terça-feira, 23 de abril de 2013

A teimosia da desagradável realidade

O meu prezado amigo socialista Hugo Cristóvão, um dos melhores políticos do reduzido e pobre alfobre nabantino, teve a gentileza de me brindar, com uma dedicatória que encabeça o seu texto O caminho único, a ler aqui. Respondi-lhe logo a seguir, por meio de um mail, que ele poderá publicar se assim o entender.
Entretanto tive o gosto de ler a magnífica prosa de Jean Daniel, fundador do NouvelObs, cujo tema vem mesmo a propósito para convencer Cristóvão de que não estou sozinho no alegado caminho único. E que não tenho culpa alguma de que a realidade seja tão desagradável e teimosa.



                                          

"A salvação pela repartição equitativa"

"Durante a guerra de 1939/45, Albert Camus dizia que lhe doía a Argélia, onde nascera e crescera. Poderíamos dizer agora que nos dói a França, mas também a esquerda. E teríamos razão pois tanto uma como a outra mudaram profundamente. As sondagens e os inquéritos, que são agora a única verdadeira voz do povo, confirmam que os franceses se preocupam com o desemprego, o futuro dos seus descendentes, o ensino, a segurança e a saúde. E como lhes pedem ao mesmo tempo que se pronunciem sobre a transparência dos rendimentos dos políticos, ou sobre o casamento homosexual, enquanto os seus representantes se injuriam uns aos outros, não se pode dizer que lhes seja fácil refugiar-se na esperança de dias melhores. Ora é mesmo aí que mora o essencial da nossa angústia. Os nossos pais pensavam conhecer os seus inimigos e dispor dos meios para os combater com eficácia. Mas desde a perda de poder e de prestígio da Igreja, do descrédito do marxismo e da crise da escola laica que os refúgios da esperança e da luta se desvaneceram.
Que fazer então? Os melhores dos nossos economistas, quer estejam de acordo ou se oponham,  duvidam todos, ou da eficácia das medidas de austeridade em perspectiva, ou da capacidade de François Hollande para as implementar. 
Ainda muito jovem, tive o ensejo de conversar com Pierre Mendès-France, nessa época ainda bem longe de deter a autoridade intelectual que hoje se lhe reconhece. Após a aulas de economia política que conseguia dar, quase sempre absconsas, mas que o tornavam tão feliz, acabava por dizer que "No fim dos fins, quando se quer praticar o governo do possível, para o qual é necessário dirigir-se à Nação, expondo-lhe toda a verdade e todas as obrigações daí resultantes para cada cidadão, a norma deve ser sempre a igualdade absoluta na repartição dos sacrifícios." E  insistia no termo "repartição", com um fervor quase eclesiástico. Todos os seus amigos conheceram este número, que temiam.
Esta noção de repartição, de partilha,  bem como a inspiração que a acompanha, não deveriam assustar o presidente actual. Podem por exemplo ajudá-lo a não se arrepender de tentar acabar com os paraísos fiscais. É o símbolo dos símbolos. Uma audácia nesse sentido dividiria os seus inimigos. Há que dramatizar a crise para facultar algo de patético à partilha.
Há um outro ponto que desejaria destacar, apesar de ser bastante delicado para os jornalistas. Perante a avalanche de polémicas, o que mais me irrita não são os informadores, os quais muito profissionalmente tentam mostrar-nos que nada têm a ver com o que relatam. Cumprem assim o seu papel e se assim não procedessem, provavelmente seriam criticados. Em contrapartida, podem detectar-se nos comentadores todas de formas de ironia e de desencanto, assim como quem não quer a coisa. Os franceses ficam assim reduzidos a brincar com o declínio da França, a entristecer-se com os seus sucessivos insucessos e a descobrir com complacência no seu espelho a perspectiva de um naufrágio que julgavam reservado a outros povos. O humor é indispensável para tornar menos solene o trágico, e o Estado deve abster-se de tentar moralizar. Mas por outro lado poderia também abster-se de  por vezes desmoralizar, apresentando propostas legislativas inconvenientes ou supérfluas. Tanto mais que, nesses casos, os estrangeiros, sobretudo os nossos vizinhos, não perdem a ocasião de se mostrar impiedosos.
Actualmente ouve-se por todo o lado rejeitar a França, imenso receptáculo da incompetência, da desordem administrativa e da cegueira, que caracterizam a construção europeia. Ignoro qual o futuro dessa maravilhosa empresa. Na realidade a mais bela que um grupo de nações tenha jamais empreendido, sem ainda ter conseguido realizá-la, há que admiti-lo. Houve impérios, federações, confederações, uniões tribais de toda a espécie, mas nunca existiu, de acordo com os meus amigos historiadores, um conjunto de nações escolhendo livremente, e sem qualquer recurso à força, a construção de uma tal utopia."

Jean Daniel, Le Nouvel Observateur, 18/04/2013, página 3

Pois é. Se houvesse mesmo outras vias, além da agreste austeridade, decerto que o experiente Jean Daniel ou os seus colegas jornalistas de esquerda já disso teriam dado conta. Mas não. Só o inefável Seguro e o delinquente Animal Feroz insistem em oferecer aos portugueses uma mão cheia de nada e outra de coisa nenhuma. Quimeras atractivas como brindes eleitoralistas.
Aqui fica portanto, uma vez mais, a minha posição: No estado actual das coisas, quanto a mim não existe qualquer alternativa realista e consensual à politica de austeridade. Donde resulta que, caso houvesse uma queda do governo, o que viesse a seguir seria obrigado a implementar exactamente a mesma política de rigorosa austeridade. Tal como sucederá de resto em Tomar com o vencedor de Outubro próximo, seja ele quem for. É um discurso de direita? É provável. Mas pelo menos não procura adaptar a realidade aos meus desejos.

2 comentários:

Leão_da_Estrela disse...

Óh meu caro professor, então que me diz ao folclore do Álvaro, ontem?

E já agora, às declarações de Durão Barroso e de Lagarde?

E ainda àquela célebre tabela de excell executada a partir de permissas erradas?

E às declarações do 1.º ministro Australiano que chama, com todas as letras, estúpidos aos dirigentes europeus por insistiram na política de austeriade?

E ao caminho seguido pelos EUA na emissão de moeda e na crítica à Europa, que com a recessão que provoca, acabará por arrastar consigo toda a economia mundial?

Tudo gente sem tino, certamente! certo?

cordialmente

Leão_da_Estrela disse...

Óh meu caro professor, então que me diz ao folclore do Álvaro, ontem?

E já agora, às declarações de Durão Barroso e de Lagarde?

E ainda àquela célebre tabela de excell executada a partir de permissas erradas?

E às declarações do 1.º ministro Australiano que chama, com todas as letras, estúpidos aos dirigentes europeus por insistiram na política de austeriade?

E ao caminho seguido pelos EUA na emissão de moeda e na crítica à Europa, que com a recessão que provoca, acabará por arrastar consigo toda a economia mundial?

Tudo gente sem tino, certamente! certo?

cordialmente