em Parma (Região de Emília-Romagne), Federico Pizzarotti venceu no passado dia 21 o seu adversário de centro esquerda, tendo obtido 60% dos sufrágios. Tal como nas restantes 117 comunas sujeitas a desempate, a participação baixou em relação à primeira volta, tendo passado de 65,5% para apenas 51%.
Federico Piazzarotti torna-se assim o símbolo da "Geração 5 Estrelas", homónima do movimento fundado há três anos pelo humorista e blogueiro Beppe Grillo, que obtém a sua primeira vitória importante. Esta nova formação política, que se proclama sem estrutura, sem meios financeiros, sem chefe nem sede, exalta antes de mais os principais valores (honestidade, ecologia, transparência, participação cidadã através da Internet), mas mantém-se omissa sobre outros temas como por exemplo a economia. O movimento defende a saída do euro e rejeita a cura de austeridade do governo de Mário Monti.
"Parma vai ser a nossa Estalinegrado", previu Beppe Grillo, que na segunda-feira a seguir às eleições continuou a usar a mesma metáfora guerreira e duvidosa na sua conta twitter, convidando os seus seguidores a "conquistar Berlim", ou seja criar uma nova surpresa nas eleições legislativas, previstas para a Primavera de 2013. "Geração 5 estrelas" conseguiu eleger também o presidente da câmara em Mira (Venécia, 39 mil eleitores) e Commachio (Emilia-Romagna, 22 mil eleitores).
Esta retumbante vitória em Parma constitui um verdadeiro salto no desconhecido para a capital da indústria alimentar italiana, gabada pela sua qualidade de vida e o seu Festival Verdi. Elegendo um informático bancário de 39 anos, sem antecedentes políticos, este município próspero de 180 mil habitantes (3,6% de desempregados contra 9,3% a nível nacional), inova e volta as costas aos partidos tradicionais que a administraram nos últimos vinte anos. "Para a esquerda, convencida de que ia ganhar, é uma desilusão total", escreveu António Mascolo, responsável pela delegação local do jornal LA REPUBBLICA. "Ainda ninguém consegue imaginar as consequências do que acaba de acontecer".
Para compreender o impacto do acontecimento, há que recuar a Setembro de 2011, quando o presidente da câmara, de centro-direita, Pietro Vignale, foi forçado a demitir-se para dar lugar a um administrador nomeado pelo governo de Roma. A má gestão e a mania das grandezas de Vignali, bem como as manifestações semanais de cidadãos descontentes sob as janelas do seu gabinete, forçaram-no a abandonar, deixando um passivo de 600 milhões de euros. [Em Tomar ainda estamos só nos 80 milhões de euros de passivo, mas também só temos 40 mil habitantes. Vamos portanto no bom caminho.]
O escândalo de Parma poderia talvez ter tido outro desfecho, se não tivesse sido ampliado a nível nacional por intermédio de outros casos mais mediáticos, que não poupam nenhum sector político. O centro esquerda debate-se com o processo Lusi, tesoureiro do antigo partido da Margarida, que roubou 20 milhões de euros de reembolsos eleitorais. Na Liga do Norte, o fundador Humberto Bossi e os seus dois filhos são arguidos num processo por "desvio de fundos públicos". Do lado do Povo da Liberdade (PDL, direita), fundado por Sílvio Berlusconi, o presidente da importante região da Lombardia está a ser interrogado judicialmente sobre umas principescas férias, oferecidas por um empresário.
Foi neste contexto de crise moral e de crise económica que o Movimento 5 estrelas começou a prosperar. Enquanto Beppe Grillo atacava as "manigâncias partidárias" e a "Rigor Montis" (trocadilho com "rigor mortis" = rigidez cadavérica) os seus candidatos preparavam a sua implantação com empenhamento. Jovens e desconhecidos, com frequência diplomados e sem qualquer relação como ar louco e barbudo do seu chefe, ultrapassaram as suas lacunas mediáticas engendrando projectos concretos para cada município. Graças à Internet, estruturaram programas e constituiram equipas. Só em Parma Pizzarotti recebeu pela Internet mais de 250 propostas de colaboração cidadã.
Estes novos eleitos anti-sistema garantem estar desde já operacionais. "Estou desejoso de ver as câmara de televisão abandonarem Parma", explicou-nos logo na segunda-feira o novo presidente do município. "Quero começar a trabalhar quanto mais depressa melhor. Nos próximos dias vou reunir com os banqueiros, tendo em vista a reestruturação da dívida municipal."
Primeira consequência importante da vitória dos "grilos" em Parma, a esquerda não pode cantar vitória, quando afinal consegue escapar praticamente intacta deste primeiro escrutínio da era post-Berlusconi, apesar de apoiar a política de austeridade do governo tecnocrático de Mário Monti. Venceu em Génova (Ligúria) e em Plaisance, conservando assim as suas praças fortes, enquanto que a sua aliada Itália dos Valores ganhou em Palermo. Por seu lado, o PDL de Berlusconi confirma o crescente afundamento e a Liga Norte perdeu todos os confrontos eleitorais em que esteve envolvida.
O Partido Democrata (centro esquerda) cometeu um único erro, mas monumental, apresentando em Parma um candidato do aparelho, já presidente da província, que tinha a desvantagem de não residir na cidade. Pagou caro a sua ousadia e descobriu um novo adversário com o qual terá de passar a contar."


Philippe Ridet, Le Monde, 23/05/2012, página 5

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