No seu habitual suplemento semanal, o LE MONDE de ontem publica um longo texto sob o título supra. Nele escalpeliza a particularidade francesa que consiste em considerar os diplomas do ensino superior como substitutos dos antigos títulos de nobreza. Dada a extensão da prosa, decidi traduzir e publicar apenas os quatro últimos parágrafos. Para ver se umas cabecitas que por aí andam a solicitar os votos do pessoal começam finalmente a PERCEBER QUALQUER COISITA SOBRE O MUNDO EM QUE VIVEM, QUER QUEIRAM QUER NÃO...
"Actualmente todos os empregos, incluindo os menos qualificados, exigem diplomas. Pior ainda: Estão fechados para quem os não tenha. "Um estudo do CEREQ (Centro de Estudos e de Investigação sobre as Qualificações profissionais) demonstrou que, quando um empresário recruta alguém para um posto de trabalho menos qualificado, mesmo procurando só uma pessoa fiável, com bom relacionamento e boas qualidades morais, tudo características não diplomáveis, acabará por seleccionar um diplomado, porque lhe ficará praticamente pelo mesmo preço", sublinha Marie Duru-Bellat (Le mérite contre la justice, Les Presses de Sciences-Po, Collection Nouveaux Débats, Paris, 2009). Com tal comportamento, as empresas francesas mais não fazem que alimentar o círculo vicioso diploma = trabalho remunerado.
Semelhante situação provoca nos estudantes do superior reacções sem ilusões. Para o seu livro Os Estudantes e o mérito. Para que serve ser diplomado? (La Documentation Française, Paris, 2011), Elise Tenret, socióloga da educação e professora na Universidade de Paris 9 - Dauphine, entrevistou 766 estudantes do ensino superior: mais de 45% sabem que um diploma é essencial para triunfar na vida, mas para 41,4% dos mesmos, a importância do diploma na procura de um emprego é excessiva. Isto porque a vontade, a motivação, a simpatia ou ainda a capacidade de adaptação não constam dos diplomas. Este sentimento de inadequação contribui sem dúvida para aumentar a ansiedade dos jovens, quando se aproximam a entrada no ensino superior e depois no mundo laboral, decisivas para o resto das suas vidas.
Numa altura em que o diploma reina sem partilha no mundo do trabalho, há no entanto outras formas de acesso às qualificações académicas, as quais vão fazendo o seu caminho timidamente. É o caso da validação universitária da experiência, que permite conceder parte ou a totalidade dos créditos para a obtenção de um diploma. "É a clássica sucessão formação académica > diploma > emprego, lentamente instaurada ao longo do século passado, que assim é posta em causa. Doravante é possível começar pelo emprego ou pela actividade cívica e só depois chegar ao diploma", sublinham Mathias Millet e Gilles Moreau, na sua obra La société des diplômés, La Dispute, Collection Etats des lieux, Paris, 2011.
(Vem muito a propósito relembrar aqui o enorme escândalo despoletado pela descoberta de que uma universidade portuguesa tinha validado a experiência política e profissional de Miguel Relvas, para lhe conceder parte dos créditos de um "canudo", quando afinal por essa Europa fora... Até o animal feroz frequenta Sciences Po - Paris, sem que para tal tenha efectuado o difícil exame de admissão. Porque terá sido? E porque é que ninguém fala no assunto? O que em Paris é prática corrente, em Lisboa é uma actividade delituosa, que até provoca a demissão de um ministro? Somos mesmo muito pequeninos. Videirinhos, dizia o Eça, que escrevia em francês traduzido.)
Um facto parece incontroverso: sendo cada vez mais abundantes, os "canudos" serão também cada vez menos distintivos e em qualquer caso insuficientes para seleccionar candidatos ao emprego. Há de resto já outros critérios de selecção, por assim dizer indispensáveis: actividade cívica e/ou humanitária, experiência de vida, por exemplo. O gigante sueco do móvel e da decoração, IKEA, já há alguns anos que selecciona para as suas lojas a partir, não do currículo e da competência académica, mas do saber fazer, do saber estar e do saber ser. Tudo coisas para as quais não existe qualquer "canudo".
Nathalie Brafman, Le Monde - Culture & Idées, 20/04/2013, página 7
É o que eu não me canso de dizer: Na política como na vida em geral, convém ter Mundo. Mas quem consegue convencer umas pessoas cuja capacidade intelectual nem lhes permite entender, por comparação, que são muito fraquinhas?
Semelhante situação provoca nos estudantes do superior reacções sem ilusões. Para o seu livro Os Estudantes e o mérito. Para que serve ser diplomado? (La Documentation Française, Paris, 2011), Elise Tenret, socióloga da educação e professora na Universidade de Paris 9 - Dauphine, entrevistou 766 estudantes do ensino superior: mais de 45% sabem que um diploma é essencial para triunfar na vida, mas para 41,4% dos mesmos, a importância do diploma na procura de um emprego é excessiva. Isto porque a vontade, a motivação, a simpatia ou ainda a capacidade de adaptação não constam dos diplomas. Este sentimento de inadequação contribui sem dúvida para aumentar a ansiedade dos jovens, quando se aproximam a entrada no ensino superior e depois no mundo laboral, decisivas para o resto das suas vidas.
Numa altura em que o diploma reina sem partilha no mundo do trabalho, há no entanto outras formas de acesso às qualificações académicas, as quais vão fazendo o seu caminho timidamente. É o caso da validação universitária da experiência, que permite conceder parte ou a totalidade dos créditos para a obtenção de um diploma. "É a clássica sucessão formação académica > diploma > emprego, lentamente instaurada ao longo do século passado, que assim é posta em causa. Doravante é possível começar pelo emprego ou pela actividade cívica e só depois chegar ao diploma", sublinham Mathias Millet e Gilles Moreau, na sua obra La société des diplômés, La Dispute, Collection Etats des lieux, Paris, 2011.
(Vem muito a propósito relembrar aqui o enorme escândalo despoletado pela descoberta de que uma universidade portuguesa tinha validado a experiência política e profissional de Miguel Relvas, para lhe conceder parte dos créditos de um "canudo", quando afinal por essa Europa fora... Até o animal feroz frequenta Sciences Po - Paris, sem que para tal tenha efectuado o difícil exame de admissão. Porque terá sido? E porque é que ninguém fala no assunto? O que em Paris é prática corrente, em Lisboa é uma actividade delituosa, que até provoca a demissão de um ministro? Somos mesmo muito pequeninos. Videirinhos, dizia o Eça, que escrevia em francês traduzido.)
Um facto parece incontroverso: sendo cada vez mais abundantes, os "canudos" serão também cada vez menos distintivos e em qualquer caso insuficientes para seleccionar candidatos ao emprego. Há de resto já outros critérios de selecção, por assim dizer indispensáveis: actividade cívica e/ou humanitária, experiência de vida, por exemplo. O gigante sueco do móvel e da decoração, IKEA, já há alguns anos que selecciona para as suas lojas a partir, não do currículo e da competência académica, mas do saber fazer, do saber estar e do saber ser. Tudo coisas para as quais não existe qualquer "canudo".
Nathalie Brafman, Le Monde - Culture & Idées, 20/04/2013, página 7
É o que eu não me canso de dizer: Na política como na vida em geral, convém ter Mundo. Mas quem consegue convencer umas pessoas cuja capacidade intelectual nem lhes permite entender, por comparação, que são muito fraquinhas?
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