domingo, 21 de abril de 2013

Ou diploma ou nada

No seu habitual suplemento semanal, o LE MONDE de ontem publica um longo texto sob o título supra. Nele escalpeliza a particularidade francesa que consiste em considerar os diplomas do ensino superior como substitutos dos antigos títulos de nobreza. Dada a extensão da prosa, decidi traduzir e publicar apenas os quatro últimos parágrafos. Para ver se umas cabecitas que por aí andam a solicitar os votos do pessoal começam finalmente a PERCEBER QUALQUER COISITA SOBRE O MUNDO EM QUE VIVEM, QUER QUEIRAM QUER NÃO...

"Actualmente todos os empregos, incluindo os menos qualificados, exigem diplomas. Pior ainda: Estão fechados para quem os não tenha. "Um estudo do CEREQ (Centro de Estudos e de Investigação sobre as Qualificações profissionais) demonstrou que, quando um empresário recruta alguém para um posto de trabalho menos qualificado, mesmo procurando só uma pessoa fiável, com bom relacionamento e boas qualidades morais, tudo características não diplomáveis, acabará por seleccionar um diplomado, porque lhe ficará praticamente pelo mesmo preço", sublinha Marie Duru-Bellat (Le mérite contre la justice, Les Presses de Sciences-Po, Collection Nouveaux Débats, Paris, 2009). Com tal comportamento, as empresas francesas mais não fazem que alimentar o círculo vicioso diploma = trabalho remunerado.
Semelhante situação provoca nos estudantes do superior reacções sem ilusões. Para o seu livro Os Estudantes e o mérito. Para que serve ser diplomado? (La Documentation Française, Paris, 2011), Elise Tenret, socióloga da educação e professora na Universidade de Paris 9 - Dauphine, entrevistou 766 estudantes do ensino superior: mais de 45% sabem que um diploma é essencial para triunfar na vida, mas para 41,4% dos mesmos, a importância do diploma na procura de um emprego é excessiva. Isto porque a vontade, a motivação, a simpatia ou ainda a capacidade de adaptação não constam dos diplomas. Este sentimento de inadequação contribui sem dúvida para aumentar a ansiedade dos jovens, quando se aproximam a entrada no ensino superior e depois no mundo laboral, decisivas para o resto das suas vidas.
Numa altura em que o diploma reina sem partilha no mundo do trabalho, há no entanto outras formas de acesso às qualificações académicas, as quais vão fazendo o seu caminho timidamente. É o caso da validação universitária da experiência, que permite conceder parte ou a totalidade dos créditos para a obtenção de um diploma. "É a clássica sucessão formação académica > diploma > emprego, lentamente instaurada ao longo do século passado, que assim é posta em causa. Doravante é possível começar pelo emprego ou pela actividade cívica e só depois chegar ao diploma", sublinham Mathias Millet e Gilles Moreau, na sua obra La société des diplômés, La Dispute, Collection Etats des lieux, Paris, 2011.
(Vem muito a propósito relembrar aqui o enorme escândalo despoletado pela descoberta de que uma universidade portuguesa tinha validado a experiência política e profissional de Miguel Relvas, para lhe conceder parte dos créditos de um "canudo", quando afinal por essa Europa fora... Até o animal feroz frequenta Sciences Po - Paris, sem que para tal tenha efectuado o difícil exame de admissão. Porque terá sido? E porque é que ninguém fala no assunto? O que em Paris é prática corrente, em Lisboa é uma actividade delituosa, que até provoca a demissão de um ministro? Somos mesmo muito pequeninos. Videirinhos, dizia o Eça, que escrevia em francês traduzido.)
Um facto parece incontroverso: sendo cada vez mais abundantes, os "canudos" serão também cada vez menos distintivos e em qualquer caso insuficientes para seleccionar candidatos ao emprego. Há de resto já outros critérios de selecção, por assim dizer indispensáveis: actividade cívica e/ou humanitária, experiência de vida, por exemplo. O gigante sueco do móvel e da decoração, IKEA, já há alguns anos que selecciona para as suas lojas a partir, não do currículo e da competência académica, mas do saber fazer, do saber estar e do saber ser. Tudo coisas para as quais não existe qualquer "canudo".

Nathalie Brafman, Le Monde - Culture & Idées, 20/04/2013, página 7

É o que eu não me canso de dizer: Na política como na vida em geral, convém ter Mundo. Mas quem consegue convencer umas pessoas cuja capacidade intelectual nem lhes permite entender,  por comparação, que são muito fraquinhas?

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